domingo, 27 de junho de 2010

De novo a bebida

O colunista da Folha Gilberto Dimenstein costuma trazer seguidamente pesquisas e experiências interessantes. Porém não é sempre que o leio, não só porque seu estilo me desagrada, como por discordar dos pressupostos, das crenças que ele nutre: a benevolência empresarial e a malevolência estatal. Na relação de forças, temos o Estado que suga e subjuga a indefesa iniciativa privada, e a possibilidade de neutralizá-lo por meio de organizações sociais. Simples assim.

A sua coluna do dia 27 de junho, “Porres de elite”, ele comenta do abuso de álcool, que começa cada vez mais cedo. Apesar de meus cabelos estarem migrando do topo para regiões adjacentes da cabeça, sou jovem o bastante para acompanhar – ou ao menos notar – os hábitos de quem está na chamada adolescência, e não me surpreende que pesquisa da Unifesp constate que 30% dos alunos de escolas particulares paulistanas fique bêbado ao menos uma vez por mês. Me surpreenderia se esse número não aumentasse quando entram na faculdade.

Ponto interessante da coluna é quando ele levanta as conseqüências do álcool, a droga mais devastadora que há. Amigo meu que trabalha na assistência de usuários de drogas já me havia dito, tempos atrás, quando perguntara se o crack merecia o alarde que tem merecido, que nada se compara aos estragos do álcool. A diferença é que a sociedade sente comiseração pela criança e adolescente, tradicionais viciados em crack (sem falar no quão feio são os nóias perambulado por aí), e não pelos alcoolistas, que geralmente sentem os efeitos do vício quando adultos ou velhos.

No fim de seu artigo, Dimenstein comenta da possibilidade em diminuir o abuso do álcool, mais ou menos como foi feito com o cigarro, e pede a participação do governo e sociedade, “além da indústria da bebida e dos publicitários” em estimular o "consumo responsável".

Crente na benevolência privada, Dimenstein não consegue enxergar que a diminuição do cigarro não teve participação de quem lucrava com ele, muito pelo contrário: foi pela abolição da propaganda e com pesada contra-propaganda que se conseguiu diminuir o uso. A diminuição do abuso de álcool passa pelo mesmo caminho.


Campinas, 27 de junho de 2010.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Adeus, sr. José

Não importa a hora que chegue, a morte chega sempre em má-hora. Se se trata daqueles casos em que a vida, na prática, acabou, e nada mais resta que aguardá-la, ela tarda, alonga a espera, como a mostrar, ironicamente, o quanto ela é a dona da situação. Por outro lado, quando ela chega de repente, de chofre, quanto dor, quanta tristeza.

Mas é bom que ela venha mesmo – nem mais cedo, nem mais tarde, na hora, ainda que o melhor que tal hora seja já em anos avançados -, e que chegue de surpresa, sem cartas de cor violeta avisando das últimas vinte e quatro horas. “Porque morrer é, afinal de contas, o que há de mais normal e corrente na vida, facto de pura rotina, episódio da interminável herança de pais a filhos” – o organismo que definha, o corpo mutilado, a dor insuportável, a morte em algum momento, por causas naturais ou externas, será bem vinda àquele que parte.

Uma das pessoas que me ensinou isso foi o sr. José, ele que em 18 de junho de 2010 encerrou seu mais longo, mais complexo e – por isso mesmo – mais belo romance. Homem de seu tempo, não mudou de opinião a cada modismo, nem se engessou em velhas concepções, e avançou os anos com crítica, delicadeza, sensibilidade, lucidez, tudo ao mesmo tempo.

Sua morte é, sem dúvida, triste. Mas não sei se é o caso de lamentar: foi também o sr. José quem me disse que a vida de uma pessoa vai além da morte, que ela perdura firme e pulsante no amor do outro. E sua obra seguirá criando apaixonados por ele – como este que escreve. Não seremos nenhuma Pilar, mas ajudaremos a garantir a vida de seu pulso.

José Saramago era ateu convicto. Se das suas obras é possível destacar transcendências e crenças, não é sinal de incoerência, é sinal de que ele sabe que uma pessoa é mais do que se vê, que a vida é mais do que podemos pensar. Como explicar? Não sei. Sei que José Saramago segue vivo, que não foi agora que o calaram.


Campinas, 18 de junho de 2010.