quarta-feira, 30 de outubro de 2002

A imagem do presidente

Esta foi a eleição dos publicitários. A eleição em que o que mais contava era a imagem, e os candidatos eram vendidos como sabonetes (ou como cerveja). Jornalista e a imprensa diziam isso como se se tratasse de uma grande novidade na política nacional

Entretanto é inegável que a influência dos publicitários foi enorme na campanha dos dois candidatos finalistas. Lula aparou a barba, passou a usar terno e falar da forma mais vaga possível, para não desagradar a setor algum da sociedade. Serra mudava de imagem a toda hora, tentando achar uma que agradasse ao eleitorado (antigamente chamado massas). Talvez tenha sido esse o seu grande erro: não ter começado com a eleição já com uma imagem consolidada.

Como eu disse, essa preocupação com a imagem não é nada nova. Collor foi vendido como "O Caçador de Marajás", o próprio FHC só conseguiu se eleger e reeleger graças a uma imagem, a do Plano Real e sua moeda forte, que ruiu em 1999. Outro exemplo emblemático e mais antigo é o de Jânio Quadros, que ia aos comícios com caspa e comia sanduíche de presunto. Impossível negar que o que ele fazia era criar uma imagem, vencedora, por sinal.

Mas se a criação de uma imagem artificial para que o candidato agrade às massas não é novidade, é novidade sim – ao compararmos Jânio e Lula – a imagem que as massas querem dos candidatos, ou melhor, do presidente.

Em 1960 Jânio, membro da elite, precisou construir a imagem de que era do povo. Em 2000, Lula, membro do povo, construiu a imagem de que é da elite. Isso não seria nada demais se Serra, membro da elite, tivesse transmitido a imagem de povo, o que não aconteceu, tendo Serra se esforçado por reforçar a sua imagem de elite, com algumas pitadas de povo.

Podemos deduzir disso que mudou muito a concepção de presidente para o povo. Na chamada república populista (1945-1964) o povo buscava o candidato com o qual se identificava, com o candidato do povo, aquele que conhecia de perto os seus problemas, pois cabia ao presidente resolve-los. Enfim, era papel do presidente governar para os brasileiros. Neste início de século XXI a imagem que se tem do presidente é outra: este deve ser sério, se vestir bem, falar nove línguas, ter diploma universitário, dado que diploma, para a massa ignara (na qual se incluem muitos mestres e doutores) é sinônimo de competência, pois o presidente é hoje, acima de tudo, um administrador de empresas, no caso a empresa República Federativa do Brasil SA, que deve ter uma boa imagem no exterior para conseguir empréstimos e financiamentos para a economia. Ou seja, o papel principal do presidente hoje é transmitir confiança ao investidor externo – reflexo do economês falado todo dia e pregado como verdade santa e inabalável, pelos meios de comunicação.

Mas nem por isso o povo deixou de buscar um governante com o qual se identificasse. A diferença é que em 1960 o povo buscava o governante parecido com ele naquele momento, enquanto em 2000, essa busca era por quem antigamente fora igual ao que ele é hoje. O migrante operário e o filho do vendedor de frutas. Vieram do povo, tiveram uma vida sofrida, muito se esforçaram, e hoje vestem ternos de grife e aspiram a presidência da república. A família que, sentada no sofá, assistia ao horário político enquanto esperava o início da novela, via no horário dos candidatos a própria novela. Lula e o seu publicitário souberam aproveitar melhor essa deixa: novela é, antes de tudo, emoção. O voto em Lula foi o final feliz, quase que num passe de mágica, como na novela: Lula não estudou tudo o que tinha que estudar, mas assim mesmo soube se adequar ao Sistema e vencer (no caso, se vestir bem) e, num passe de mágica, ele será, mesmo sem a necessária capacidade, presidente do Brasil. O voto em Lula foi a sublimação de nossos fracassos, o sonho de um futuro melhor, não para o Brasil, mas para o espectador, que hoje está como o Lula no início da sua vida e que quer, como ele, vencer na vida.

Lula, que de personagem passou a co-autor, se prepare, novela tem que ter final feliz.


