sábado, 10 de novembro de 2001

Pato Branco: Uma cidade de futuro capenga

A destruição da escola/casa da d. Frida pode ser classificado como um duplo homicídio - não na esfera do direito, mas na esfera da psicologia e da história. Demolir tal edificação é assassinar d. Frida e parte de Pato Branco.

É assassinar dona Frida porque ela, já em idade avançada, vive quase que totalmente do passado. Tirá-la da casa onde viveu boa parte da vida é assinar seu atestado de óbito. O velho, em nossa sociedade, é alguém sem futuro, que preenche o tempo presente revivendo o passado. Alijá-lo de seu passado é matá-lo.

A demolição da casa/escola da d. Frida é assassinar parte de Pato Branco. Não se trata apenas do passado, da historia da cidade, trata-se do assassinato do seu futuro. Sem passado não há futuro. O Brasil, por exemplo, está sempre vislumbrando o futuro. Se parasse de vez em quando e refletisse o passado - seus erros e acertos - talvez hoje seria um país do presente. Ribeirão Preto, SP, descobriu faz pouco a importância do passado, e desde então tem-se feito esforços enormes para a preservação de casas em pedaços. Daqueles já destruídos, historiadores fazem das tripas coração em busca de fotos, plantas e móveis. Pato Branco tem uma grande oportunidade para não cometer o mesmo erro.

A destruição da escola/casa da d. Frida é a ganância e o dinheiro prevalecendo sobre a pessoa, sobre a vida. Ecléa Bosi, professora de psicologia da USP São Paulo, em seu livro "Memória e sociedade" comenta a importância das paisagens, das construções antigas para a formação de um "chão" para as pessoas (não apenas as idosas), um local onde elas sabem estar em segurança para seguir com passos firmes ao futuro. Onde estão as primeiras casas, a primeira igreja de Pato Branco? Mesmo uma casa mais antiga, resta-nos muito poucas. Onde estão as ruas arborizadas, o relógio de sol da praça Getúlio Vargas, que fazem parte da minha infância?

Pato Branco tem se tornado uma cidade cada vez mais fria. Cada vez mais se assemelha a um quarto de hotel, no qual a pessoa vai embora sem sentir saudades. Saudades do que, se tudo muda, nada fica?

Era uma obrigação da sociedade pato-branquense lutar para que d. Frida, importante personagem da historia da cidade, tivesse direito à sua casa até sua morte. Infelizmente a sociedade se omitiu. Entretanto, segue sendo imprescindível o debate acerca da preservação de edificações e lugares da cidade. Espero eu nas ferias dos próximos anos continuar amando esta cidade, e notar que, apesar do seu progresso, ela continua sendo a excelente cidade para se viver, queum dia eu tive que deixar.

Ribeirão Preto, 10 de novembro de 2001

quinta-feira, 8 de novembro de 2001

O ensino que emburrece

Durante quatro anos usei apostila, foram três no segundo grau e um no cursinho. Sempre tive certa dificuldade com tal método, mas me convencia de que no fundo era bom, e seguia sem muito reclamar.
Neste meu primeiro ano de faculdade, não senti falta de apostila, mas também não fui muito a fundo nas minhas reavaliações. Achei melhor sem e ficou por isso. Entretanto o primeiro dia no meu retorno ao cursinho foi o suficiente para que eu reavaliasse mais a sério meu ensino médio, no que diz respeito a material didático.
Vindo de um curso que, apesar de biológico, tem uma expressiva veia humana – o que acaba por levar, em maior ou menor grau, a uma visão mais crítica e questionadora do mundo – o retorno ao cursinho – extremismo da ortodoxia à apostila – foi um choque. 180 alunos aceitando passivamente tudo o que o professor dizia, sem ninguém que levantasse a mão e perguntasse o porquê, que discordasse do que estava sendo dito, e achando esse comportamento normal. Uma caricatura do tempo em que eu usei apostila, e que achava tudo isso normal.
Numa escola de ensino médio que use esse método, por mais que o professor tente instigar o debate em sala de aula, fazer com que os alunos busquem em outras fontes, dificilmente ele irá muito além da apostila.
A apostila leva os alunos ao comodismo: para que buscar em outras fontes se ela traz o principal da matéria? Leva à uma compreensão superficial dos assuntos: se ela traz o principal, por que perder tempo nos detalhes? Ela inibe a discussão, o raciocínio, a crítica, uma vez que simplifica o mundo de uma forma grosseira e apresenta a matéria como verdade absoluta.
Por melhor que seja o professor, a apostila acaba por anulá-lo. É como dar um violão com uma corda ao melhor dos músico, por mais que ele saiba, pouco tem a fazer.
Passiva, acomodada, acrítica, bitolada. Eis uma sucinta descrição da "geração apostila". Filhes da ditadura, por mais que não a tenham vivido, tal como aqueles que hoje estão entrando na escola. O uso da apostila, em parte, explica o perfil daqueles que atualmente estão nos bancos das melhores universidades do país. Explica, mas não justifica.

