quinta-feira, 17 de maio de 2007

Educação: hora de aprofundar o debate (a quatro mãos com a Mari)

e Mariana Oliveira do Nascimento Teixeira

Em artigo publicado no espaço “Tendências e Debates” desta Folha no dia 8 maio, a socióloga Maria Alice Setubal, comenta em seu texto “Um falso dilema para a educação” da sua satisfação em perceber que a educação entrou para a agenda das discussões quotidianas do país, e levanta o que ela chamou de falso dilema na educação básica pública: se sua melhoria passa pela gestão eficiente ou por mais recursos. Se embasando tanto em exemplos da iniciativa privada quanto da escola pública, ainda que de maneira geral, a socióloga nos apresenta que o bom funcionamento de uma escola depende tanto de recursos quanto da gestão desses recursos.
Concordamos com aquilo que ela apresentou e fazemos coro à sua satisfação de ver a educação ganhando destaque – ainda que tarde e aquém do que imaginamos ser necessário – nos círculos de formadores de opinião.
Contudo, trazemos aqui nossa preocupação quanto ao debate que tem ocorrido e se intensificado nestes últimos tempos. Não parece haver grandes discordâncias quanto à necessidade de se garantir o acesso e a permanência das crianças e adolescentes do Brasil na escola, e que a educação por eles recebida seja uma educação de qualidade, independente de ser uma escola pública ou privada, da região norte ou sul, de um bairro pobre ou rico. Porém, não temos visto discussões quanto a que tipo de educação deve ser ministrada, tendo em vista que objetivos, como devem ser organizadas (não somente geridas) as escolas, as aulas, de que forma estas devem ser dadas.
Acreditamos que a busca por soluções para os problemas da educação brasileira passa, necessariamente, pela “boa governança”, levantada pela Maria Alice Setubal, mas demanda mudanças radicais a serem feitas. O problema de comportamento e indisciplina, apesar de geralmente mais visível nas escolas públicas, está fortemente presente também nas escolas particulares; ajuda a explicar este problema a caducidade do atual método vigente na maioria das escolas, de um professor na frente da sala recitando o conteúdo para alunos em formação militar, e a relação professor-aluno. A própria divisão das matérias em disciplinas estanques e separadas está obsoleta para as exigências da sociedade atual, algo que o MEC já tem notado, haja visto as mudanças introduzidas no Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, divido em três grandes áreas, linguagens, códigos e suas tecnologias, ciências naturais, matemática e suas tecnologias e ciências humanas e suas tecnologias.
Quanto à relação da escola com a comunidade, são várias as pesquisas que demonstram que as escolas onde a participação dos pais se faz mais presente o rendimento médio dos alunos é melhor do que aquelas em que o que ocorre dentro dos muros da escola é de responsabilidade exclusiva desta. A melhora da educação passa pelo comprometimento de todos e este é alcançado de maneira mais fácil e efetiva na medida em que a escola, mais do que se abrir à comunidade, passa a se integrar a ela, e deixa de ser um local onde as crianças e jovens vão para ter aulas, mas onde todos, professores, alunos, pais de alunos e não alunos vão para momentos de aprendizado, de lazer, de leituras, de debates, para palestras. A escola deve ser encarada como um dos pólos de socialização da comunidade, um local de vivência, troca de conhecimentos e discussões sobre o mundo atual.
Diante do que foi apresentado acima, cabe perguntar que pessoa será formada ao fim do ciclo básico de educação. Que tipo de cidadão esperamos e o Brasil necessita? Será cidadão respeitador da ordem – qualquer ordem – ou será um cidadão crítico e conhecedor dos meios legais para fazer valer os seus direitos? E que nação projetamos quando imaginamos os jovens formados pelas escolas no bicentenário da nossa independência? Qual a demanda principal do nosso país que projetamos para daqui quinze anos? Agronegócios, indústrias de alta-tecnologia, setor de serviços e turismo? É preciso ter em mente este aspecto até para poder ajustar os mecanismos de avaliação da educação ministrada: estamos dizendo que o ensino ministrado nas escolas está ruim em relação a que? O das escolas públicas está ruim em relação às escolas privadas, mas o ensino destas é bom? Não é o que mostram as avaliações internacionais, como o Pisa. Mas as demandas do Brasil serão as mesmas dos EUA e da Europa, por exemplo, para podermos nos comparar a eles sem qualquer ressalva?
Uma última questão se põe, ou melhor, não se põe: qual o papel da universidade na construção dessa educação básica universal e de qualidade? Concomitante à discussão sobre educação básica temos também a discussão da reforma universitária: não seria o momento de juntar – aproximar, ao menos – esses dois debates, já que ambos estão fortemente imbricados? Pois é absurdo tanto discutir a universidade sem levar em conta que formação terá o aluno nela ingressante, assim como discutir a educação básica sem considerar que espécie de professor é formado nos bancos da academia.
Sabemos, evidentemente, que todas essas perguntas não têm resposta fácil – teoricamente e mais ainda na prática. Entretanto, acreditamos que somente através de um debate que realmente questione visões sobre os objetivos e a forma da educação no Brasil caminharemos para respostas e sua implementação efetiva. Ficamos contentes, pois, que o assunto esteja ganhando espaço na agenda, o governo cobrado a assumir suas responsabilidades, e vemos que é chegada a hora para darmos um passo além no debate, questionando o ensino e o sistema educacional do país como um todo.

