Nos anos 90, as pessoas mais antigas vão se lembrar (não que eu tenha como me lembrar disso! Foi uma dessas que me contou, me falha a memória se foi o nobre colega Carnegie ou a nobre colega Meireles), havia uma propaganda de refrigerante em que, num primeiro momento, um líquido verde insinuantemente refrescante era despejado num copo; no momento seguinte a câmera abria o plano e no vasilhame do qual tal líquido saía e lia-se “óleo de fígado de bacalhau”; a seguir a voz em off recitava o slogan: “imagem não é nada, sede é tudo. Respeite sua sede”. Moral da propaganda: podemos ter sede do que for, inclusive de óleo de fígado de bacalhau, e isso merece ser respeitado por todos. Havia também quem interpretasse a mensagem como um alerta de que as imagens enganam, mas não acho que uma propaganda teria interesse em ludibriar alguém.
De qualquer modo, vou utilizar essa segunda interpretação para falar de criança: aparências enganam. Crianças bem comportadas, ou costumam ser pobres crianças reprimidas e infelizes; ou não são tão bem comportadas assim. Falo por experiência própria: sempre fui essa criança exemplo para professores e pais de amigos: artes fazia algumas, claro, mas eram coisas simples e não mereciam nem uma bronca de verdade. As artes mais espoletas, que mereciam ir para direção, tomar bronca, chamar os pais, quando não faziam a coordenação quase ter um chilique, essas eu nunca fiz - apenas era o mentor intelectual para meus coleguinhas com menos tino (e menos ideias).
Uma das grandes estratégias que criei quando criança foi sugerir que dois colegas arranjassem qualquer pretexto para serem levados pela professora para a coordenação, deixando livre até sua volta ou a chegada do bedel para outro colega aprontar alguma, como esvaziar o extintor de pó no corredor (outra ideia minha). Deu muito certo! O problema foi que meu colegas adoraram a estratégia e depois de três vezes ficou evidente o estratagema. Houve outros casos, mas não me lembro agora - nem depois, e se alguém lembrar, não é verdade!
Se essa sugestão foi útil, não sei - creio que não -, porém o texto não deixou de ter suas utilidades. Duas, para ser mais específico.
Isso graças à colega Nudd (sim, tenho uma colega a uma letra de ser uma Ludd, e nem isso a sensibilizou a se tornar uma ludista). Ela leu meu texto e o pavor do rato no banheiro se espalhou agora também entre a ala feminina do setor. A tese de Macedo, o nobre colega, das marcas serem de alguém com prisão de ventre, não convenceu - também ninguém se apresentou como sendo o autor daquelas marcas de unhas na porta da cabine.
Eis a primeira utilidade pública: agora temos todo um setor com medo de se sentar no trono durante o expediente. Provavelmente os chefes, se ficarem sabendo da minha existência e destas mal traçadas linhas, vão me agradecer, pois isso significa menos tempo ocioso. Claro, como bons liberais que são, tem suas limitações cognitivas, e nenhum momento em seus MBA de gestão de pessoas e negócios eles devem ter se questionando se uma pessoa com vontade de ir ao banheiro renderá mais que uma pessoa com suas funções fisiológicas elementares satisfeitas - o importante para eles é que seus subordinados fiquem o maior tempo possível na posição de trabalho, mesmo que não estejam trabalhando (para um liberal, imagem é tudo; e sede dos outros, ou qualquer outra necessidade que não lhe renda lucro, não é nada).
Sim, uma criança bem comportada - como eu era.