segunda-feira, 14 de outubro de 2002

Corajosos

"Faltam 13 dias para o segundo turno". Fiquei impressionado ao ver, no programa eleitoral de hoje à noite, os dois candidatos à presidência remanescentes falarem isso com uma expressão feliz. Sinceramente, já me impressionou haver quatro postulantes a assumir esta canoa furada (excluo os outros dois candidatos por eles entrarem na eleição sabendo não terem qualquer chance de ganhar). Me pergunto o que leva alguém em sã consciência a almejar a presidência do Brasil no cenário atual. Projeto pessoal, inspiração divina, peso na consciência, miopia?

Não duvido que todos os candidatos querem construir um país melhor. Mas querer é uma coisa, fazer é outra; e para construir um país melhor é necessário que haja condições para isso.

Não conheço muito história, mas creio que o governo FHC deve entrar para a história nacional como um dos piores que já se viu nestes tristes trópicos. Sua única grande obra em oito anos foi uma estabilidade vagabunda que não está durando nem até o final do seu próprio mandato. Tão ruim foi seu governo que até o seu candidato canta e repete que quer mudança. Ah, sim! outra grande obra do sociólogo foi construir amarras que acabam fazendo com que ele governe, de certa forma, um ano a mais.

A vulnerabilidade externa já havia levado os quatro principais candidatos a se comprometerem com os acordos feitos por FHC. Entretanto o candidato vencedor devera optar por qual compromisso cumprir: os feitos pelo FHC com os grandes especuladores internacionais ou os feitos durante a campanha eleitoral, com o povo. Impossível conciliar os dois, eles são opostos, antagônicos, incompatíveis.

Não obstante, estão preparando para 2004 a segunda edição da maior festa da era FHC: o apagão. Animado com os ãos, FHC também preparou outra festa do gênero, que pode acontecer já na próxima safra, segundo especialistas: o paradão, a versão agrária do apagão. Enquanto a questão energética transformou-se no principal gargalo da produção industrial, o paradão pode se tornar o principal gargalo da produção agrícola. Trata-se do colapso do transporte de cargas agrícolas por causa das péssimas condições da malha de transporte e do número de portos do Brasil. Solução para os dois ãos: investimentos imediatos na construção de geradoras de energia e na extensão das hidrovias e ferrovias.

Gastos que o próximo governo se verá obrigado a fazer. Além de investimentos na educação, que está em estado calamitoso; em segurança, que hoje não existe; em saúde, que está agonizante; em urbanização, em programas de combate à fome, de combate à pobreza e outras mais. Mas o governo também precisa, segundo os compromissos assumidos por FHC para seu sucessor, economizar 3,8% do que arrecada, para pagar juros à banqueiros internacionais.

Sem dúvida o Brasil precisa de mudanças. Mudanças urgentes e radicais. Os dois candidatos sabem disso, e os dois prometem mudança. Mas fica aquela pulga atrás da orelha, de como que alguém que colaborou com o governo FHC por oito anos possa fazer todas as mudanças que o país precisa. Pouco importa se é verdade o que ele diz, de que foi crítico das ditas diretrizes do atual governo: muitos outros foram convidados para assumir ministérios e, para não ajudar um sistema o qual criticavam, recusaram.

Ainda não sei se querer presidir o Brasil hoje é patriotismo ou se é miopia. Sempre que os candidatos falam dos seus programas de governo eu sinto que nem eles acreditam no que falam. Se acreditam, socorro!, mais quatro anos de Mr. Magoo pela frente. Coragem, Brasil, você agüenta!


Pato Branco, 14 de outubro de 2002

segunda-feira, 7 de outubro de 2002

Em busca de ontem

O tempo passa, as coisas envelhecem, as pessoas mudam. Vidas que partem, vidas que chegam. Os adultos de ontem são os velhos de hoje, os adultos de hoje foram os jovens de ontem, as crianças de hoje serão os jovens de amanhã. Eis a vida desde os seus primórdios. O inexorável caminho que ela segue, sem se importar com guerras, filosofias ou avanços da medicina. A vida que tem sempre um princípio e um fim, e ainda assim é eterna.

Mas o homem, apesar de preso à vida e à sua lei, consegue em muitos aspectos impor o seu próprio ritmo. São os hábitos, os costumes, as tradições. Mas, ao mesmo tempo que o homem tenta preservar o seu entorno tal como ele hoje se encontra, ele o modifica. Entretanto o homem nunca quer preserva o que é, mas sempre o que foi, pois o homem nunca se dá conta do que tem, só do que perdeu. Tentar preservar alguma coisa é um sinal de que, pelo menos em parte, essa coisa já foi perdida.

E não é apenas o reacionário, o conservador que assim age. Quem garante que os chamados progressistas, os revolucionários não querem, no fundo, retornar ao mundo perfeito que aparentemente os rodeava quando crianças? E mesmo as revoluções, por mais radicais que tenham sido, não conseguiram – se é que realmente tentaram – destruir e apagar os hábitos, tradições e todo o simbólico que havia antes dela.

E será mesmo que o que foi é melhor do que é? Para o homem, animal movido pela insatisfação, a resposta é positiva. Aceitar o mundo, aceitar a vida tal como ela é hoje, não passa de uma forma de depressão. É aceitar que o hoje é igual ao ontem e o amanhã será igual. É uma depressão sem a amargura, mas que não deixa de ser a negação da vida, porque a vida é mudança, é querer mudar, nem que seja para manter as coisas como estão. E para mudar, é preciso estar insatisfeito.

É a vida, então, eterna insatisfação? De certa forma é, e até certo ponto é salutar. Insatisfação não é necessariamente sinônimo de infelicidade. A insatisfação que não te prostra, não te revolta e não te desanima é a afirmação da vida. A insatisfação com esse algo grande, onipresente, mas não opressor, que temos a convicção de poder resolver com as próprias mãos, sabe-se lá como, é a afirmação da vida, é a própria vida na sua vontade máxima. Já quando a insatisfação tem algo específico que a produz ou que promete resolvê-la (uma pessoa, um objeto, uma idéia), é uma insatisfação perniciosa, que ataca a vida e não a motiva. Não é uma insatisfação com a vida, mas com aspectos dela, é se perder em picuinhas e deixar passar o que é importante. Diz-se que quem ainda faz distinção entre o Reino dos Céus e este mundo é porque ainda vive neste mundo.

Campinas, 07 de outubro de 2002