domingo, 16 de fevereiro de 2003

Conversa entre o Poodle-Blair e a Pepezinha

Pepezinha estava com sua dona Vera Loyola, socialite estimada por todos os brasileiros, passeando pela Bahia. Mas não sabia ela que seu telefone estava sendo grampeado.

Ao terceiro toque Poodle-Blair atende:

- Hello!

- Poodle-Blair? Oi migo, tudo bem? É a Pepezinha! O que você conta de novo?

- A bandeira da terceira via conseguiu se instalar como referência central nas discussões sobre o futuro da centro-esquerda, desde a Europa até o Brasil.

- Mas, tipo assim, a nível de Brasil de vários países da Europa o candidato da Terceira Via perdeu.

- O controle do poder por governos da esquerda modernizadora se enfraqueceu.

- Como assim esquerda modernizadora?

- Eu ultrapassei a divisão tradicional entre velha esquerda e nova direita.

- Quer dizer que eu tenho uma orelha esquerda e uma orelha esquerda modernizadora? E o que você vai fazer agora que as direções se dividem em esquerda e esquerda modernizadora?

- Precisamos agora levar essas idéias adiante para renovar a política progressista adaptada ao mundo de hoje.

- Mas, tipo assim, mundo de hoje? De quando que é a Terceira Via, mesmo? Essa renovação que você fala são os terninhos brancos? Nossa, eu a-m-o terninhos brancos! São super fashion! É, vocês precisavam mesmo dessa renovação!

- Ainda há escolhas difíceis a serem feitas, mas precisamos superar as idéias rígidas e as atitudes ultrapassadas.

- Ai, Toto, já que você falou em atitudes ultrapassadas, o que você acha da guerra com o Iraque? Aliás, você estudou história com o Bush, é? Não sabe que dois mil anos antes de Cristo já se fazia guerra. Guerra tá super out!

- A ONU disse claramente a Saddam Hussein que ele deve se desarmar. Se ele não obedecer, é preciso que a vontade da ONU seja respeitada.

- Tipo assim, a ONU é contra a guerra contra o Iraque, não é? E vocês vão fazê-la do mesmo jeito?

- Desde a queda do Taleban, o regime de Saddam Hussein é a ditadura mais brutal e mais tirânica do mundo. E, se sua saída se desse por imposição da ONU, ela deveria ser recebida com forte apoio.

- Mas, tipo assim, a ONU pediu a saída de Israel da Palestina e vocês não fizeram nada!

- Nossa tarefa não deveria ser a de buscar de antemão um engajamento total na luta contra as armas de destruição em massa e o terrorismo, mas a de na promoção da paz no Oriente Médio entre israelenses e palestinos, reduzir a pobreza no mundo, ajudar a África e combater as mudanças climáticas.

- Mas o petróleo não é o responsável pelo aumento do efeito estufa? E como assim reduzir a pobreza no mundo?

- Há países em que a mão-de-obra é barata, produzem bens e oferecem serviços a preços mais baixos. É por essa razão que é essencial investir na ciência, na tecnologia, na reforma das universidades...

- Pra superar a concorrência dos pobres?

- (Silêncio)

- Ai, migo, não fica assim. Eu sei que é duro ter que agüentar esses pobretões todos enfeiando as ruas...

- Assistimos ao aumento da insegurança sob todas suas formas: terrorismo e armas de destruição em massa em nossas telas de televisão, impacto dos fluxos migratórios e da criminalidade em nossas ruas.

- É verdade. Esses pobres, além de sujar nossas cidades e tirarem o emprego dos nossos patrões, ainda nos assaltam! E esses terroristas, será que eles não tem amor à vida?

- Sem educação não haverá mais força de trabalho qualificada no futuro.

- Concordo. Você acredita que no Brasil tem gente que não sabe segurar o garfo?!

- Vivemos numa época mais individualista em que a escolha do consumidor, a liberdade quanto ao modo de vida e a mundialização oferecem uma ampla gama de possibilidades.

- Tipo assim, migo, ser terrorista é uma opção quanto ao modo de vida...

- Nos mostramos prontos, em Kosovo e no Afeganistão, a partir para uma ação militar para defender nossos valores. E afirmamos claramente que o lugar do Reino Unido é dentro da Europa.

- Ai, Toto, duas coisas, primeiro: eu sei que vocês falam inglês, são super fashion, mas, a nível de valores, porque vocês estão certos? Segundo: você fugiu da escola é? Você e o Bush! O Afeganistão fica na Ásia, não na Europa!

- Mas eu aceito a disciplina fiscal e monetária acompanhada de um investimento em capital humano, ciência e transmissão do saber.

