“Entre
com cuidado no amarelo piscante” é um crônica escrita no fim do
mês passado por uma amiga, Jessica Ueno. Trata-se da frase presente
em duas placas na avenida Vergueiro, que em seu texto Jessica não
apenas faz uso do duplo sentido, como se insinua ela própria num
texto insinuante. Uma crônica bem escrita e divertida, que recomendo
a leitura [http://j.mp/qcQD6b]. Se alguém resolver ler outros textos
dela, vai notar que “Entre com cuidado...” destoa do seu estilo
habitual, que bebe muito em Clarice, e soam textos bastante
apaixonados, tempestuosos, existenciais.
Terça-feira
a acompanhei em parte do trajeto do CCSP até sua casa, que, além de
prolongar um pouco mais o agradável papo, ela fez questão de me
mostrar os sussurrantes convites para entrar com cuidado no amarelo
piscante.
Lembrei
desse seu último texto este domingo, quando ia para uma apresentação
de dança na Galeira Olido. Pelo caminho me deparei com duas placas
como as que Jessica só conhecia na avenida Vergueiro: uma na rua
Augusta, quase na praça Roosevelt, outra na esquina da rua da
Consolação com a avenida São Luís. Chutando baixo, muito baixo,
passei mais de sessenta vezes por ao menos uma dessas placas. Nunca
as tinha percebido – e talvez levasse outras cento e oitenta para,
quem sabe, me dar conta delas.
Foi,
portanto, graças a uma crônica quotidiana – banal, que alguns (eu
um par de anos atrás, por exemplo) talvez até a qualificassem de
“bobinha”, por não lidar com política ou alguma grande questão
–, que o que era mero fundo, indiferente em meio à profusão de
estímulos da cidade, despontou em primeiro plano, ganhando realidade
por si. Isso me remeteu a Merleau-Ponty, que comenta que em um texto
literário, as palavras conduzem tanto quem fala (ou escreve) quanto
quem ouve (ou lê) “a uma significação nova, mediante uma
potência de designação que excede a definição que elas [as
palavras] receberam, mediante a vida surda que levaram e continuam a
levar em nós”. Encarar as palavras de uma maneira inusual acaba
também por nos fazer – se sairmos do nosso casulo e nos pormos no
mundo – ver coisas que fugiam do nosso hábito até então – que
seja placas sobre amarelos piscantes, ou mendigos que já fazem parte
da paisagem.
Mesmo
não se tratando de um gênero com o estatuto do romance, não deixei
de me surpreender ao notar que uma simples crônica, escrita em um
tom de jogo mais do que qualquer outra coisa, como ela nos oferece
outras oportunidades de perceber a cidade, nosso entorno, a vida que
nos cerca e em meio a qual passamos nossos dias.
Disse
eu algures (para ser mais específico, o texto “a prosa do mundo”,
na Casuística 101 [http://j.mp/casu101]), que toda escrita começa
pelo olhar. Faço, pois, um adendo: quando de qualidade e posta para
circular, novos olhares começam a partir da escrita.
São
Paulo, 03 de junho de 2012.
ps: como dá para reparar na foto, uma placa dessas há (ou havia) também na Liberdade.
ps: como dá para reparar na foto, uma placa dessas há (ou havia) também na Liberdade.
Sem comentários:
Enviar um comentário