terça-feira, 26 de dezembro de 2006

O mundo é indie!

O mundo é indie! Ou será que o indie é pop? Foi-se o tempo em que, fora daquele círculo de meia dúzia de iniciados, o que se conhecia de rock dito alternativo era Oasis, a música do Carlinhos, o clipe do Bitter Sweet Simphony e a música do Fifa Soccer. Aqueles iniciados, diga-se de passagem, que não só sabiam toda a discografia do Sonic Youth, a formação do Pavement e a data do último show do Pixies, como também liam Kerouac e eram fãs de Trainspotting. Usar tênis All-Star e camiseta “estilosa” eram o sinal de que ali se encontrava um indie, por mais que ele insistisse que não era.
Mas as coisas estão mudando. Creio que começou com a moda emo, que não foi nenhuma moda que arrebatou multidões, mas fez um monte de adolescentes que assistiam Malhação e MTV e precisavam parecer moderninhos trocarem o sertanejo pelo rock – até então tido por alternativo, uma vez que ninguém nunca tinha ouvido falar em Get Up Kids, Sunny Day Real State, Gloria, Ataris, felizmente! Foi quando All-Star e presilhas viraram pop.
Então vieram os Strokes, tornando pop o tal de “garage revival”, até então confinado a shows de garagem. Foi quando o All-star e estilo anos 60, que os indies tentavam garantir como marca diferenciadora, começaram a ganhar espaço lentamente. O All-star já há um bom tempo não é sinal de nada – tanto é que foi substituído pelo Converse, que logo, logo segue a mesma trilha. Já o estilo anos 60, ou a roupa “estilosa” (como dito acima) começam a virar padrão por estes tempos.
Camisetas típicas de indies hoje são encontradas em qualquer loja – não é necessário mais ir a uma loja especializada ou a um festival com suas tendinhas de roupa. Uma camiseta básica de uma marca qualquer tem desenhos que parecem feitos pela Mono, o saquinho de chá vem com um desenho que parece o símbolo do barzinho indie Mondo 77, em Campinas.
Pobres indies (os originais). Devem sentir falta do tempo em que encontrar alguém com seu estilo era garantia de poder conversar sobre cultura pop, Lichtenstein, Bukowski, David Lynch e bandas desconhecidas (hoje até Sebastião Estiva já é pop!). Se bobear, hoje em dia, indie que é indie precisa afirmar sê-lo.

Campinas, 26 de dezembro de 2006

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Estelionatos

Em 89 Collor foi eleito para caçar marajás, nem bem assumiu e já foi abocanhando a poupança da classe média. Em 94 os dedinhos de FHC não falavam em privatização, mas seu primeiro mandato se resumiu quase que à venda de estatais para financiar batatas Pringles a preços acessíveis e as compras em Miami dos novos ricos e da classe média deslumbrada. Dizia querer acabar com o legado getulista, o Estado pai dos pobres. Conseguiu, substituindo-o por um Estado mãe dos ricos (e sócia prioritária dos amigos do presidente). Era para o bem dos brasileiros, que tão bem perceberam esse bem a ponto de hoje a grande maioria da população seguir sendo contra as privatizações. Em 98 veio a reeleição para manter o (falido) plano real, que sequer chegou ao final do primeiro mês do segundo mandato. Em 2002 veio a vitória da esperança sobre o medo, mas Lula se mostrou o governo mais medroso, mais pusilânime da nova república – teve uma política externa mais independente, mas internamente foi completamente subserviente aos donos do poder.
Com esse histórico, já era tempo de aprender alguma coisa sobre o sistema representativo brasileiro, mas muita gente insiste em ter fé no santo do pau oco, e passada as eleições mais do que indignação, o que se vê é surpresa.
Em 2006 Lula assumiu o discurso ou eu ou o caos, utilizado por Serra em 2002 (é certo que Lula foi menos grosseiro, e não apelou para a Regina Duarte): ao pintar diabolicamente Alckmin como O privatista, conseguiu fazer com que o candidato tucano tivesse menos votos no segundo turno do que no primeiro turno. Muita gente – gente ilustrada – engoliu esse discurso. Me criticavam durante o segundo turno por eu dizer que, salvo a política externa, os dois eram idênticos (dois malufistinhas: rouba mas faz, Rota na rua, a imprensa me persegue) e, portanto, tanto fazia quem vencesse.
Mas venceu Lula, e com isso extirpa-se o risco de novas privatizações, certo? Certíssimo, dirão muitos petitas. O que o governo Lula está planejando não é privatizar as rodovias, tal qual noticiado pela imprensa, mas repassar a administração delas à iniciativa privada. Privatizar é coisa do neoliberalismo tucano, o neoliberalismo petista fala em parcerias! E olha que ainda sequer começamos o segundo mandato, nem se trata de nenhum tema espinhoso! Brasileiro está acostumado a pagar pedágio, pode-se mostrar meia dúzia de experiências bem sucedidas feitas pelos tucanos em São Paulo, e estão dissolvidos os mal-entendidos. Imagina o que não pode estar em gestação para o início do ano que vem, quando PT-PMDB chegam unidos no congresso para uma nova legislatura.
É por essas e outras que digo que eleição no Brasil é como ópio: vicia, dá três segundo de alegria, depois vem aquela ressaca gigantesca, e a gente passa o tempo todo correndo atrás daquele primeiro efeito (no caso, do quase efeito do Lula Lá, de 89). Por isso que defendo abstinência – a ressaca é a mesma, mas não há a decepção de se dar conta de ter caído, uma vez mais, no conto do vigário.
Por fim, de que adianta participar das eleições de sistema representativo em que o candidato não cumpre o que promete e faz o que não prometeu?

