terça-feira, 26 de maio de 2009

Cidade e memória (II)

Minha última crônica acabou adentrando em um rumo inesperado e no fim acabei por não escrever o que de início gostaria.

Falei algo da cidadezinha que me pariu, hoje conhecida nacionalmente por conta jogadores de futebol internacionalmente famosos, políticos corruptos de projeção nacional (teve até um que foi ministro do Collor) e uma personagem idiota de um programa de tevê boçal. Uma coisa interessante que por enquanto ainda resta na cidade e que sempre comento são os nomes das ruas do centro. Salvo duas, todas têm nomes indígenas: Tupi, Tocantins, Guarani, Ibiporã, Aimoré, Goianazes, Itapuã, e por aí vai, numa curiosa subversão do princípio republicano de dar nomes de notáveis às ruas e do princípios higienista de limpar estes tristes trópicos de quaisquer resquícios de certos “animais nativos”.

Fiquei um tempo a imaginar como não se chamarão essas ruas no futuro. 2070, estou de passagem pela cidade e fico sabendo de um evento interessante. Paro para pedir informações a um jovem, que me atende, muito solícito:

- O senhor está na av. Jornalista Roberto Marinho. Passando a praça Presidente Palocci, vire à direita, na rua Imperador Alexandre Frota. Três quadras e vire novamente à direita, na rua Carla Peres. Quando você passar pelo Centro Cultural Hebe Camargo, o senhor vira à esquerda, é a av. Ronaldo Brahmeiro. Duas quadras e você vai ver a escola Xuxa Meneghel, na rua Justiceiro Gilmar Mendes. Na outra esquina, com a travessa Senador Sarney, é o Campus Sandy, da Universidade Gugu Liberato, onde acontecerá o evento que o senhor quer prestigiar, em homenagem aos 50 anos da morte do ex-ministro da educação e da cultura, Di Gênio.

No meio do trajeto, quem sabe eu não me depare com uma estátua à dançarina de funk desconhecida, morta em alguma operação de assepsia social realizada pelos sucessores do Caveirão.


São Paulo, 26 de maio de 2009

Publicado em www.institutohypnos.org.br

Cidade e memória

Semana passada, aproveitando que ainda sou estudante, resolvi me dar uns dias de férias. Aproveitei para visitar meus pais, que vivem numa pequena e interiorana cidade no meio do nada no sertão do Paraná. Atenta ao que considera de mais moderno, a população se orgulha de seguir a máxima do liberalismo totalitário: tudo o que não pode ser reduzido a cifras deve ser reduzido a pó. Araucárias velhas ou casas antigas, por exemplo. Mesmo que seja a primeira escola da cidade e nela ainda resida uma das suas pioneiras, já com problemas de memória, por conta da idade avançada. Manda-se a velha para um buraco qualquer, destrói-se a casa, e no lugar levanta-se um moderno edifício de três andares em sua homenagem, com uma linda vista para outro moderno edifício de três andares. A pobre dona Frida só não foi ela também reduzida a pó porque isso tornaria muito evidente o seu assassinato, e atentaria contra os princípios cristãos em voga na cidade.

Faz quase um década que deixei Pato Branco, onde brinquei minhas primeiras 17 primaveras. Ainda que volte três ou quatro vezes por ano, ela me é cada vez mais estranha. Não é por menos. Entregue a dois ou três João Romão que a mudaram conforme seus interesses mais imediatos e mesquinhos, indiferentes ao fato de que uma cidade necessita de uma história pública para não se tornar uma espécie de grande hotel, um lugar de passagem qualquer, cambiável por qualquer outro lugar. Pior, ainda foram louvados pela população como civilizadores.

Releio o que acabo de escrever e me sinto meio o Trevisan em busca da sua Curitiba perdida. Apesar de todas as mudanças nos últimos tempos, parece haver coisas que insistem em não mudar.

São Paulo, 26 de maio de 2009


Publicado em www.institutohypnos.org.br