Colegas que sabem tudo me cansam, admito. A depender do meu humor, me irritam (mas depois passa). E quando falo tudo, digo tudo tudo (tipo jornalista), e não tudo do trabalho, como Macedo, que pode ser questionado no que for do setor que sabe em detalhes e ainda apresenta as provas do que está afirmando. Aposto que se algum dia Macedo não souber de algo vai afirmar seu desconhecimento com a mesma modéstia peremptoriedade que o faz quando sabe - apenas que esse dia ainda não aconteceu. E que conste uma vez mais: ele sabe tudo do serviço. Porque fora do serviço, Macedo pode não saber tudo, mas merece um texto à parte.
Enfim, aqui eu queria falar do Floriano e não do Macedo. Diferentemente do Rivarola [bit.ly/cG230413], o doutor Sabujinho que não está mais entre nós, pois foi transferido (e eu não soube de ninguém que assumiu seu posto), Floriano não é puxa saco. Talvez seria melhor que fosse, sobraria menos tempo para conversar com os colegas.
Reconheço, todavia, uma grande vantagem de Floriano frente Rivarola: quando é preciso comandar uma reunião, sabe conduzi-la de modo objetivo e, mais importante, divertido. São reuniões com boas gargalhadas e que terminam sem nada importante decidido, como é comum nesse tipo de evento. Nessas situações ele tem uma modéstia que não condiz com seu talento de stand upper amador - e resiste a fazer um curso e começar de fato nessa área.
Fora das reuniões, em compensação, Floriano é um cara pesado, como diriam nuestros hermanos. Pesado não por reclamar, e sim por seu jeito de falar enfadonho sobre todos os assuntos como se fosse formado na área, com a assertividade de um aluno de primeiro ano de graduação nas reuniões de fim de ano com a família.
Por falar em fim de ano, se o fim do ano passado terminou com medo de um passaralho, por ora o que temos são mais contratações. Basso, recém contratado, mostrando o quanto é competente (é sobrinho do chefe) [bit.ly/cG250121], foi promovido, e já substituído por um novo funcionário - que parece um tipo simpático (até oferece chocolate), trabalhador (não sei se isso é um elogio), e não é seboso como seu antecessor. Além dele, ainda chegaram uma estagiária e outras duas funcionárias. Se é preparativo para o tal passaralho (eu acho que é), estão fazendo muito bem, porque o clima aliviou, e não fosse por aquela sábia sabedoria do Seu Madruga, “Não há trabalho ruim; ruim é ter que trabalhar”, diria que estamos quase bem.
Enfim, eu queria aqui reclamar do Floriano e não do trabalho. Estava eu, ontem, contente e feliz no meu canto (minto, estava como sempre, cansado e desanimado de ter o couro esfolado sem a devida remuneração, como sói a todo trabalhador, num trabalho sem sentido, como sói à maioria dos trabalhadores), quando vejo Floriano se aproximar. Temo. Tremo. Travo. Estou no meio da leitura de uma notícia importantíssima sobre o futebol, não queria interrompê-la. Ele vem mesmo. Estica a mão para me cumprimentar, educadamente devolvo o gesto. Pergunta se estou bem, respondo com o protocolar “tudo bem” e devolvo a pergunta, que ele responde como sempre: “Não tão bem quanto vossa senhoria, mas estou bem”. Pergunta se sigo minha rotina de exercícios e nessa hora cometo a besteira de devolver a pergunta. Pronto, lá vem ele com seu palanfrório. Sobre sequências de calistenia que ele não faz; as vantagens de caminhadas seguidas de tiros curtos de corrida intensa, que ele também não faz, de dieta com bastante proteína - que parece que ele faz -, e alguns assuntos mais, para terminarmos em uma palestra monocórdia sobre artes marciais. E eu ainda fui tentar interagir e falar de systema e samba, ao que ele comentou por alto (e não me corrigiu que é sambo e não samba), para logo encetar uma aleatória arte marcial tailandesa, a Muay Lao, que ele deve ter visto na wikipedia. Isso durou uns trinta, quarenta minutos, mas foi como se eu tivesse tido oito horas de trabalho intenso.
E olha que ainda tive sorte. Porque logo ele foi se apresentar à nova funcionária, Pacheco, que o chamou para pedir uma ajuda. Podemos dizer que foi um verdadeiro trote, talvez até mais violento que raspar o cabelo, dar um apelido qualquer e fazer andar de elefantinho (em tempo, quem me acompanha desde o Trezenhum. Humor Sem Graça. sabe minha opinião sobre trotes universitários, a chamada “Semana Hitlerista da Universidade”: resquícios de nazifascismo naturalizados e louvados por muitos, de modo que não me surpreende que boa parte dos neofascistas deste país terem diploma superior). Foi mais de uma hora nessa conversinha de cerca-lourenço (como está sendo esta crônica) em alto e bom som, ao menos para quem estava num raio próximo, como era meu caso.
Contou da água esmerdada do prédio aqui próximo, o Martinelli, e o porquê ter acontecido lá e não onde trabalhamos, ainda que corrêssemos o risco, por conta de sei lá o que de engenharia que o prédio tem, dado seu ano de construção; apresentou umas quatro doenças diferentes que ela poderia ter e não saber, dando os sintomas e passando os remédios que deveria buscar, inclusive com interações medicamentosas a evitar, casos estivesse com duas dessas enfermidades (nenhum momento sugeriu buscar um médico, que seria o mais razoável, ainda mais que duas das moléstias eram razoavelmente graves) e terminou com uma longa fala sobre segurança pública, ações policiais e quetais, dentro do mais raso senso comum, sob a justificativa de ter um amigo PM com quem conversa sobre o assunto - como se PM (ou qualquer militar) entendesse patavinas de segurança pública.
Pacheco fazia que sim com a cabeça e fingia se mostrar interessada, enquanto tentava achar uma brecha para perguntar algo do trabalho, sem sucesso. Logo chegou outro colega, ele se despediu d’ela e foi conversar com ele, deixando-a com sua dúvida, quase como um psicanalista lacaniano que faz o corte em seu analisando no momento da fala mais importante a ser dita.
Claro, não se compara ao assediador do Rivarola, mas Pacheco não merecia uma decepção, digo, recepção dessas. Trote precisa ter limites!
04 de abril de 2025
Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Não há nada para além do texto. Qualquer semelhança com a vida real é uma impressionante coincidência, ou fruto da sua mente viciada que quer pôr tudo em formas pré-definidas
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