Campinas, 04 de dezembro de 2006

domingo, 19 de novembro de 2006

Um sistema falido

Há um considerável otimismo com a cláusula de barreira dos partidos que entrou em vigor a partir destas eleições. Pela cláusula somente partidos com um mínimo de aceitação popular terão as benesses dadas aos partidos que (teoricamente) representam anseios da população. Louva-se a medida, pois não há 29 correntes de pensamentos distintas, partidos de aluguel desapareceriam e o espectro político se tornaria mais claro e depurado com um número menor de siglas de destaque. Acredito que tudo isso é válido (só veremos se é verdade depois de acontecer), mas cláusula de barreira, fidelidade partidária, financiamento público, voto distrital e o que mais tem sido não tocam no ponto fundamental da cultura política tupiniquim: o que é um partido no Brasil hoje?
O tipo ideal de partido político no Brasil hoje é, infelizmente, o PMDB. Claro que nenhum chega a tal extremo, mas o que vemos são caciques em disputas internas por poder dentro dos partidos. Alguns chegam a ter determina linha ideológica, qualquer difusa carta de programas, mas é tudo. Os partidos de direita no Brasil sempre foram associados ao fisiologismo. Os de esquerda adotaram a prática ao ascenderem ao poder. Serão os homens todos maus ou será o sistema falido?
O penúltimo grande tombo foi o PT: cria-se ser um partido mais coeso – vide o fato de sua bancada geralmente seguir unida – com um programa para o país, uma forma diferente de fazer política. Os cegos de plantão (no qual se inclui este escriba), ao olharem retroativamente já conseguem perceber algumas falhas da cultura política, de que o PT se utilizou (não sei se deliberadamente) em 2002, assim como em 2006. É grande o fuzuê pelo ministério do segundo mandato: quem irá para qual pasta? Que partido ficará com o que? Que aliado abocanhará que pedaço? Trata-se da mesma conversa de 2002. E é aqui que nos damos conta mais claramente do problema: elegemos Lula em 2006, assim como em 2002, com base no que? Em 2002, em um programa partidário não cumprido? Em 2006, por medo de privatizações? Mas de concreto, o que tínhamos como garantia de que o governo seria assim ou assado? Realizações passadas, promessas futuras? FHC não prometeu privatizações, assim como Lula não prometeu rasgar a carta-programa do PT. Foram reeleitos.
Vamos ao pior da eleição de 2006: a promessa não cumprida. Falo do Psol e de Heloísa Helena. Muitos (como o escriba aqui, por algum tempo) acreditavam que o Psol poderia surgir para renovar a política nacional, criar uma forma nova de fazer política. Simplesmente não seguir ortodoxamente a cartilha da publicidade política não basta para fazer política de forma nova. A maior prova do “más de lo mismo” do Psol vem que o partido não conseguiu, sequer tentou, romper com o personalismo da política nacional. Ora, se o Psol é um partido e não uma aglomeração de interesses mais ou menos convergentes, Heloísa Helena, Plínio de Arruda Sampaio, ou o Zé da Padaria da Esquina deveriam ter basicamente o mesmo programa de governo, as mesmas propostas, independente de quem fosse o candidato à presidência. Mas o Psol preferiu lançar Heloísa Helena, que tinha mais visibilidade, à presidência, o que acarretou como principal conseqüência, que sua cadeira no senado será ocupada pelos próximos oito anos por Fernando Collor de Mello. Mas supomos que o Psol tivesse ganho a presidência, quais projetos para o país foram apresentados em termos concretos: estamos aqui, passaremos por aqui, e chegaremos ali? Mais: quem seriam os ministros, os auxiliares da Heloísa Helena? O que não garante que ela faria um acordo com o PT, por exemplo, cedendo ao partido uma qualquer, mas que acabaria por desvirtuar o pretenso projeto de país do partido?
O Brasil pode ter três, cinco ou 48 partidos. Enquanto não houver partidos sérios, ideológicos, coesos, coerentes (à direita e à esquerda), continuaremos dando ao presidente da República um poder simulacro de Luís XIV, “o Estado sou eu”, com total liberdade para negociar cargos, verbas e políticas com partidos de todo o espectro político, sem que possamos reivindicar legitimamente qualquer postura. Isso para o executivo.
Para o legislativo, acho que poderíamos retomar o modelo da Atenas clássica: os representantes são escolhidos por sorteio. Seria muito simples, evitaria lobby, caixa dois, e todas essas mazelas que afligem os regimes democrático-liberais. O sujeito com mais de 18 anos e ficha limpa ia até o tribunal eleitoral local, se canditaria, e em um domingo, antes do Domingão do Faustão, sentaria com a família no sofá da sala, cruzando os dedos para ser sorteado. Esse sistema daria de fato chances iguais a todos, e ainda poderíamos ter a sorte de não contar com Maluf, Collor, Salvatti, ACM, Clodovil, Russomano, Enéas, Palocci, Virgílio, Barbalho, Sarney e tanto outros boa-pintas que infestam a câmara e o senado.

Campinas, 19 de novembro de 2006

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

“Vagina não tem osso” e a especialização crônica na universidade (incompleto)

