sexta-feira, 7 de março de 2003

Deixar uma marca

O mundo anda uma coisa tão sem graça hoje em dia que é preciso ser criativo para conseguir se divertir. Pior, hoje todo mundo é famoso, todo mundo vive seus quinze minutos de fama, seja no programa do Ratinho, seja no Big Brother, a vida só passa a valer a pena depois que nos tornamos famosos, nem que seja por um curto tempo, nem que nosso rosto não apareça.

Deve ter sido mais ou menos esse o raciocínio dos sete estudantes do Distrito Federal que incendiaram um quarto de uma pousada em Nova Viçosa (Bahia). Dos sete estudantes, três cursam direito (Fernando Henrique Rocha, Fabiano Henrique dos Santos e Allan Guilherme de Brito Mota), um veterinária (Rafael Seiça), um relações internacionais (Rodrigo Fernando dos Santos) e dois o ensino médio (menores de 15 e 17 anos).

Infelizmente os sete amigos tiveram muito azar. Haviam construído uma bomba caseira para “deixar uma marca na cidade” que deveria explodir somente depois que eles já estivessem longe de Nova Viçosa, mas um atraso de dez minutos na partida do ônibus fez com que a bomba explodisse ainda quando se encontravam no hotel. Outro azar foi que o incêndio foi controlado a tempo, não se alastrando aos demais quartos da pousada, onde estavam hospedados 280 pessoas. Shit happens, como dizem na metrópole.

Eu sei que falar em valores hoje em dia é caminhar por um campo minado: são grandes as chances de cair ou num niilismo desesperançado ou num conservadorismo tosco, no melhor estilo TFP (Tradição, Família e Propriedade), mas vale questionar quais valores norteiam nossas vidas hoje em dia.

Os jovens, ao que tudo indica – eram estudantes universitários, estavam numa excursão de carnaval –, não eram de classe baixa, não devem ter crescido nos morros e tido “bandidos” como heróis e paradigmas de vida.

Eu já costumo ficar estarrecido de pensar que no mundo de hoje é preciso detonar bombas para ser ouvido, para reivindicar um mínimo de dignidade, agora, explodir bombas para deixar uma marca? Deixar marca? Caio novamente no dito ‘vazio’ que está a vida hoje em dia: estamos tão sem objetivos, esse “dinamismo” do mundo moderno nos dá a impressão de que tudo o que faremos irá se desmanchar, virar pó e cair no esquecimento, tão logo viremos as costas. Então busca-se deixar marcas, marcas que ninguém saberá que fomos nós, mas que nos tornarão famosos, por um instante nos tornaremos como os vilões de um filme de suspense, antes de voltarmos à nossa modorrenta rotina. E como pichar é lugar-comum, e como quase não há mais locais para pichar (pelo menos nas grandes cidades), deixemos nossa marca de outro jeito: explodindo bombas em pousadas, queimando mendigos que dormem sob viadutos, depredando telefones públicos, casas vazias, e o que mais que se imaginar. Tudo para vermos o resultado de nosso “trabalho” e nos sentirmos orgulhosos com isso.

Há, sem dúvida alguma, uma grande distorção de valores nos dias atuais. É preciso urgentemente restituir o verdadeiro valor à vida, às pessoas. Mas como faze-lo sem cair no conservadorismo liberalóide – estilo TFP ou Bush – sem ser etnocêntrico, respeitando a pluralidade de opiniões, é algo que ainda precisa ser pensado e discutido. Que estamos esperando para começar?


Pato Branco, 07 de março de 2003.

terça-feira, 4 de março de 2003

Reprimir, liberar ou legalizar?

O senador do PDT do Amazonas Jéfferson Peres vai propor ao presidente do senado, José Sarney, uma medida polêmica e radical para acabar com o tráfico de drogas: a sua legalização. Teoricamente essa é a única maneira capaz de extinguir o tráfico de drogas. Quase certeza que essa idéia, caso ganhe algum espaço na mídia, será, no mínimo, satanizada, assim como o senador. Apesar disso, como ferrenho defensor da legalização das drogas, vejo com certo otimismo que tal questão seja posta em debate.

Sei que muitos devem parar de ler minha crônica por aqui, tomados por um medo dogmático incumbido por uma lavagem cerebral (muito bem) feita pelo governo estadunidense e a imprensa no final dos anos 80 (Noam Chomsky, O que o Tio Sam realmente quer, pág. 107). As drogas fazem mal, é o único argumento que muitos têm para defender a sua criminalização. Mas faz mal a quem? O que faz mais mal, o uso, o abuso ou o tráfico de drogas? Sabemos que cigarro e álcool são tão perniciosas quanto muitas drogas ilegais, mas ainda assim são utilizadas, e muitos pouco condenadas. Argumentarei um pouco àqueles que, por mais que tenham sua posição definida, não são dogmáticos quanto a ela.

A primeira questão que se põe é entre legalização e descriminalização. Sou a favor da legalização, ou seja, que as drogas sejam legais, com cobrança de impostos sobre a venda, tal como ocorre com cigarro e bebidas. A descriminalização me parece uma atitude muito hipócrita, que beneficia apenas as classes média e alta, consumidoras de droga que tem o dinheiro necessário para consumi-las. A classe pobre, que para poder usar droga se vê obrigado a trabalhar para o tráfico em nada seria beneficiada. Sem contar que o tráfico continuaria existindo, e com ela suas vítimas, a maioria pobres, com alguns poucos respingos para os mais abastados, que quando ocorrem motivam passeatas e camisetas pedindo paz.

Segundo, defendo a legalização das drogas, mas caso houvesse um projeto para legaliza-las em 2005 eu seria contra. Drogas fazem mal, isso é inegável. Legaliza-las sem antes uma campanha de conscientização é loucura, e não basta uma campanha com a Ana Paula Arósio e duas ou três falas na novela das nove, isso não muda em nada a mentalidade vigente. Imagino que seria necessário dez anos de propaganda intensa, manhã tarde noite, rádio tevê revista, escola clube boate, antes de haver a legalização. Sem essa conscientização agressiva, ocorreria como a experiência (holandesa, se não me engano) dos anos 70, de criar um local liberado para uso de drogas, que em certa medida estimulou seu uso.

Já que falei de uso em local restrito, essa é outra idéia que defendo: uso de drogas legal, mas não em qualquer parte; acho que deve haver locais próprios e leis severas para quem fumar um baseado em praça pública, por exemplo, e penas ainda mais severas para crimes cometidos sob o efeito de drogas.

Enfim, a discussão é boa, o tema ser proposto por um senador é ótimo, mas as coisas devem mesmo é ficar do jeito que estão. Afinal, crime organizado, traficantes, igrejas e a classe-média são contra qualquer frouxidão nas leis. Os primeiros porque isso tiraria sua fonte de lucros. Os segundos porque ainda crêem que o Estado sirva de exemplo ao povo, e que se ele diz que é proibido, devemos imaginar que é porque ele nos quer bem e drogas fazem mal, legalizar seria como dizer drogas faz bem.

Enquanto isso, tranque seus filhos em casa e tranque suas portas: a droga está em cada esquina, a violência está em todo lugar.


Pato Branco, 04 de março de 2003