Ribeirão Preto, 08 de novembro de 2001

domingo, 4 de novembro de 2001

Universidade em Pauta

O ensino tem tido cada vez mais espaço nos meios de comunicação, em especial o ensino público superior. É do conhecimento de todos o sucateamento das universidades públicas (a exemplo do que aconteceu há algumas décadas com o ensino básico), isso vem ocorrendo já há certo tempo e tem-se acentuado nestes últimos anos. Entretanto no primeiro semestre isso era tido como algo normal, corriqueiro, pela Folha – que costumo sempre ler – e, acredito, pelos demais jornais e revistas. As notícias acerca do ensino superior costumavam tratar (com euforia) da migração de cérebros das universidades públicas para as particulares (caso de uma reportagem da sempre tendenciosa Veja), ou das disputas por alunos dos "McDonald´s universitários" (Unip e afins), ou do provão – tido como evolução no controle das universidades. Não se propunha qualquer debate sobre o sucateamento das Ifes (Instituições Federais de Ensino Superior) ou sobre o provão, afinal era algo tão normal quanto o nascer do sol. Quem vai querer questionar a ordem natural das coisas?
Mas eis que eclode a greve nas federais. E junto, toda a poeira que estava sob o tapete. A mídia e as pessoas se assustam: mas como?! Essa não era a ordem natural, imutável?! O que há para discutir?
E de repente, assuntos banais se tornam relevantes. Descobre-se que aquilo tido como certo é passível de muita discussão, muito debate. Vem à tona o novo modelo de universidade, na qual se estimula a competição entre docentes, onde a quantidade de trabalhos científicos impera sobre a qualidade desses. Autonomia financeira x autonomia da gestão financeira. Quotas, fundações de caráter privado, cobrança de mensalidades, provão, forma de financiamento do estudo.
E de repente descobriu-se que havia muito o que debater. Será que foi sem querer? Com certeza, não. Foi preciso gritar, fazer manifestações, invadir conselho universitário, parar as aulas, anular vestibular para que as reivindicações das Ifes fossem ouvidas.
Hoje, mais um editorial da Folha sobre o assunto. Domingo retrasado, entrevista com o ministro Paulo Renato. Durante a semana, colunistas e reportagens comentavam a universidade brasileira.
E os alunos? A grande maioria segue tão alienado quanto no início do ano, por mais que o debate tenha se desenvolvido. Todavia, uma lição já se pode tirar desta "confusão" toda que a greve tem feito: é preciso "pôr a boca no trombone" e brigar, espernear por aquilo que se almeja. Permanecer calado, de braços cruzados, fazendo somente a sua parte, esperando estar fazendo desse modo uma revolução silenciosa é, na verdade, estar apressando a marcha de seus sonhos em direção ao abatedouro.
PS: Isto não vale somente para os alunos da Ifes. A U$P, por mais que os problemas não sejam tão graves, é pública, e a nossa letargia vai acabar por levá-la no mesmo caminhos das federais.

Ribeirão Preto, 04 de novembro de 2001

Carta pra folha: Decadência

Sou aluno da USP de Ribeirão Preto e, neste meu primeiro ano de universidade, vi que todas as mesas-redondas e os debates promovidos por alunos no campus foram organizados pelos centros acadêmicos e pelo DCE. À UNE coube apenas a edificante tarefa de venda de carteirinhas de meia-entrada, fim último (se não único) da entidade. Não há como negar que o ministro Paulo Renato é "inimigo" dos estudantes, da educação pública (porque o ensino particular vai muito bem). Porém acusar o ministro pela decadência do movimento estudantil brasileiro é mais uma prova da imaturidade da UNE, grande culpada pela sua própria desmoralização, mas que se nega a assumir tal responsabilidade.

Ribeirão Preto, 04 de novembro de 2001