Começo com uma cena do filme O sentido da vida, de 1983, dos comediantes ingleses do Monty Python. Dois médicos vão fazer um parto normal. Estão mais interessados na parafernalha da sala de parto, como “a máquina que faz 'ping!'”, do que na paciente – tanto é que notam que falta algo, mas levam um tempo para perceber que é a paciente. O gestor do hospital sequer sabe o que é um parto, apesar de conhecer “a máquina que faz 'ping!'” e achá-la o máximo, como os médicos. Durante o parto, a mulher pergunta o que pode fazer para ajudar, a resposta do médico é “nada, você não está habilitada para isso”.
Conversando com um estudante de medicina (um dos que julgo mais próximo de estar na carreira por vocação), ele comentava que uma mulher com quase nove meses de gravidez chegou no hospital reclamando de dor “no ossinho da vagina”. Como vagina não tem osso, ele desprezou o que a mulher disse e mandou-a embora. Fosse um caso isolado, tudo bem. Mas é comum também pessoas que freqüentam o posto de saúde com o que os médicos classificam de “ntpn”, não tem porra nenhuma (há também uma outra denominação, mais recente, mas não me lembro). O médico receita uma aspirina e manda a pessoa para casa. Como bem comentou um amigo meu psicólogo: ninguém procura um médico porque não tem nada, alguma coisa essa pessoa tem, por mais que não seja biológico. Mas para quem passou os seis anos da faculdade decorando nome de osso, princípio ativo de remédios e aprendendo a ler resultado de exames, e só olhou para a cara do paciente caso tenha optado pela especialidade de oftalmologista, não surpreende que diga “não tem nada” para quem tem pressão e nível de colesterol dentro dos padrões. Ou ignore a dor de uma mulher, simplesmente porque “vagina não tem osso”.
É possível encontramos ao menos três razões que explicam esse comportamento que antes se esperaria de um açougueiro do que de um médico. Um deles é o prestígio de ser “doutor”, o poder de decidir a vida e a morte, o que faz com que a grande maioria das pessoas que prestam medicina o façam por causa do prestígio ou do dinheiro. Outra é que a medicina tradicional lida com a doença, e não com a saúde. Saúde, nesta visão é a ausência de doença, e a doença é identificada via exames e diagnósticos. Se estes não apontam nada, a pessoa é saudável. Por fim, a formação que os médicos recebem na universidade: uma formação técnica, especialista, cujo ideal – como expressou um empolgado professor meu com os avanços da ciência – é reduzir a medicina a uma matriz, ou a uma função matemática.
Estou lendo o livro A aventura da universidade, do economista Cristóvão Buarque, ex-reitor da Universidade de Brasília. Apesar de escrito há dez anos o livro é bastante atual e, apesar de eu não concordar com muitas idéias ali expostas, Buarque tem o grande mérito de conseguir problematizar a universidade. Um dos pontos que ele insiste é a extrema especialização da universidade e conseqüente perda do seu caráter humanista – essa perda se dá em todas as áreas da universidade, exatas, biológicas, humanas e artes. Para cursos como engenharia este problema não se sente de maneira tão gritante, mas para áreas que lidam diretamente com o ser humano, essa visão da pessoa como um amontoado de carne ou uma fonte de renda chega a ser ofensiva. Sinceramente, de todos os médicos e estudantes de medicina que conheço para além do consultório, não consigo lembrar de nenhum que eu diga ter vocação para a profissão escolhida. Ou mesmo dentro do consultório, médicos “atenciosos”, como são geralmente chamados, são tão raros que são sempre lembrados e comentados.
Falo da medicina, onde essa falta da visão humanista durante sua formação é perceptível mais facilmente, mas eu poderia citar exemplos de psicólogos formados que não têm a menor condição de exercer a profissão, mas a universidade – uma das melhores do Brasil –, e o Conselho de Psicologia dizem que são aptos para tanto.
E a maior dificuldade para mudar esse panorama da universidade está dentro da própria universidade. Como bem disse Buarque, a especialização chegou a tal nível que ao invés de se exigir de um físico ou um engenheiro um conhecimento de filosofia, de artes, de algo não técnico ligado à sua formação, o que se exige é do filósofo e do artista a mesma especialização do físico e do engenheiro.
Uma das formas pela qual essa exigência pela especialização estrita é o sistema de cobrança de títulos e de “coeficiente de produtividade” (artigos publicados) dos professores e de “coeficiente de rendimento” (a nota) dos alunos. Essa cobrança anda cada vez mais rígida, e uma reprovação, algumas notas baixas, o atraso do curso em meio ano pode custar a bolsa de estudos; forçando estudantes (é o caso que conheço mais de perto) a desistirem de muitas atividades que saiam do esquema sala de aula-laboratório, pois se engajar em um projeto social, por exemplo, pode comer horas de estudos, baixar o coeficiente de rendimento e cortar uma bolsa de estudos. E é com tristeza que leio a notícia de que um dos mais empolgados com essa visão especialista-eficiente é cotado para uma secretaria no estado de São Paulo. Trata-se do ex-reitor da Unicamp, atualmente à frente da Fapesp, o engenheiro Carlos Henrique de Brito Cruz, que na reitoria da Unicamp chegou ao extremo de querer vincular bolsa-auxílio (bolsas direcionadas a alunos carentes, que não tem como se sustentar morando fora de casa e fazendo faculdade) ao coeficiente de rendimento. Ou seja, não basta o vestibular já excluir boa parte dos alunos carentes que gostariam de fazer Unicamp, uma vez dentro esses alunos vão ter que provar que mesmo trabalhando, eles conseguem tirar as mesmas notas que aqueles alunos que só dedicam a estudar (e como se nota fosse sinônimo de conhecimento).

Campinas, 11 de outubro de 2006

domingo, 8 de outubro de 2006

O desgosto, visita à dona Josefa

Muito ocupado, somente este fim de semana arranjei um tempo para visitar dona Josefa, do Clube da Sogra, que há tempos está de cama. Dona Emengarda já me havia dito qual era seu problema: desgosto. “Meu filho, a escolha do presidente nos tempos da ditadura era mais emocionante: havia pelo menos a possibilidade de mudar alguma coisa, se se conseguisse tirar os linhas dura do trono. É certo que nós não participássemos da escolha, mas e hoje, participamos? Passei por duas ditaduras, e acho que nunca me senti tão alheia da política como hoje, vivendo numa democracia – e olha que eu sou mulher e no meu tempo não era fácil!”
Tentei dar uma suavizada: e a questão das liberdades, e a repressão? Mas dona Josefa estava bastante azeda – nada surpreende, se era essa a razão dela estar de cama: “Que liberdade, meu filho? Que liberdade tenho eu com minha aposentadoria de 400 reais, impedida de me locomover porque dependo de ônibus, mas só se me levantarem sou capaz de subir os degraus de um? A única grande liberdade que tenho agora é que posso me endividar com mais facilidade. E esse negócio de repressão e tortura, a dona Emengarda que sempre diz: 'quem diz que na ditadura é que tinha tortura é porque é um branquinho com dinheiro! A diferença da tortura dos militares pra de hoje é que hoje ela voltou a ser destinada só aos pretos e pobres, deixou de ser democrática'. E dona Emengarda já está quase perdendo a razão. Eu lembro que meu menino mais velho às vezes ia se meter em manifestação contra os militares. Chegou a apanhar algumas vezes, ser detido, mas como não era envolvido com politicagem nunca teve maiores problemas – ainda bem! Esses tempos o filho dele foi participar de uma manifestação por não sei o que, ou contra o governo, não sei, na Avenida Paulista. Apanhou mais do que o pai, foi detido, e ainda ficou horas preso num quartinho, sofrendo pressão psicológica. Meu filho, você precisava ver o estado que o pobre garoto chegou em casa.”
Vendo que se a conversa seguisse por esse rumo não mudaria o tom, tentei mudar de conversa. Mas dona Josefa queria falar de política: “o primeiro turno foi semana passada, quer assunto mais quente?” Digamos que não temos muitas afinidades com urubus – apesar de não termos nada contra a simpática ave – então política era realmente um assunto bem mais interessante do que aviões que caem. Ainda consegui pôr a conversa em termos um pouco menos dramáticos: viu o Suplicy? E o Gabeira? Que surpresa na Bahia, hein? A conversa fluiu mais um tempo, até que se fez hora de eu voltar à minha casa. E na hora de me despedir, no momento em que desejei melhoras à dona Josefa, é que me dei conta do seu mal. Não consegui disfarçar a expressão e ela percebeu: “É, meu filho. 2006 está feio, mas que perspectivas você anda vendo para 2010?” Insisti no desejo de melhoras, mesmo vendo que as perspectivas andavam desoladoras. “Isso passa, a gente tem que se acostumar, ou então morre cedo. Eu pretendo viver mais um pouco.”
Não tivesse que trabalhar amanhã, e eu também cairia de cama: desgosto.

