Viver é perigoso, dizia Guimarães Rosa. E quem sou eu para duvidar da sabedoria do senhor João. Confesso, contudo, que nunca consegui entender bem os perigos do viver. Talvez porque ainda não tenha me sentido apto para mergulhar em Grande Sertão: Veredas (por mais que o livro já me tenha sido fortemente receitado pelo Hugo), aliado a minha pouca idade, parca experiência, limitada vivência. A vida para mim ainda é muito complicada para conseguir apreendê-la em toda a simplicidade apresentada por Guimarães Rosa.
Tem horas que pergunto se esse perigo não estaria no desconhecer a linha que nos sustenta em vida. Entre a frágil teia de aranha, que num sopro se rompe, e a corrente que prende firme, às vezes mais do que se deseja, em que ponto se sustenta nossa vida? De qualquer forma, imagino que esse perigo é o de menos: mesmo sustentado por um tênue fio, ele nos permite dançar a vida com a alegria e leveza necessárias. Talvez seja maior o nosso medo de voar e nos perdermos do solo em meio a essa dança.
Quem sabe o perigo maior esteja nos fios que vamos tecendo com os outros – próximos e distantes -, como os fios de sol que os galos do poema de João Cabral de Melo Neto se lançam a cada aurora para tecer a manhã. Apanhamos o sentimento de alguém, lançamos nossos a outra pessoa, sem saber por quem passará nesse interlúdio e como chegará – se chegará – ao destino desejado. E de fio apanhado aqui, arremessado acolá, vamos tecendo uma teia de sentimentos em nossa volta, que nos garante mais segurança em nossa vida, mas muitas vezes nos atrapalha nosso ballet pelo mundo. Uma hora nos vemos como a cidade de Ercília, descrita por Ítalo Calvino. Porém não podemos simplesmente levantar nossa casa, deixando ali a teia de nossas relações – que é, no fundo, a teia de nossa vida, do nosso ser.
Contudo, mesmo acostumados aos movimentos limitados por esse emaranhado, um dia algo nos faz despertar aos fios que não nos sustentam, apenas nos amarram. E descobrimos, como os galos a cada manhã, que não é preciso abandonar a Ercília: basta tecer um toldo livre de armação – livre de mágoas de culpas de responsáveis -, tomando cuidado, ao apanhar e lançar os raios que tecemos com os outros, de buscar apenas os sentimentos que nos permitam apreciar a vida em sua poesia.
Talvez o perigo do viver esteja em deixar a vida se esvair em um claustrofóbico novelo por medo do fio que a sustenta romper com a leveza do nosso bailado.
Pato Branco, 29 de setembro de 2009
Publicado em www.institutohypnos.org.br