Campinas, 30 de outubro de 2002

quinta-feira, 24 de outubro de 2002

A questão das cotas nas universidades I

Nestas eleições, em meio a discussões sobre PIB, empregos, metas de inflação, FMI, dólar, superávit primário, Alca, mentiras e diplomas, os atores da grande festa da democracia comentaram qualquer coisa acerca de cotas para negros nas universidade públicas.
Garotinho já havia instituído, quando governador do Rio. Ciro é contra. Lula, no debate da Globo, gaguejou ser a favor. O Serra parece ser contrário. O Zé Maria, eu não sei, e para o Rui Costa, nada de cotas, porque todos poderiam entrar na universidade.
Entretanto, pouco me interessa saber qual a posição desses ilustres demagogos, citei-os apenas por não achar jeito melhor de começar esta crônica. Não deixa de ser interessante, todavia, notar que essa questão chegou a ser mencionada numa campanha que quase só se falou de temas econômicos e de violência. Seja quem for o eleito, o tema é importante demais para ser decidido em gabinetes de tecnocratas; é necessário que seja discutido com a sociedade.
Quando se põe a questão das cotas para negros acaba surgindo, invariavelmente, outras duas: cotas para negros ou cotas para pobres? Se for para negros, como saber quem é negro no Brasil? É mais lenha na fogueira.
Os que defendem cotas para negros argumentam que se trata de corrigir, em parte, uma injustiça cometida com a abolição da escravidão (para não voltar muito na história) e perpetuada até o atual governo dos intelectualóides, que há quase oito anos brincam de governar Além dessas, muitas outras questões surgem, mas a solução entre aqueles que vêem a segregação na universidade pública um problema costuma ser unânime: melhorar o ensino fundamental e médio públicos e ampliar as vagas nas universidades públicas. As cotas seriam um paliativo, enquanto os alunos negros (ou os da rede pública em geral) não tiverem condições de competir com os da rede privada.
Sou contra as cotas, mas não sou inflexível nessa minha posição Defenderia-as caso soubesse que esse paliativo não viria a se tornar permanente, camuflando o problema dos ensino fundamental e médio. Claro que se trata de uma opinião de alguém branco, que sempre estudou em escola particular e que já está em uma universidade pública.
Ao meu ver, as cotas, por terem todo jeito de provisório permanente, acabam trazendo mais prejuízos que benefícios:
1) O estigma de cotista: entrou como cotista, logo é mais fraco que o não cotista. Não vai ser muito difícil chefes de empresas, pessoal de recursos humanos chegarem a conclusões semelhantes, desmerecendo, assim, o profissional que conseguiu entrar na universidade por tal meio, ou mesmo que apenas se encaixe no grupo dos cotistas, sem sê-lo. Se a cota for para negros, pouco importa que fulano tenha passado em primeiro no vestibular; é negro, é cotista, não é tão bom. O mesmo se a cota for para alunos da rede pública: na disputa por um emprego, ao serem analisados os currículos dos aspirantes, caso tenha sido o infeliz estudante de escola pública, não será muito difícil ser taxado de cotista, e se é cotista, não é tão bom. Resultado prático: aumento do preconceito e criação de uma classe universitária de segunda categoria, que terá de se contentar com salários mais baixos.
2) Queda na qualidade do ensino: um aluno sem uma base adequada, terá dificuldades para acompanhar o ritmo da faculdade. Será necessário desse aluno um esforço muito maior para conseguir se igualar àqueles que foram considerados capacitados pelo vestibular. Se não, restam dois caminhos: ou o professor diminui o ritmo das suas aulas, ou o aluno aceita atrasar na universidade, ou mesmo desistir. Nisto entra o problema de que esses alunos, muito provavelmente, tenham necessidade de trabalhar para se manter, e de entrar logo no mercado de trabalho; sobrando, portanto, ao professor, nivelar a turma por “baixo”, como é de praxe, mas no caso o baixo seria ainda mais baixo.
3) Menos oportunidade na universidade: na linha do raciocínio anterior, os professores tenderiam a dar preferência aos alunos que fujam do padrão dos cotistas, nas bolsas de iniciação científica, importante instrumento na formação da elite científica do Brasil.
4) Formação de uma elite entre os negros: no caso da cota ser para negros, a primeira leva que entrar na universidade se tornará uma elite dentre os negros, já que seus filhos terão condições de estudar em escolar particulares no primeiro e segundo graus, e competirão com negros que não tiveram tal oportunidade. No caso da cota ser para a rede pública, esse problema não há, mas há o de alunos despreparados entrarem na universidade.
5) Dificuldades ainda maiores para os brancos pobres: no caso das cotas serem para negros, os “brancos” pobres terão abolidos quaisquer chances de entrar numa universidade.
E por que toda essa minha preocupação em “manter o nível” da universidade? A resposta é um velho clichê: é com um ensino de qualidade e com produção científica, que um país constrói seu futuro. A universidade pública brasileira, grande (e praticamente única) produtora do conhecimento científico no país, já está sucateada, num nível alarmante (parte da culpa é dos próprios alunos, membros da nossa elite burra); se o nível dos alunos decair ainda mais (não se entra aqui no mérito do aluno, mas da escola que o formou) ela pode demorar para se reerguer – tal como ocorre hoje com o ensino fundamental e médio da rede pública –, e isso seria um duro golpe no sonho de construir uma nação decente.