Campinas, 08 de outubro de 2006

terça-feira, 26 de setembro de 2006

Quem diria, o PFL...

Pois é, anda difícil entender o Brasil. No samba do crioulo doido que virou a política nacional tem sobrado que algumas das poucas notícias políticas boas tem cabido ao PFL. Primeiro tivemos com Cláudio Lembo uma das poucas falas razoavelmente razoáveis proferidas por políticos sobre a crise da segurança em São Paulo. Agora temos a câmara da cidade de São Paulo aprovando o projeto de lei de autoria da prefeitura – que está nas mãos do pefelista Kassab, ex-pittista – que proíbe outdoors e restringe publicidade em locais abertos da cidade – fachada de lojas inclusive. Além do impacto visual que tal medida terá (ela entre em vigor em 1 de janeiro de 2007), é de se supor o tamanho do lobby que prefeitura e vereadores tiveram que suportar – publicitários, agências de publicidade, anunciantes, grandes lojas – e suportaram (apenas um, Dalton Silvano, do PSDB, se opôs).
Quem conhece São Paulo, nem tenha só passado pelas marginais rumo a um destino para além da cidade, sabe que se a poluição visual da cidade pudesse ser traduzida em cheiro, federia muito mais do que o rio Tietê nos seus piores dias. A cidade possui cerca de vinte mil outdoors – 75% deles irregulares – que vão de propagandas banais de churrascarias a anúncios de filmes pornográficos ou “casas de acompanhantes” com direito a fotos “picantes”, assim digamos. A proibição de publicidade externa é um dos poucos casos de o Estado prestando um serviço Público, com p maiúsculo, ou seja, é para a população, toda a população, e não só para aqueles que não podem pagar seu equivalente particular. Não se trata apenas de tentar deixar a cidade menos feia, mas de respeito pelo cidadão: não ser bombardeado por propagandas que não quer ver, cansar ainda mais a retina fatigada, saber que limitar a influência da publicidade sobre os filhos dentro de casa não será um ato inócuo, já que hoje basta olhar pela janela e ter imagens convidativas impondo coma, beba, compre, trepe.
São Paulo é para mim o laboratório do mundo: se se conseguir consertar a cidade, acredito que o mundo tem solução. A medida de proibição de publicidade (ainda dependente de “pegar”) não tornará São Paulo uma cidade minimamente habitável, digna de viver, mas é um pequeno, mínimo passo, ainda mais se comparada com aberturas de avenidas e viadutos, rampas anti-mendigo, intervenção de prostíbulos...

Campinas, 26 de setembro de 2006

Dossiês e flagrantes, conversa com dona Emengarda

Dona Emengarda (do Clube da Sogra), na sabedoria dos seus 86 anos, diz que já viu muita coisa neste mundo, mas diz muito do que sabe ela não viu. É por isso que sempre fareja algo além do que se vê. Os netos chamam-na de paranóica, dizem que ela é adepta da teoria conspiratória, mas ela não liga, sabe que eles são ainda muito jovens para saber que no escuro coisas também podem acontecer.
Um fato que dona Emengarda anda cabrera é o do tal dossiê apreendido enquanto era negociado com membros do PT. Não que ache que tenha qualquer armação nessa história. Ela sabe, há muito já dizia, que “política tem mais sacanagem do que cinema de rua do interior na sessão da meia-noite” (ela é ainda do tempo que rua tinha cinema). Nunca aceitou tranqüilamente o discurso do PT, apostava para ver que eles eram iguais, mas percebia-se nos seus olhos a vontade de estar errada. “É, meu filho, o pior da velhice é que a busca por novidades fica cada vez mais árdua”.
O que ela não está achando direito é que só o PT esteja andando pelos esgotos nesta campanha eleitoral. “PSDB, PFL e os demais pararam de fazer o que sempre faziam? Eles furavam os olhos até dos aliados!”. Ela lembra do dinheiro da Roseana, que sacramentou a candidatura de Serra, com apoio do PFL, em 2002. Pergunto se ela acha que o PSDB tinha também seu dossiê. “É o mesmo”, me responde, “esse mafioso, o tal do Vedoin, você acha que ele ofereceu o dossiê só pro PT? Segundo o delegado o negócio falava mal de todo mundo, do PT, inclusive.” Quer dizer, então, que a diferença foi que o PT conseguiu efetivar a compra? “Não vou afirmar nada, porque também não sei de nada. Mas você lembra que o Vedoin queria R$ 20 milhões pelo dossiê? O PT ia pagar R$ 2 milhões. Se ele estava esperando 20 e recebeu 2, não pode estar satisfeito, pode? Pra um vende o dossiê, pro outro, o flagrante, e, se bobear, ganha 40.” Fiquei pensativo. “Conheço o Bornhausen desde a época da ditadura, se quiser pode acreditar nele.”
É, ainda sou mais a dona Emengarda. Por mais que não saiba de nada, tudo o que ela não viu nos seus 86 anos não permitem duvidar dela sem provas contrárias.

