sexta-feira, 4 de outubro de 2002

Elite nossa que estais em Miami seja ilusão a vossa ignorância

Se o futuro do Brasil está nas universidades públicas, o Brasil não tem futuro.

A elite brasileira é burra. É o que diz o estudo de Creso Franco, da PUC-RJ, baseado nos números do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Cursos), realizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico): entre os 7% mais ricos estudantes do Brasil, 21% tem nível elevado de aprendizado, enquanto o nível de 17% dessa elite é muito baixo (no México, que está logo à nossa frente, os números são 27% e 9%, respectivamente). Trata-se de alunos que estudam em escolas particulares (escolas, na sua maioria, formadoras de robôs para vestibular), que têm acesso (e não fazem uso, diga-se de passagem) a bens culturais. Esses alunos, hoje no segundo grau, logo estarão nos bancos das universidades públicas brasileiras, e num futuro não tão distante, muitos se tornarão professores dessas universidades.

E o que esperar dessa elite que tem condições de viajar e visitar o Louvre, de assistir à Filarmônica de Nova Iorque, mas prefere visitar a Disney, fazer compras em Miami? Que leu todos os livros do Paulo Coelho, da série Harry Potter e chama de lixo Lima Barreto e Clarice Lispector? Que conhece todos os filmes do Spielberg e nenhum do Glauber Rocha? Que assistiu Titanic, Spider Man, Star Wars quatro vezes cada e nenhuma vez Janela da Alma? Que tem como única fonte de informação o Jornal Nacional?

Olhando ao redor, parece que vai ser realmente difícil o Brasil ter um futuro decente com essa elite burra, com essa intelectualidade ignorante que temos e que promete se perpetuar.

Se assim é a elite, que se gaba de ter dinheiro, de estudar em escola particular e em universidade pública, de ter em casa uma biblioteca abarrotada de livros capa dura com inscrições em dourado (não que tenham lido algum; livro, no Brasil, é peça decorativa), imagine como deve ser a ralé, que trabalha de dia, estuda à noite em escola pública de periferia, e não tem condições de comprar livros, de ir a teatros e cinemas.

Não fosse o belo trabalho de letargização da população, promovido pela Rede Globo, eu ousaria dizer que a ralé tem mais chance de estar na nossa frente: maiores seriam as possibilidades de notar seu estado de ignorância e tentar sair dele. Infelizmente "Coração de Estudante" não permite que se olhe para si, para o lado, e muito menos que se levante da poltrona para mudar alguma coisa.


Campinas, 04 de outubro de 2002

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