domingo, 14 de agosto de 2016

Estudo sobre a meia-idade na segunda década do século XXI [Diálogos com o teatro]

Dentro de uma moldura masculina, na pela de quatro homens, Estudo sobre o masculino: primeiro movimento, residência artística de Antônio Duran, dramaturgista do Teatro da Vertigem, fala sobre a meia idade em quatro sujeitos que não seguiram o "caminho natural da vida" - que nada tem de natural, é antes um fluxo socialmente imposto e cada vez mais caduco na modernidade tardia.
Quatro atores, entre 45 e 55 anos, heterossexuais. Deveriam estar estabelecidos, casados - ou ao menos terem sido -, os filhos começando a caminhar pelas próprias pernas, e a atenção voltando novamente para si e sua vida, com a fatídica pergunta: "que fiz eu da minha vida?", ou melhor, "que deixei eu fazerem da minha vida?" - crise retratada em muitos filmes, como Beleza Americana (Sam Mendes, 1999) ou A era das trevas (traduzido como A idade da inocência no Brasil, Denys Arcand, 2007). Não é esse o caso que Estudo sobre o masculino retrata: o caminho heterodoxo dos quatro, sem terem feito nenhum comprometimento maior ao longo de suas vidas, faz com que muitas vezes surja a pergunta se não deveriam ter seguido o tal "caminho natural". Por não seguirem o fluxo, parte do drama dos quatro é não poderem fugir à responsabilidade de estar aonde estão: se não é o ponto aonde gostariam estar, é aonde conseguiram chegar com os percalços que a vida põe - não deixaram de tentar para agradar aos pais, para se adaptar a um padrão social. Pelo contrário, a história que contam é a de quem passou a vida fugir da "vida de merda" que lhes era reservada: bom salário, bom marido, bom pai, almejando ser o funcionário do mês e que seu filho consiga fugir desse paraíso feito de obrigações e privações. Em momentos nos perguntamos se conseguiram realmente fugir, ou apenas postergar.
Se comprometeram pela metade com o sistema, sem fracassarem: estão ali, de terno e gravata, a mostrar que em seu trajeto ganharam respeito - ao mesmo tempo falta a calça e a camisa, a dar prova de sua rebeldia e liberdade, ainda que limitadas. O problema de sua heterodoxia, feita de uma crítica pela metade, é que o corpo começa a demonstrar os sinais do tempo: a barriga, os cabelos brancos ou ralos, a falta de fôlego: "só ao me ver no espelho vejo que envelheço", diz um deles. Não viram o tempo passar, mas vêem a velhice se aproximar, por isso têm pressa, por isso repetem seguidamente que querem mais tempo, por isso correm. A velhice soa um fardo: numa sociedade em que "velho" é ofensa, e em que juventude é valor absoluto, não foram críticos o suficiente para fugir dessa valoração absurda e tida como natural, não souberam envelhecer, encarar os anos que se acumulam invariavelmente sobre as costas com serenidade, e na meia idade não sabem lidar com as limitações que o corpo impõe. Talvez por conseqüência de terem assumido esse valor social, nem o corpo nem os desafios que a idade impõe: em certos momentos parecem adolescentes ainda crus da vida - e que apontam seguir na mesma direção quando têm pressa, como se precisassem usar um certo "capital juventude" que têm estocado e precisa ser gasto antes que passe da validade - antes que passem à invalidez. 
Em dez anos estarei eu na meia-idade. Pelo que caminhei até aqui e para onde aponto, também eu terei seguido por um caminho heterodoxo, crítico da sociedade pela metade - o suficiente para pleitear algum sucesso. Também eu tenho pressa, também eu corro - desde já. Após assistir Estudo sobre o masculino, pus a me questionar: fujo da morte ou da velhice?


14 de agosto de 2016



Estudo sobre o masculino: Primeiro movimento from Andreia Teixeira on Vimeo.

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