Campinas, 26 de setembro de 2006

terça-feira, 19 de setembro de 2006

O vírus de Brasília

Acho de bom tom interditarmos Brasília logo, antes que, diante da nossa inércia, EUA, Otan, UE, Cuba, China ou quem for resolva intervir militarmente com o aval da ONU.
Brasília parece ter algum vírus poderoso, que provoca lesões – ao que parece, irreversíveis – no cérebro, danificando não somente a memória como a capacidade cognitiva de quem troca São Paulo pelos secos ares da cidade. Ficasse restrito somente a essas pessoas e o problema não seria tão grave, a solução tão drástica: bastava voltar para o Palácio do Catete. Ocorre que esse vírus (ou será a maldição de JK?) se espalha como fogo no cerrado: ataca pessoas que tinham contato com o infectado antes dele ir para a cidade amaldiçoada.
Já virou praxe iminentes intelectuais fazerem malabarismos verbais, empenhando diplomas e títulos na busca de justificativas para o injustificável, na tentativa de fazer o absurdo se transformar em bom-senso, tendo em vista salvar o mandante de turno. A novidade no governo Lula foi que toda imprensa também foi dominada pelo vírus. Na era FHC tínhamos a grande imprensa que, assim como a classe média, achava o máximo um presidente poliglota – ainda mais quando seu maior rival era um operário troglodita – e seguindo os preceitos liberais ensinados por Stuart Mill, faziam o uso do velho sistema “dois pesos duas medidas”.
Ainda que Lula tenha mostrado que não é um troglodita, graças a generosos e mais-do-que-generosos auxílios a ela, a imprensa manteve em parte seu sistema dois pesos duas medidas. Até aí normal. Por mais que o sabonete vendido por Duda Mendonça dizia combater todo tipo de vírus e frieiras, e o próprio sabonete se achasse um enviado dos deuses (apesar de que, convenhamos, trata-se, sem dúvida, de um dos mais inteligentes sabonetes já produzido na história), era pedir demais para ele transformar o sertão em mar e ainda pular carnaval sobre as águas. No final, nem o sertão virou mar, nem ele andou sobre as águas, mas sim, ele chafurdou na lama, assim como seu predecessor, o Príncipe das Astúrias.
Voltemos à imprensa. Na grande imprensa, nenhuma novidade. O problema foi na dita imprensa de esquerda, “livre”. Tomemos a agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br) como exemplo. Até o estouro dos escândalos do governo, mantinha-se firme na linha que o caracterizava nos anos FHC: crítica ao modelo econômico vigente (aliás, se tem uma coisa que “nenhum outro presidente fez neste país”, como Lula sempre adora falar, foi manter ipsis literis exatamente a mesma política do governo anterior, nem FHC manteve no seu segundo mandato a política do primeiro), defesa da res publica e da independência entre os poderes. Diante do estouro dos escândalos, essa imprensa se contrapôs, como deveria mesmo ter feito, ao “dois pesos duas medidas” da grande imprensa, que mandava chumbo grosso por atos que tinham sido cometidos igualmente no governo anterior, mas que não receberam nem décimo da atenção voltada no governo Lula. Da crítica ao “dois pesos duas medidas” à defesa do governo Lula, contudo, vai uma diferença grande, enorme, gigantesca, que essa imprensa simplesmente se esqueceu.
O resultado é que o governo Lula, que até maio de 2005 seguia a política neoliberal do FHC, passou a ser um governo “com pendores populares”, comparado aos de Vargas e Goulart, como nos diz Marco Aurélio Weissheimer; e que o sopão ampliado (uma esmola necessária, que eu defendia desde antes de 2002, mas que serve de paliativo e deve ser acompanhada, sim ou sim, de políticas de geração de emprego não-precarizados e melhoria de renda, o que o governo Lula não faz) se transformou em “solidariedade para com os excluídos”, segundo Mauro Santayana; entre outras camaleonices do gênero.
Como eu disse: ainda é tempo de interditarmos Brasília e mandarmos políticos, intelectuais e jornalistas para a parada do leprosário. Se esse vírus se espalhar para além de nossas fronteiras e correr o risco de se transformar em uma pandemia, não haverá argumento contra uma intervenção externa.

Campinas, 19 de setembro de 2006

sábado, 2 de setembro de 2006

O patrono da política brasileira

Como um vazamento de gás, ele foi se aproximando sorrateiramente. Todos sabem da sua existência, conhecem sua fama, suas políticas, rejeitam comparações, mas repetem-no no discurso e na política. Não falo somente dos políticos, mas também dos eleitores – até mesmo os tais ilustrados.
A política brasileira hoje é pautada pelo malufismo.
Se em campanhas presidenciais passadas causava certo constrangimento receber seu apoio – é certo que não constrangimento suficiente para rejeitar o apoio e ter fotos de FHC, Lula e Marta estampadas ao lado da de Maluf –, hoje, mais do que nunca, não causa constrangimento algum seguir sua política e discursos. Há apenas alguns pudores em admitir a paternidade das idéias – talvez por medo de um processo por plágio, já que o mesmo ainda se encontra vivo.
Vale lembrar que em 2002, para a campanha de São Paulo, o candidato do PT, José Genoíno, para se contrapor à política apelidada de “neomalufista” do candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, entoou o famoso bordão “Rota na rua”. Muitos encararam o Rota na rua de Genoíno de maneira diferente da de Maluf: “veja bem, não é bem assim”. Outros preferiram ver como uma artimanha para ganhar eleitores, assim como viam tal artimanha na “Carta ao povo (sic) brasileiro”, que Lula assinava na mesma campanha. Quatro anos depois de PT no Planalto não sei se ainda existe alguém que acredita que o “Rota na rua” não queria dizer outra coisa que o tradicional “Rota na rua”.
Mas estamos em 2006, Genoíno seria cachorro morto se vivêssemos em um país sério, e a eleição segue a pauta malufista. Mensaleiros, sanguessugas, ex-presidente (mesmo sem ser candidato) seguem o discurso por nós já conhecido e até há pouco rejeitado de que “nada foi provado”. Na disputa pela presidência, de um lado Alckmin acuado com os recentes ataques do PCC, querendo achar algum culpado no PT (lembra o Maluf?), se preciso, algum culpado nos partidos aliados (lembra o Pita?), enfatizando o quanto seu governo fez pela segurança (a tal política neomalufista), seja em números de presídios, seja em número de presos, se defendendo de acusações de corrupção por culpa da “imprensa parcial” que o persegue. De outro, artistas e personalidades apoiadoras de Lula bradam o mais que conhecido “Rouba mas faz”, em uma linguagem um pouco mais grosseira (por incrível que pareça!), apenas para não ter que pagar direitos autorais ao ex-prefeito.
Como eu disse, Maluf vinha se sobressaindo na política nacional já há quase uma década, pelo menos. Pelo espólio eleitoral que possuía (e ainda possui), pelo abandono pelos partidos de qualquer ideologia que não o poder pelo poder (o sonho de se tornar um PRI brasileiro, que vem desde FHC), pela acomodação passiva e acrítica do eleitorado tido por informado (por mais que apresentem ao distinto público uma pseudo-crítica para justificar seu apoio), não é de se admirar que os partidos se esfaqueiem na busca dos eleitores malufistas, adotando posturas, discursos e políticas dessa sinistra figura da política brasileira.
Getúlio Vargas, que FHC e Lula tanto adoram citar – seja para o bem, seja para o mal –, não passa de um expediente retórico que visa dar qualquer profundidade a discursos e políticas vazias e burras. O verdadeiro norte da política nacional de hoje é Paulo Maluf.

