quarta-feira, 6 de maio de 2009

Contratam-se caça-bitucas

Não fumo, e ainda que não radical, posso ser posto no grupo dos anti-tabagistas. Porém, me oponho à lei anti-fumo de SP. Seu excesso de rigor a condena a ser letra morta ou a se dispender um esforço absurdo em fiscalização. Uma coisa é proibir fumo em shoppings, restaurantes, em que a fumaça não é só prejudicial como “não combina” com o ambiente. Outra é proibi-lo em bares e afins, onde se vai descontrair, e o cigarro é, mesmo para não viciados, parte desse rito.
O pior é centrar fogo contra o fumo quando nossa legislação nesse aspecto já é bastante avançada (não que não possa avançar mais) e há um problema de saúde pública maior e mais urgente: o abuso de álcool. Ao contrário do cigarro, o álcool é socialmente aceito e estimulado, não só pela família e amigos, como por mulheres semi-nuas e futebolistas famosos. Sua dependência é um processo mais longo e mais difícil de ser percebido, principalmente pelo alcoolista. Difícil notar quando a agradável cerveja vira a necessária cerveja. Ademais, sob efeito de nicotina, não se aumenta o risco de acidentes de trânsito. Já sob o efeito do álcool... Os dados da nossa guerra civil sobre rodas estão aí.
Ao invés de pôr fiscais batendo pela madrugada de bar em bar, em busca de sinais de fumaça, inspecionando cinzeiros, caçando bitucas, seria mais sensato aumentar a fiscalização com base na (mal) chamada lei seca (que vai virando letra “moribunda”, por falta de fiscalização), e banir a propaganda do produto – como foi feito com o cigarro –, junto a uma campanha de contra-propaganda. Os donos do poder – governantes e imprensa –, porém, se mostram pouco intere$$ados.
Enquanto isso, é bom sempre contar com uma grande dose de sorte, para não estar no rumo de motoristas bêbados na hora que estes invadem calçadas em alta velocidade. Para alguns, é o que garante que possam seguir escrevendo. Se tal sorte faltar, como consolo morreremos com nossos pulmões menos sujos: haverá apenas o CO2 dos canos de escape dos carros que nos atropelam.

Campinas, 06 de maio de 2009

Publicado em: www.institutohypnos.org.br

domingo, 26 de abril de 2009

A patinha feia

Dia desses encontrei um amigo em estado de ânimo alterado: havia recém visto o vídeo de Susan Boyle, depois de ter lido sobre na coluna do Caligaris: “quase chorei”, comentava. Mesmo sem ter visto, não duvido da emoção do Hugo, do Caligaris ou de outros que assistiram à cena. Imagino que o vídeo seja realmente emocionante. Me parece, porém, que os emotivos não notaram um detalhe: Boyle é alguém que está previsto no roteiro desse tipo de programa. Poderia se chamar Smith, Taylor, Silva ou Santos, mas alguma hora deveria surgir alguém a quem se desse pouco crédito e que invertesse o jogo de maneira surpreendente. O formato do programa leva a esse tipo de "surpresa".
Certa feita assisti ao similar nacional: jurados que avacalhavam idiotas em busca do seu minuto de fama. Nesses casos, o público se regojiza com sua pretensa superioridade em não se expor a esse tipo de ridículo. No fundo, se conforta em ver mais uma vez que não é o único idiota no mundo, ainda que seja um pouco mais covarde do que aquele que está na tevê. O programa teria graça justamente por isso. Contudo, no fundo há também a espera de um novo grande talento. Nessa hora, quem assiste pensa que poderia ser ele (ou ela) a estar ali. E tem os casos extremos, em que surge mais que um talento, um ídolo - que o próprio nome do programa já anuncia.
Penso que poucos gostem de se identificar com Boyle. Todos devem se imaginar um pouco acima da sua condição pré-estrelato. E se ela conseguiu, por que não eu, que não sou nem tão feio, nem tão caipira, nem me visto tão mal quanto ela? Está feita a ponte para o festival de clichês do valor do indivíduo, dos quais Boyle é apresentada como prova, enquanto os milhares ridicularizados antes dela são esquecidos para não servirem de contra-prova.
Há quem veja no caso Boyle uma releitura midiática da história do patinho feio: jurados e platéia foram pela aparência e o patinho feio se mostrou um lindo cisne. Já estamos crescidinhos para seguir confundindo pato com cisne, não?

ps: Descoberta a fórmula do ídolo, não será surpresa que comecem a surgir novos Boyles pelos programas similares do mundo.

Campinas, 26 de abril de 2009


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