Em outubro de 2011 pela primeira vez eu subia em um palco: era para apresentar uma palestra em um congresso de medicina sobre cuidados humanizados (eu fui falar sobre máscaras sociais, como filósofo, só para constar), em São Caetano do Sul [bit.ly/cG111011b].
Falar para mais de duzentas pessoas deu um nervoso, porém foi tranquilo. Complicado mesmo foi o depois: com minha enorme falta de jeito no trato social (então eu não tinha um diagnóstico de autismo, achava que era só fruto da minha timidez excessiva), me sentindo muito deslocado, esperava uma brecha para me despedir das organizadoras e organizadores e ir embora.
Nesse ínterim, se aproximou de mim um estudante recifense. Pediu o texto que eu havia apresentado, emendou uma conversa, foi me aproximando de outros alunos, e fui me sentindo acolhido - ao cabo, terminei dormindo no diretório acadêmico da faculdade, já que eu tinha compromisso em São Paulo no dia seguinte (na época eu morava em Campinas).
Treze anos depois, eu com meu mestrado concluído, ele médico (de saúde da família, paliativista e de saúde LGBT), mudamos de lado. Agora é ele no palco, eu na plateia. Contudo, diferente de mim, não é sua primeira vez e nem se mostra acanhado, pelo contrário: se expande junto com a banda que o acompanha, Os Amanticidas. É Renan, agora renanrenan, em show da turnê do lançamento do disco conjunto, Eu te conto tudo, no Sesc Vila Mariana.
Já havia escutado o disco, gostado muito, com destaque para as quatro primeiras músicas - “Bisha”, “Arrasta asa”, “O sonho”, “Limbo” -, uma sequência diversa e arrebatadora. Ao longo de dez faixas renanrenan e Os Amanticidas se mostram bastante versáteis, passando por vários estilos da música popular brasileira.
Se o disco é bom, o show - apesar de não ter todos os instrumentos do estúdio - é ainda melhor! Presença de palco, simpatia da banda, e uma interpretação poderosa de renanrenan. Sem falar em um público animado - os ingressos se esgotaram em menos de quarenta minutos.
Enquanto esperava, depois do show, para dar um abraço em Renan, fiquei a me questionar o porquê de seu nome artístico.
Um duplo de si, onde pode caber suas múltiplas e talentosas facetas? O inverso de si, daquilo que se esperava dele em outros tempos, tempos de menino? Sua própria sombra trazida com o nome? Ou seu nome próprio trazido por o que muito tempo foi uma sombra? O médico e o monstro: ao mesmo tempo que tem a profissão de maior prestígio na nossa sociedade, acintosamente se afirma nas suas heterodoxias de gênero e sexualidade com leveza e alegria (neste nosso tempo de reacionarismo e fundamentalismo religioso isso é uma monstruosidade)?
Poderia ter perguntado ao próprio, mas preferi guardar para questioná-lo em outro momento, mais calmo, e fazer conjecturas até lá.
13 de dezembro de 2024
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