Pato Branco, 24 de outubro de 2002

A questão das cotas nas universidades II

Para não dar trela às más línguas dos bons observadores, que dizem que eu apenas critico e nada proponho, tenho algumas sugestões para o problema, que vai no mesmo caminho das cotas, mas, ao invés de haver cotas para a universidade pública, proponho cotas para alunos pobres, da periferia, em escolas particulares. 10%, 20% de toda sala de aula de escola particular deveria ser preenchida por alunos carentes, os quais receberiam gratuitamente o material didático. Esses alunos seriam cadastrados pela prefeitura, de quem também receberiam transporte, uniforme e alimentação. A princípio pode parecer que seria a mesma coisa que as cotas na universidade, porém as diferenças são muitas:
1) Não haveria o estigma de cotista, dado que o aluno, apesar de cotista na escola, na universidade entraria apenas por méritos próprios, e teria condições de acompanhar as aulas.
2) Haveria o choque entre dois mundos: o dos ricos, sempre trancafiados em condomínios fechados e em shoping centers, e o dos pobres, onde, quando muito, há luz elétrica. Isso poderia criar uma certa rixa entre esses dois grupos, mas também despertaria para a realidade social aqueles das camadas mais abastadas.
3) A classe média, num primeiro momento, seria prejudicada, já que as escolas se veriam obrigadas a aumentar as mensalidades. Isso forçaria muitos alunos classe média a se transferirem para a escola pública, e como a classe média tem mais voz que a pobre, haveria um movimento sério e verdadeiro de reivindicação da melhoria do ensino público. Atendida essas reivindicações, com a escola pública perto do nível das particulares, muitos alunos destas transfeririam para a pública, aumentando a pressão para a sua melhoria, forçando um aumento de mensalidades nas particulares, e assim num círculo vicioso, até que a escola particular voltasse a ter a mesma conotação que tinha nos anos 50, 60: um ensino diferenciado, não em qualidade, mas em espécie (mais religioso, por exemplo).
Claro que o sistema de cotas, seja onde for, é um paliativo. No sistema que proponho há a vantagem de formar um aluno desde a sua base, e não apenas na fase final da sua educação tentar consertar o mal ensino que ele teve. Não sei se isso seria possível com a lei atual, mas isso não é problema, com vontade é possível fazer o que for preciso (não chegaram mesmo a mudar a constituição para permitir a reeleição?). O maior problema é que os primeiros calouros apareceriam somente daqui dez anos, e certos números no Brasil assustam, como o citado por Elio Gaspari, de que a proporção de negros nas universidades federais do Brasil é menor do que na África do Sul, na época do Apartheid; certas horas parece ser necessário o paliativo que for para tentar minorar, um pouco que seja, esse problema. Mas aquilo que é feito pensando apenas no curto prazo acaba, muitas vezes, sendo ainda mais prejudicial no médio e longo prazo.
Claro, como eu disse anteriormente, trata-se de uma opinião de um branco, que estudou sempre em escola particular e já está numa universidade. Se perguntar a um negro do terceiro ano do ensino médio há grandes chances da resposta ser diferente, e com argumentos melhores que os meus.

Pato Branco, 24 de outubro de 2002

segunda-feira, 14 de outubro de 2002

Corajosos

"Faltam 13 dias para o segundo turno". Fiquei impressionado ao ver, no programa eleitoral de hoje à noite, os dois candidatos à presidência remanescentes falarem isso com uma expressão feliz. Sinceramente, já me impressionou haver quatro postulantes a assumir esta canoa furada (excluo os outros dois candidatos por eles entrarem na eleição sabendo não terem qualquer chance de ganhar). Me pergunto o que leva alguém em sã consciência a almejar a presidência do Brasil no cenário atual. Projeto pessoal, inspiração divina, peso na consciência, miopia?