Campinas, 02 de setembro de 2006

sábado, 26 de agosto de 2006

Consumo sem renda

Há alguns dias o presidente Lula comentou que se emocionara quando ouvira que um trabalhador tinha comido filé mignon pela primeira vez na vida. A propaganda política do candidato Lula anuncia que milhares de famílias tiveram acesso facilitado a diversos bens, como aparelhos de dvds e televisores.
Em 2002 o candidato Lula prometera criar 10 milhões de empregos. Criou 5 milhões, majoritariamente em setores precarizados que pagam até R$ 700,00. Prometera também dobrar o poder de compra do salário mínimo, então em R$ 200,00. Segundo a matemática do segundo grau, esta promessa também não foi cumprida, visto que R$ 350,00 não é sequer o dobro nominal de R$ 200,00, quanto mais dizer que seu poder de compra seja o dobro – constatado que nesses quatro anos, por mais que o governo tenha “domado a inflação”, como gostam de dizer os “especialistas” da área, não houve deflação.
Se não houve aumento significativo do salário mínimo, nem do salário médio, nem na porcentagem de empregados, de onde saíram essas “boas notícias”, de que o brasileiro está podendo desenvolver seu impetus consumistas há tanto tempo engasgado? Lula mente? Mentir, não mente, mas age de extrema má fé. O aumento do consumo, se não se dá por aumento da renda, só pode se dar por aumento do crédito. Consumidores felizes, bancos mais ainda! A facilidade para se obter crédito, aliada à ignorância de quase a totalidade da população frente ao funcionamento do sistema de crédito, compra a prazo e outras alegrias do consumista-imediatista; e a não melhora dos salários, cria uma bomba relógio que já começa a explodir, como reportou a Folha de São Paulo desta semana.
Se Lula fosse apenas candidato, e não presidente-candidato, talvez se emocionasse mais com o trabalhador que está tomando um empréstimo a juros exorbitantes para pagar os juros do empréstimo tomado a juros quase tão exorbitantes quanto, tomado, por sua vez, para pagar os juros quase tão exorbitantes quanto de um empréstimo tomado para comprar uma televisão nova – ou, quem sabe, para comer filé mignon pela primeira vez na vida. Mas Lula é presidente-candidato, esse trabalhador enforcado não lhe interessa. Lembrar que ele existe é coisa de “fracassomaníaco”, como diria seu antecessor.
Por falar em antecessor, o governo Lula parece seguir o mesmo script de FHC: um primeiro mandato maquiado, fazendo artificialmente a alegria de uma parte da população, e um segundo mandato apenas administrando a crise preparada no mandato anterior. Ainda não começou seu segundo mandato – que sequer está garantido, é bom lembrar que as eleições ainda não ocorreram – mas uma coisa curiosa que o mecanismo da reeleição resultou é que as bombas têm estourado na mão de quem a armou. Quem sabe se se fizesse política com uma visão para além do curto prazo não só a bomba não estouraria no próprio colo, como sequer seria armada. Mas Lula já mostrou que sofre de miopia brava.

Campinas, 26 de agosto de 2006

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Ah, as maravilhas da tecnologia...

A tecnocracia da Unicamp encheu a boca para falar das maravilhas do Cartão Universitário, conhecido inicialmente como CU, que depois eles tentaram chamar por Cartão Inteligente, um nome menos constrangedor (mas completamente inverídico). A grande inovação do CU era que se tratava de um cartão atrelado a um banco privado e a uma operadora de cartão de crédito, que tinham, inclusive, direito de estampar suas logomarcas maiores do que o símbolo da universidade. Dado a recepção nada amistosa dos alunos da Unesp – que implementou primeiro tal modelo de cartão –, com ocupação de bandejão por várias semanas e ondas de protesto, a Unicamp evitou problemas parecidos e mudou a aparência do tal CU, deixando somente seu símbolo – sabe-se lá a qual preço no contrato firmado sob sigilo com o banco e a operadora de cartão.
Outra grande vantagem que diziam que o CU traria era maior agilidade e modernidade nas operações corriqueiras dentro da universidade – como o empréstimo de livros. Uma grande mentira, visto que, salvo a entrada no bandejão, as facilidades acarretadas pelo cartão dependiam do código de barras que ele trazia estampado e que o cartão antigo também trazia (não estou aqui encarando como uma “facilidade” dificultar, atrapalhar, e alongar a entrada em bibliotecas e outros locais da universidade); mas aproveitaram a deixa para dizer que era tudo graças ao “Cartão Inteligente”.
Antigamente, o bibliotecário precisava digitar o seu código de estudante, o código do livro, pegava um carimbo e marcava na sua carteirinha a data de devolução do livro. Hoje, ele passa seu CU no leitor ótico, depois o código de barras do livro e carimba na fim do livro a data de devolução.
Eis minha grande surpresa hoje com essas maravilhas tecnológicas, quando fui renovar um livro pego na biblioteca central. Tratava-se do livro “Uma teoria da justiça”, do filósofo John Rawls, uma importante obra da filosofia política da segunda metade do século passado. A Unicamp possui apenas dois exemplares do livro e não fosse eu com minha mania de ser honesto, a partir de hoje teria apenas um.
Semana passada, havia pego o referido livro, mas no sistema estava registrado outro, um tal de “Speed-the-plow” (?!), de outra biblioteca. Sorte minha que o livro estava na prateleira e assim ficou evidente o equívoco. Resolvido o problema, renovei o livro do Rawls, ou melhor, agora sim retirei ele conforme manda o figurino. E não é que descubro que não estou com esse livro emprestado? Ao invés de registrar na minha conta, saiu na de um outro Daniel. Imagino se eu resolvesse ficar com o livro pra mim, pelo menos por ora, enquanto preciso dele, e que me pouparia de ter que ir toda semana renová-lo, ou mesmo ter que devolvê-lo, caso alguém resolvesse. O pobre infeliz do outro Daniel ganharia uma suspensão considerável (são quatro dias de suspensão por cada dia atraso) enquanto não restituísse a Unicamp do livro que perdera (na internet, o livro está na faixa do R$ 90,00).
Para surpresa ainda maior, fui verificar quantos livros emprestados eu tinha registrado no sistema, e dos cinco que tenho aqui em casa (descontando o supracitado), apenas três estão constam no sistema. Ou seja, poderia, em uma semana, ter ganho três livros (dois deles importados)! Não é de surpreender que são muitas as histórias de livros que desapareceram desde que o sistema foi mudado. Mas o importante é que a Unicamp parece moderna, chique, cosmopolita, vanguarda, tecnológica, in para todos aqueles que vêm de fora visitá-la. Para a tecnocracia, diante de todas as vantagens que a evolução e a tecnologia trazem, todos os custos são insignificantes.
Por isso que eu sempre digo: “cartão inteligente: burro é quem usa”.

