sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Os jogos de azar e a crise da sociedade do trabalho


Jornalistas e influenciadores sérios há muito têm alertado sobre as bets e jogos de azar - de Luis Nassif, do GGN, a Eduardo Moreira, do ICL -, a caminho de serem legalizadas no Brasil. Há três questionamentos principais: toda a avenida que essa atividade abre para a lavagem de dinheiro, o quanto afeta a economia real, ao retirar dinheiro de circulação para apostar nos jogos e os riscos à saúde pública, com o vício em jogos. Tudo isso com propaganda quase onipresente nos meios de comunicação e internet, seja publicidade direta, seja via patrocínio a equipes de futebol - no Brasil e no exterior.

Chama a atenção que a maioria dos apostadores seja das classes menos favorecidas [https://bit.ly/3N4XztU]: seriam os pobres mais vulneráveis ao vício?

É de se destacar que quem aposta em bets e jogo do tigrinho e afins não visa se tornar milionário, ou fazer um pé de meia - como no caso das loterias da Caixa -, mas tão somente complementar a renda do mês - daí, inclusive, muitos influenciadores venderem a aposta em bets como investimento.

O que isso nos mostra é que as pessoas das classes C, D e E antes de enriquecer, querem apenas sair da condição de sobreviventes. É a assunção, mesmo que inconsciente, de que o trabalho permite apenas tocar a vida no seu mínimo, sem permitir confortos ou planejar minimamente o futuro - até pela instabilidade de quem está empregado, para além dos baixos salários. Implícito também está que ninguém fica rico trabalhando - por isso a necessidade de se “investir” e a esperança de ganhar na loteria. 

Ainda assim, se insiste na ideia da necessidade de se trabalhar, de que “o trabalho dignifica o homem”, sendo poucos os casos em que o trabalho de fato dignifica - é lucro quando ele não danifica a pessoa (e falo não só por experiência pessoal). A manutenção desse discurso é ideológico, no sentido de negar a realidade vivida em prol de crenças repetidas diuturnamente pelas instâncias para-estatais - igreja, família, meios de comunicação de massa.

Sem dúvida, há o problema do vício em jogos - pelos dados apresentados, é de se imaginar que aflija pelo menos metade dos apostadores de bets -, e isso é motivo suficiente para proibir esse tipo de jogo - literalmente ao alcance da mão, a qualquer momento -, contudo há esse elemento implícito acerca o trabalho que precisa também ser trazido à tona: o quanto se recebe trabalhando, a função na sociedade dessas oito horas diárias de labuta desprendidas para os outros - algo que aflige também as classes mais altas, e que ajuda a formar esse caldo de descontentamento e tesão difusos que comentei alhures.

Trabalho sem sentido para conseguir apenas sobreviver em meio à sociedade da abundância: é também nisso que hoje os jogos de azar pela internet assentam suas bases.


27 de setembro de 2024

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