terça-feira, 17 de abril de 2007

Quotidiano

Passear pela cidade é, no mínimo, desgostoso.
Nosso quotidiano de pequenos desrespeitos nos faz tentar ser insensíveis para que o mais banal dia-a-dia não nos doa. Mas tem dias que a gente acorda um pouco mais sensível.
E vamos nos revoltando e nos desgostando: é o carro que estaciona na faixa de pedestre, na entrada da ciclovia. A faixa de pedestre, esse desperdício de tinta e dinheiro, já que na maior parte das cidades do Brasil ninguém respeita, e a faixa fica ainda situada em péssimo lugar: o pedestre pode ser atacado dos quatro lados.
É o lixo pela janela do carro, pela janela do ônibus, na calçada. De gente que depois diz "ah, mas na Europa é tudo tão limpo... é que o povo lá é civilizado", como se viver nestes tristes trópicos fosse razão suficiente para se dispensar da civilidade, do respeito.
É a o senhor de idade que tem que enfrentar fila, já que ninguém dá lugar. É a grávida que faz valer seus direitos e é olhada com certo desdém. É a fila do ônibus, que é grande, mas que muita gente não respeita, pois se o fizer vai ter que ir em pé na viagem de vinte minutos. Revolucionários que falam o tempo todo de um mundo melhor, onde todos tenham carro, ou onde todos viajem sentados no ônibus, mas até lá preferem ir em carro próprio com ar-condicionado, ou então furam fila, porque a revolução até pode esperar, mas eles não.
É o sinal que serve só pra carros: o pedestre que se cuide!
Não acha local para estacionar? Que tal a calçada, está ali, à toa, mesmo. Tão irregular que praticamente não serve para pedestre andar. Mas você é um pedestre e quer andar pela calçada, onde carros estacionados o impedem de passar. Pode reclamar ao guarda, que está logo à sua frente, ele também estacionado na calçada.
Mas tudo passa. Uma hora nosso desgosto e nossa raiva também passam. Assim como o nosso quotidiano, que passa. Esses desrespeitos mesmo, quem sabe um dia não passarão? Enquanto isso nos guardamos para os grandes acontecimentos da nossa vida, os quais esperamos, mas que nunca vem.

Campinas, 17 de abril de 2007



segunda-feira, 9 de abril de 2007

Lobão é traidor ou nós é que fomos bobos?

Claro que causa surpresa o novo disco do Lobão. Um disco acústico?! MTV?! Pela Sony-BMG?! Com músicas tocando na rádio?!
Algo está estranho nessa história, alguma coisa tem que ter mudado para que o Lobão voltasse a uma grande gravadora, depois de uns sete anos brigando com elas!
Segundo Lobão, mudaram as grandes gravadoras. Segundo alguns fãs, mudou Lobão. Segundo a famosa frase do Lampedusa: “Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”. Creio que essa frase define de maneira apropriada a situação: mudaram as gravadoras, mudou o Lobão. Ou, não mudaram nem as gravadoras nem o Lobão.
As gravadoras seguem pagando o jabá tão denunciado por Lobão nos últimos anos. Seria diferente com Lobão? Por respeito ao artista, estariam deixando ele de fora do esquema? Não é o que dá a entender Lobão, na sua entrevista para a Folha de São Paulo: “Eu não pago jabá. Por que eu assinado [com uma gravadora], toco [nas rádios], e não assinado, não toco? Eu não tenho nada a ver com isso. Eu tô numa gravadora e pronto. É uma atitude muito moral dizer que eu tô pagando jabá”. Como se a acusação até ontem por ele feita era dirigida aos artistas, eles quem estimulavam o jabá, e não às gravadoras.
Então, como negar a “traição” de Lobão? Simples. Lobão não “traiu o movimento” porque nunca se comprometeu com movimento algum que não o da sua carreira. E sua carreira é de um artista da indústria cultural, não de um artista maldito ou marginal. “O sonho acabou”, já havia dito Lennon há quase três décadas. Nós é que fomos bobos em acreditar em Lobão e não em Lennon.
Expliquemos um pouco melhor sua mudança-não-mudança: seu último disco antes do litígio com as grandes gravadoras, Noite, “foi um tremendo fracasso”, como ele atesta na faixa dois do seu disco “2001: uma odisséia no universo paralelo” (tentei buscar o número na sua página, mas não consegui navegar, não sei se por não ser compatível com navegador Firefox e Opera ou por não ter informações mesmo). Curiosamente, depois desse tremendo fracasso, a gritaria contra as gravadoras e o jabá que ele agora diz ser moralista, rendeu ao “A vida é doce” quase cem mil cópias vendidas. Ele agora acha pouco, talvez porque queira competir com Sandy e Júnior, mas convenhamos que é uma marca considerável no Brasil, ainda mais sendo um disco de distribuição independente e em uma fase em que começava a cair a venda de cds. Já seu último disco antes do retorno triunfal, “Canções da noite escura” vendeu apenas quinze mil cópias. Pouco, sem dúvida. E Lobão é um artista da indústria, quer antes vender, não fazer arte – não entremos aqui na questão de se é possível arte na indústria cultural.
Como ele mesmo disse: “Estou fechando um ciclo”. Bancar o garoto rebelde já não alavanca vendas, o negócio é voltar a tocar nas rádios. Daí só resta a possibilidade de fazer um disco fácil. Entre um “ao vivo” e um “acústico”, ele optou pela segunda opção, já que já havia lançado um ao vivo em 2001. Para ficar ainda mais fácil, pega-se o modelito pré-fabricado MTV, em que não precisa sequer pensar.
Resultado: Lobão está de volta, tocando nas rádios, com boas chances de grandes vendas. O disco? Sofrível. É um acústico MTV. Se você já comprou algum, qualquer um, não precisa gastar seu dinheiro neste. Mas não sejamos injustos: ao menos aquilo a que a gritaria do Lobão se dirigia não era um fato inventado, merece ser combatido por pessoais mais sérias e comprometidas com outras coisas que não vendas.

Campinas, 09 de abril de 2007