Campinas, 14 de agosto de 2006

PS: Mandei minha reclamação pra ouvidoria da Unicamp, ligada ao sistema de ouvidorias do estado. Vamos ver o que dá, se é que vão responder; ou se eu fiz outra vez papel de palhaço-cidadão.

sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Ritmo

Ritmo. Uma das muitas coisas que caracteriza nossa atual sociedade é o ritmo. Parece ser um imperativo que tudo tenha um ritmo, uma cadência: a sociedade, a cidade, a fábrica, as pessoas. Geralmente o ritmo destas é ditado pelo ritmo das demais. E poderia ser diferente? É o que geralmente me pergunto, sempre em busca de uma resposta afirmativa.
Costuma-se dizer que em nossa sociedade há uma grande liberdade para as pessoas buscarem seu rumo, trilharem seu caminho, tornarem-se, em certa medida, senhores de seus narizes. Mas tente caminhar a passos de tartaruga, hesite entre escolher ir pela direita ou ir pela esquerda, pare, no meio da tarde, para ver uma gata carregando seus filhotes, e veja o que acontece. Se você tiver a oportunidade de ter tais liberdades, muito provavelmente não lhe ocorrerá nada, além de um grande peso na consciência.
Nosso mundo é hoje marcado pelo progresso, pelos carros que vão de zero a cem quilômetros por hora em seis segundos, pela vias expressas de mão única, separadas por canteiros e quase sem retornos; pelas oportunidades únicas de alguém que te ligou no celular na hora em que você entrava no cinema; pelas descobertas da ciência que se acumulam a cada dia, pelas decisões ousadas, pelas pessoas de convicções firmes.
Parar para contemplar a paisagem é desperdício, perda de tempo, e time is money! Hesitar sobre que decisão tomar é prova de fraqueza, e a garantia indubitável do fracasso, pois o mundo é dos fortes, dos audazes! Achar que errou e querer voltar atrás é suicídio na certa, é querer dar marcha ré em via expressa. Ir a um ritmo mais lento? Cada um faz o que quer, mas a vida vai passar por você, você vai sendo ultrapassado, se torna um retardatário, e quando você chegar as portas já estarão todas fechadas.
A vida tem um ritmo, ou você segue, ou você sobra. Àqueles que têm oportunidade de ir mais lento do que a “vida”, mais do que oportunidade, precisam de coragem e persistência. Mas um dia você pára. Se a “vida” tem um ritmo e a sua tem outro, o que fazer? Conviver, e não se adaptar. E você começa a notar as pessoas te “ultrapassando”, e não se incomoda, pois não está disputando uma corrida. E começa a se preocupar que está postergando seu futuro, e percebe aí a oportunidade de antecipar o presente. E começa a se questionar sobre quando a morte chegar, e não vê interesse na questão, pois a morte virá, independente do ritmo que se siga, e então, sim, as portas estarão todas fechadas.
Então um dia você se pergunta: por que eu preciso de um ritmo?

Campinas, 04 de agosto de 2006

quinta-feira, 13 de julho de 2006

Entre quadrilhas

Cada vez mais os políticos brasileiros se encaminham para a seguinte aporia: ou são burros a ponto de perderem no teste de QI para um camundongo (o fato de precisarem de assessores para abrir maçanetas talvez reforce esta tese), ou são realmente mafiosos, corruptos, ladrões, bandidos, assassinos; diferenciando de Marcolas e PCCs pelo fato de usarem terno e não terem sido pegos, ou se pegos, terem tido os meios necessários para contratar bons advogados, comprar juízes, garantindo, assim, sua liberdade e seu currículo ilibado.

A suspeita do presidente da PFL (digo “da” e não “do” porque o PFL há muito se caracteriza primeiramente por ser uma quadrilha e não um partido), Jorge Bornhausen, de que o PT estaria por trás dos ataques do PCC, seria rechaçado como um absurdo, não tivesse o principal nome do partido, o presidente Lula, ter admitido publicamente que o PT é igual a todas as outras quadrilhas; e sua fala não tivesse sido corroborada pela prática da quadrilha nos casos envolvendo a morte de seus integrantes, quando ainda se dizia que o PT era um partido.

Se o PT é igual ao PFL, e o presidente deste, que abrigou e abriga assassinos de diversas qualidades, como Hildebrando Pascoal (o da motossera), levanta a suspeita de que aquele faz o que ele faz, por que razão devemos duvidar de antemão de tal suspeita?

Em tempo: posso estar sendo ingênuo, mas acho que os ataques do PCC estão um pouco além do que “partidos” como PSDB e PT imaginavam pôr em prática como linha auxiliar da política.

Pode ser que a suspeita de Bornhausen seja mera bravata. Contudo, a descrença da população nos políticos, nos partidos e no próprio processo, não permite que alguém de dentro do sistema, que sabe de muita coisa que não pode ir além dos “iniciados”, seja leviano desse tanto, sob o risco de implodir tudo. Apesar de que, tendo em vista a biografia de Bornhausen, não é disparatado imaginar que ele tenha interesse nessa implosão. Não porque ele queira inaugurar algo novo (o único “aperfeiçoamento” que ele parece ser favorável é o da eugenia, levando em conta as declarações anteriores do elemento), mas porque ele quer perpetuar o velho, a republiqueta de bananas onde a cosa nostra pode impor sua lei sob a proteção da polícia e do exército.


