Dentro
de uma moldura masculina, na pela de quatro homens, Estudo sobre o
masculino: primeiro movimento, residência artística
de Antônio Duran, dramaturgista do Teatro da Vertigem, fala
sobre a meia idade em quatro sujeitos que não seguiram o "caminho
natural da vida" - que nada tem de natural, é antes um fluxo
socialmente imposto e cada vez mais caduco na modernidade tardia.
Quatro
atores, entre 45 e 55 anos, heterossexuais. Deveriam estar
estabelecidos, casados - ou ao menos terem sido -, os filhos
começando a caminhar pelas próprias pernas, e a atenção voltando
novamente para si e sua vida, com a fatídica pergunta: "que fiz
eu da minha vida?", ou melhor, "que deixei eu fazerem da
minha vida?" - crise retratada em muitos filmes, como Beleza
Americana (Sam Mendes, 1999) ou
A era das trevas (traduzido
como A idade da inocência no
Brasil, Denys Arcand, 2007). Não é esse o caso que Estudo
sobre o masculino retrata: o
caminho heterodoxo dos quatro, sem terem feito nenhum
comprometimento maior ao longo de suas vidas, faz com que muitas
vezes surja a pergunta se não deveriam ter seguido o tal "caminho
natural". Por não seguirem o fluxo, parte do drama dos quatro é
não poderem fugir à responsabilidade de estar aonde estão: se não
é o ponto aonde gostariam estar, é aonde conseguiram
chegar com os percalços que a vida põe - não deixaram de tentar
para agradar aos pais, para se adaptar a um padrão social. Pelo
contrário, a história que contam é a de quem passou a vida fugir
da "vida de merda" que lhes era reservada: bom salário,
bom marido, bom pai, almejando ser o funcionário do mês e que seu
filho consiga fugir desse paraíso feito de obrigações e privações.
Em momentos nos perguntamos se conseguiram realmente fugir, ou apenas
postergar.
Se comprometeram pela metade com o sistema, sem fracassarem: estão
ali, de terno e gravata, a mostrar que em seu trajeto ganharam
respeito - ao mesmo tempo falta a calça e a camisa, a dar prova de
sua rebeldia e liberdade, ainda que limitadas. O problema de sua
heterodoxia, feita de uma crítica pela metade, é que o corpo começa
a demonstrar os sinais do tempo: a barriga, os cabelos brancos ou
ralos, a falta de fôlego: "só ao me ver no espelho vejo que
envelheço", diz um deles. Não viram o tempo passar, mas vêem
a velhice se aproximar, por isso têm pressa, por isso repetem
seguidamente que querem mais tempo, por isso correm. A velhice soa um
fardo: numa sociedade em que "velho" é ofensa, e em que
juventude é valor absoluto, não foram críticos o suficiente para
fugir dessa valoração absurda e tida como natural, não souberam
envelhecer, encarar os anos que se acumulam invariavelmente sobre as
costas com serenidade, e na meia idade não sabem lidar com as
limitações que o corpo impõe. Talvez por conseqüência de terem
assumido esse valor social, nem o corpo nem os desafios que a idade
impõe: em certos momentos parecem adolescentes ainda crus da vida -
e que apontam seguir na mesma direção quando têm pressa, como se
precisassem usar um certo "capital juventude" que têm
estocado e precisa ser gasto antes que passe da validade - antes que
passem à invalidez.
Em dez anos estarei eu na meia-idade. Pelo que caminhei até aqui e
para onde aponto, também eu terei seguido por um caminho heterodoxo,
crítico da sociedade pela metade - o suficiente para pleitear algum
sucesso. Também eu tenho pressa, também eu corro - desde já. Após
assistir Estudo sobre o masculino, pus a me questionar: fujo
da morte ou da velhice?
14 de agosto de 2016
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