Não duvido que todos os candidatos querem construir um país melhor. Mas querer é uma coisa, fazer é outra; e para construir um país melhor é necessário que haja condições para isso.

Não conheço muito história, mas creio que o governo FHC deve entrar para a história nacional como um dos piores que já se viu nestes tristes trópicos. Sua única grande obra em oito anos foi uma estabilidade vagabunda que não está durando nem até o final do seu próprio mandato. Tão ruim foi seu governo que até o seu candidato canta e repete que quer mudança. Ah, sim! outra grande obra do sociólogo foi construir amarras que acabam fazendo com que ele governe, de certa forma, um ano a mais.

A vulnerabilidade externa já havia levado os quatro principais candidatos a se comprometerem com os acordos feitos por FHC. Entretanto o candidato vencedor devera optar por qual compromisso cumprir: os feitos pelo FHC com os grandes especuladores internacionais ou os feitos durante a campanha eleitoral, com o povo. Impossível conciliar os dois, eles são opostos, antagônicos, incompatíveis.

Não obstante, estão preparando para 2004 a segunda edição da maior festa da era FHC: o apagão. Animado com os ãos, FHC também preparou outra festa do gênero, que pode acontecer já na próxima safra, segundo especialistas: o paradão, a versão agrária do apagão. Enquanto a questão energética transformou-se no principal gargalo da produção industrial, o paradão pode se tornar o principal gargalo da produção agrícola. Trata-se do colapso do transporte de cargas agrícolas por causa das péssimas condições da malha de transporte e do número de portos do Brasil. Solução para os dois ãos: investimentos imediatos na construção de geradoras de energia e na extensão das hidrovias e ferrovias.

Gastos que o próximo governo se verá obrigado a fazer. Além de investimentos na educação, que está em estado calamitoso; em segurança, que hoje não existe; em saúde, que está agonizante; em urbanização, em programas de combate à fome, de combate à pobreza e outras mais. Mas o governo também precisa, segundo os compromissos assumidos por FHC para seu sucessor, economizar 3,8% do que arrecada, para pagar juros à banqueiros internacionais.

Sem dúvida o Brasil precisa de mudanças. Mudanças urgentes e radicais. Os dois candidatos sabem disso, e os dois prometem mudança. Mas fica aquela pulga atrás da orelha, de como que alguém que colaborou com o governo FHC por oito anos possa fazer todas as mudanças que o país precisa. Pouco importa se é verdade o que ele diz, de que foi crítico das ditas diretrizes do atual governo: muitos outros foram convidados para assumir ministérios e, para não ajudar um sistema o qual criticavam, recusaram.

Ainda não sei se querer presidir o Brasil hoje é patriotismo ou se é miopia. Sempre que os candidatos falam dos seus programas de governo eu sinto que nem eles acreditam no que falam. Se acreditam, socorro!, mais quatro anos de Mr. Magoo pela frente. Coragem, Brasil, você agüenta!


Pato Branco, 14 de outubro de 2002

segunda-feira, 7 de outubro de 2002

Em busca de ontem

O tempo passa, as coisas envelhecem, as pessoas mudam. Vidas que partem, vidas que chegam. Os adultos de ontem são os velhos de hoje, os adultos de hoje foram os jovens de ontem, as crianças de hoje serão os jovens de amanhã. Eis a vida desde os seus primórdios. O inexorável caminho que ela segue, sem se importar com guerras, filosofias ou avanços da medicina. A vida que tem sempre um princípio e um fim, e ainda assim é eterna.

Mas o homem, apesar de preso à vida e à sua lei, consegue em muitos aspectos impor o seu próprio ritmo. São os hábitos, os costumes, as tradições. Mas, ao mesmo tempo que o homem tenta preservar o seu entorno tal como ele hoje se encontra, ele o modifica. Entretanto o homem nunca quer preserva o que é, mas sempre o que foi, pois o homem nunca se dá conta do que tem, só do que perdeu. Tentar preservar alguma coisa é um sinal de que, pelo menos em parte, essa coisa já foi perdida.