- E a nível de patentes farmacêuticas, migo, como ficam? Não se trata de saber? Mas me diz do futuro.

- O colapso do comunismo alimentou um otimismo fantástico do Ocidente quanto ao futuro, visão sintetizada pela tese de Francis Fukuyama sobre "o fim da história".

- Ai, migo, tipo assim, fim da história com 50 milhões de miseráveis só no Brasil? Que nojo! A história precisa continuar, pra desinfetar um pouco a Terra, sabe.

- O mundo inteiro está disposto a aceitar os objetivos, a apoiar os valores. As pessoas estão dispostas a acreditar, como nós, que, num mundo, interdependente, precisamos nos ajudar mutuamente para reduzir as inseguranças e maximizar as oportunidades.

- Maximizar as oportunidades? Então dê mais oportunidades pro Saddam.

Poodle-Brair rosna e desliga o telefone na cara.

* As falas do Poodle-Blair foram tiradas do artigo "Esquerda não deve chorar por Saddam", publicado no Le Monde, e reproduzido pela Folha de São Paulo.

** E como a Pepezinha sabe tudo isso? Alguém na residência da sra. Loyola precisa ter um mínimo de inteligência e conhecimento para ter capacidade de dar ordem aos empregados da casa.


Campinas, 16 de fevereiro de 2003

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2003

DeRecepção aos Calouros

Parabéns calouro pela sua aprovação! Afinal você entrou no segundo melhor curso de filosofia de Campinas!!! Sabemos que passar no vestibular não foi o mais difícil. Duro mesmo foi criar coragem e assinalar o curso de filosofia na ficha de inscrição. Temos experiência, sabemos como as coisas estão para você: seu pai não te olha mais na cara, sua mãe chorando pelos cantos, perguntando "meu filho, onde foi que eu errei?", seu irmão menor com vergonha dos coleguinhas, seu tio, no churrasco de Domingo, abrindo aquele sorriso sarcátisco e perguntando "mas o que é que faz um filósofo", e você gagagaguejando, sem conseguir dar uma resposta convincente.

Não saber o que faz um filósofo é resultado da falta de informação sobre o curso. Falta de informação – diga-se de passagem e não sem propósito – que dura até o fim do curso, pelo menos. Essa desinformação é também um dos grandes responsáveis pelo preconceito com a filosofia, outro fator é a inutilidade da carreira.

Os filósofos costumam se dividir em três grandes grupos: padre/freira, maconheiro (a) e vagabundo (a). Caso você não se enquadre em nenhuma dessas categorias, são grandes as suas chances de ter errado de curso. Mas não desanime, vestibular tem todo ano e o COC é um ótimo cursinho! Se você se enquadrou em uma delas, você deve estar no curso certo. Agora, se você se enquadrou nas três categorias, parabéns! Você tem um futuro promissor no IFCH! Depois de formado é outra história, mas na faculdade você vai se dar bem!

Mas não bajulemos demais o curso, que ele tem seus pontos fracos, como todo curso. Final de semana de três dias, poucas provas, alguns trabalhos, nada de aula nas férias (o que significa, nada de recuperação). Para depois de formado (os tradicionais três mosqueteiros de cada turma) o mercado de trabalho também é muito amplo, falta apenas ser descoberto (se você descobrí-lo, por favor, avise-nos!). Mas já se sabe que a filosofia pode ser útil nas universidades e escolas, secratarias de cultura, editoras, jornais e empresas.

Como o curso exige muita leitura e escrita, você pode seguir, quem sabe, a carreira de escritor. Seguir o exemplo do Guimarães Rosa (ah, não, ele era médico), do Carlos Drummond de Andrade (ops, esse era farmacêutico), da Marilene Felinto (não, ela se formou em letras), do José de Alencar (xii, ele era advogado). Enfim, isso mostra como é amplo o mercado de trabalho, você pode ser o primeiro filósofo romancista famoso do Brasil!

Escolha o corte da sua barba e cabelo (sugestão nossa para os filósofos: cabelo comprido e barba de uma semana ou de seis meses; para as filósofas: uma tesoura na mão e uma idéia na cabeça), a cor do seu cabelo, uns piercings pra pôr no nariz, na língua e no (a) persiguido (a), puxe seu Nietzche do armário e venha se divertir na filosofia. Afinal, faculdade é sexo, festa e rock’n’roll (mpb e clássico são aceitos; funk, pagode e Alanis Morrisete, Kelly Key e Charlie Brown Jr. são terminantemente rechaçados).

Afinal, como dizia aquele grande filósofo: "Inútil, a gente somos inútil!"

Bem vindo à filosofia da Unicamp!

Campinas, 14 de fevereiro de 2003

(texto para o Cafil-Unicamp)