Campinas, 17 de maio de 2007

domingo, 6 de maio de 2007

Especialistas e experiências

Caminhamos para uma sociedade em que a experiência, para ser aceita, precisa ser quantificável. Qualquer experiência que não possa ser contabilizada em títulos, artigos, carimbos ou renda é descartada não como secundária, mas como desprezível, praticamente inexistente. Ao se desprezar esse tipo de experiência, despreza-se junto toda a experiência, toda vivência quotidiana – até o momento em que ela renda frutos visívei$. A experiência de olhar, do olhar, por exemplo, soa absurda na vida atual. Ainda que vivamos em um mundo cujo olhar seja a percepção dominante, o que temos, no máximo, é o adestramento desse sentido pelo cinema, tv e outros meio – algo muito distinto de viver uma experiência visual.
O absurdo a que nos leva essa questão da experiência pode ser vista nas prateleiras de uma livraria. Foi-se o tempo em que auto-ajuda se restringia ao sucesso e à sua conseqüência natural, a felicidade – algo que, em tese, somente alguns alcançam e por isso nós, reles mortais, precisaríamos conhecer a sua experiência. O que pensar quando nos deparamos com um livro sobre beijo? Que experiência pode haver no ato além da vivida? E como é possível transmitir “experiências” como essa? Ou então um livro sobre a importância das crianças brincarem? Não que a recomendação de deixá-las brincar seja absurda em nossa sociedade do sucesso, mas será preciso um livro – escrito por um PhD, óbvio – para segui-la? Por que não escutar nossas avós, nossos pais? Por que a necessidade de um especialista até para termos segurança quanto ao óbvio?
Isto levanta uma outra questão: na sociedade do sucesso, deve-se evitar a todo custo qualquer erro, qualquer fracasso. E qual não é a chance de errar ao se arriscar? “Quem não arrisca não petisca”, diz o manjado ditado. No fundo, o que a auto-ajuda se pretende é ensinar como “petiscar sem arriscar”, ou “como se arriscar com segurança”. O que resulta em uma legião de covardes, que não querem arriscar, experimentar, criar, e muito menos assumir grandes responsabilidades. Falta tempo aos pais para poderem lidar mais intensivamente com seus filhos? Mas se vivemos em um mundo que despreza esse tipo de experiência quotidiana, de que adiantaria uma maior vivência nesse sentido? As pessoas antes acreditam e aceitam de pronto o que fala o especialista no programa da Ana Maria Braga, e preferem olhar cheios de receios a educação que receberam de seus pais – ainda que a admitam acertada na sua maioria –, porque um especialista estudou a fundo o assunto, e o que fala, fala com propriedade, enquanto nós, reles mortais... que podemos saber além do que vivenciamos? Além do mais, se algo sair errado, a culpa não é dos pais, que se esforçaram para dar o melhor – o mais avançado – para seus filhos em matéria de educação.
Claro que essa questão da experiência tem várias outras perspectivas, que tornam o problema bem mais complexo. Mas há um porém inicial que nenhum livro de auto-ajuda levanta, seja do sucesso-felicidade, seja do beijo, seja do guia para pais: na prática, a teoria é outra. E querer enfiar a prática no quadrado da teoria é caminho quase certeiro para o fracasso.

Campinas, 06 de maio de 2007