E não é apenas o reacionário, o conservador que assim age. Quem garante que os chamados progressistas, os revolucionários não querem, no fundo, retornar ao mundo perfeito que aparentemente os rodeava quando crianças? E mesmo as revoluções, por mais radicais que tenham sido, não conseguiram – se é que realmente tentaram – destruir e apagar os hábitos, tradições e todo o simbólico que havia antes dela.

E será mesmo que o que foi é melhor do que é? Para o homem, animal movido pela insatisfação, a resposta é positiva. Aceitar o mundo, aceitar a vida tal como ela é hoje, não passa de uma forma de depressão. É aceitar que o hoje é igual ao ontem e o amanhã será igual. É uma depressão sem a amargura, mas que não deixa de ser a negação da vida, porque a vida é mudança, é querer mudar, nem que seja para manter as coisas como estão. E para mudar, é preciso estar insatisfeito.

É a vida, então, eterna insatisfação? De certa forma é, e até certo ponto é salutar. Insatisfação não é necessariamente sinônimo de infelicidade. A insatisfação que não te prostra, não te revolta e não te desanima é a afirmação da vida. A insatisfação com esse algo grande, onipresente, mas não opressor, que temos a convicção de poder resolver com as próprias mãos, sabe-se lá como, é a afirmação da vida, é a própria vida na sua vontade máxima. Já quando a insatisfação tem algo específico que a produz ou que promete resolvê-la (uma pessoa, um objeto, uma idéia), é uma insatisfação perniciosa, que ataca a vida e não a motiva. Não é uma insatisfação com a vida, mas com aspectos dela, é se perder em picuinhas e deixar passar o que é importante. Diz-se que quem ainda faz distinção entre o Reino dos Céus e este mundo é porque ainda vive neste mundo.

Campinas, 07 de outubro de 2002

sexta-feira, 4 de outubro de 2002

Elite nossa que estais em Miami seja ilusão a vossa ignorância

Se o futuro do Brasil está nas universidades públicas, o Brasil não tem futuro.

A elite brasileira é burra. É o que diz o estudo de Creso Franco, da PUC-RJ, baseado nos números do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Cursos), realizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico): entre os 7% mais ricos estudantes do Brasil, 21% tem nível elevado de aprendizado, enquanto o nível de 17% dessa elite é muito baixo (no México, que está logo à nossa frente, os números são 27% e 9%, respectivamente). Trata-se de alunos que estudam em escolas particulares (escolas, na sua maioria, formadoras de robôs para vestibular), que têm acesso (e não fazem uso, diga-se de passagem) a bens culturais. Esses alunos, hoje no segundo grau, logo estarão nos bancos das universidades públicas brasileiras, e num futuro não tão distante, muitos se tornarão professores dessas universidades.

E o que esperar dessa elite que tem condições de viajar e visitar o Louvre, de assistir à Filarmônica de Nova Iorque, mas prefere visitar a Disney, fazer compras em Miami? Que leu todos os livros do Paulo Coelho, da série Harry Potter e chama de lixo Lima Barreto e Clarice Lispector? Que conhece todos os filmes do Spielberg e nenhum do Glauber Rocha? Que assistiu Titanic, Spider Man, Star Wars quatro vezes cada e nenhuma vez Janela da Alma? Que tem como única fonte de informação o Jornal Nacional?

Olhando ao redor, parece que vai ser realmente difícil o Brasil ter um futuro decente com essa elite burra, com essa intelectualidade ignorante que temos e que promete se perpetuar.

Se assim é a elite, que se gaba de ter dinheiro, de estudar em escola particular e em universidade pública, de ter em casa uma biblioteca abarrotada de livros capa dura com inscrições em dourado (não que tenham lido algum; livro, no Brasil, é peça decorativa), imagine como deve ser a ralé, que trabalha de dia, estuda à noite em escola pública de periferia, e não tem condições de comprar livros, de ir a teatros e cinemas.

Não fosse o belo trabalho de letargização da população, promovido pela Rede Globo, eu ousaria dizer que a ralé tem mais chance de estar na nossa frente: maiores seriam as possibilidades de notar seu estado de ignorância e tentar sair dele. Infelizmente "Coração de Estudante" não permite que se olhe para si, para o lado, e muito menos que se levante da poltrona para mudar alguma coisa.


Campinas, 04 de outubro de 2002