Campinas, 13 de julho de 2006

sábado, 8 de julho de 2006

Andando no fio da navalha e pondo a carreira de crítico de arte em perigo

Se tem um dos dinossauros do róque brasileiro que ainda me surpreende é o Frejat. Sim, sei que minha carreira de crítico de arte periga perigosamente ao admitir isto, uma vez que crítico de arte não pode ter humildade, e o que faço agora não é apenas me humilhar, digo, ter humildade, mas admitir que mesmo já tendo mais de uma década de experiência, continuo sendo um ingênuo imbecil.
Dúvida tostines: sou imbecil, daí decorre minha ingenuidade; ou sou ingênuo e daí vem minha imbecilidade?
Pois bem. A grande dúvida que pode cair sobre a cabeça de alguém que pensa e tem saco para ler as merdas que escrevo (será que pensa mesmo?) só pode ser: como é possível alguém se surpreender com um poeta de versos tão profundos quanto “eu viveria em greve de fome”, “quando você ficar triste que seja por um dia e não o ano inteiro” ou “procuro um amor que seja bom para mim”??? Mas minha surpresa não ficou por conta das letras (por sinal, ainda é um segredo a ser desvendado como Frejat consegue condensar tanto chavão e besteira em uma música só, como em “segredos”), mas da música. Ou seja, ao dizer isto afirmo que sou mais imbecil do que posso ter parecido de início. Trata-se da versão de “tente outra vez”, do Raul Seixas.
Deixemos de lado a discussão se a letra e a música original são boas ou não, pois isso não é importante (eis aqui um sinal de que minha veia de crítico de arte segue viva!). Boas ou não, não é das músicas que fazem as pessoas correrem para o banheiro com ânsia de vômito. A alguns pode irritar, cansar, dar raiva. Mas a versão do Frejat, mais do que irritar, cansar, dar raiva, dar ânsia de vômito (às vezes chegando às vias de fato), é um convite ao suicídio, um perigo de saúde pública! Não sei como são as capas dos discos do sujeito, mas espero que as autoridades exijam que elas tenham avisos sobre os efeitos nocivos que escutar aquelas músicas podem trazer à saúde psíquica e ao desenvolvimento cognitivo das pessoas.
Em tempo: fico imaginando que letal arma de guerra não pode sair se um dia se encontrarem Frejat e a tal de Isa K.! E com este alerta, ao qual a ONU deve prestar muita atenção, encerro mais uma crítica de arte. Fim.

Campinas, 08 de julho de 2006

segunda-feira, 3 de julho de 2006

Um sentido para o absurdo

Assisti hoje à peça “Era... uma vez?”, montagem da companhia de teatro Terraço Teatro, com a direção de Alexandre Caetano. A peça é uma adaptação do ensaio do pensador argelino Albert Camus sobre o mito de Sísifo ao problema do transtorno obsessivo compulsivo (TOC). Uma tentativa de uma releitura médico-conteporânea do mito grego.
O mito de Sísifo é o mito do inferno, do trabalho inútil, uma vez que o herói grego fora condenado a carregar uma pedra ao alto de um cume, de onde ela invariavelmente cai e o trabalho recomeça, sem perspectiva de final ou de mudança.
Uma peça feita em cima de um ensaio filosófico, não é de se surpreender que não seguisse muito os padrões consagrados à dramaturgia. Não se trata de nenhuma montagem revolucionária, mas é muito bem feita, não apela para clichês (mesmo sendo o pessoal saído do Instituto de Artes da Unicamp), e permite trabalhar a questão do trabalho inútil, do transtorno obsessivo compulsivo de maneira metalingüística.
Falei acima que se tratava de uma adaptação do mito de Sísifo – seu trabalho inútil, repetido todos os dias –, ao problema do TOC – seus rituais necessários para dar segurança à pessoa frente a vida, e que acabam por empurrar as pessoas ao isolamento. Melhor do que falar em adaptação é falar em sobreposição, comparação, uma vez que é claro quando é Camus e quando são relatos de TOC. Não se consegue, no transitar entre esses dois pólos, encontrar o equilíbrio para trabalhar Sísifo e TOC de maneira una. Não se trata de um problema. Essa falta de unidade permite um discurso incompleto (que eu tanto elogio) da peça, e é justo essa falta de algo que instiga o público a prosseguir com o questionamento, a investigar por si mesmo o que ainda há por dizer – assim o fiz, assim escutei outras pessoas fazendo.
Contudo, desse questionamento que percebi o que me parece o ponto fraco da montagem (junto com o risquinho no queixo dos atores, que me irritou): o mito de Sísifo trata do trabalho inútil – carregar uma pedra morro acima, que depois rolará morro abaixo, para ser carregada morro acima novamente, sem fim de perspectiva –; a leitura de Camus mostra como somos todos Sísifos em potencial em um mundo cujo trabalho é alienante e embrutecedor, em um mundo em que as pessoas não possuem mais uma finalidade transcedental que justifique a permanência aqui – em potencial porque a tragédia começa somente quando a pessoa se dá conta do absurdo da vida, e nem todas se dão conta disso. A interpretação do Terraço Teatro se centra no trabalho inútil – mas necessário subjetivamente – dos rituais neuróticos que dão certa estabilidade e segurança a essas pessoas. Passa ao largo de tentar respostas para o seu porquê. Sem dúvida, tentar dar indicações do porquê as pessoas acabam se aprisionando a rituais doentios, misturar observação com especulação, demandaria um estudo mais aprofundado dos temas, com grandes chances de resultar em uma polêmica, ou em fechar em uma explicação, que faria com que a peça perdesse justamente o discurso incompleto que faz com que ela dure mais do que o tempo em que os atores estão no palco. Mas é essa ausência que acaba fazendo com que peça transite entre os dois pólos sem encontrar o equilíbrio. O problema é que a montagem pode acabar passando a idéia do TOC como algo transhistórico, biológico, curável somente através de medicamentos. Faltou minimamente situá-lo no tempo.
No texto de apresentação da peça o diretor pergunta: “como tornar poético um comportamento patológico significativo sem trazer ao palco uma experiência apenas didática?”. Na ausência de se questionar o patológico (o que é, por que é, quem define?), a peça acaba transitando também entre esses pólos: o poético e o didático. Isso não tira os méritos da peça, apenas convida para uma continuação do debate (e da peça).

Campinas, 03 de julho de 2006

segunda-feira, 12 de junho de 2006

Jeitinho brasileiro

Sei que vai ter antropólogo que vai me criticar por falar em “jeito brasileiro”, por isso começo me defendendo: não acho que isso seja inato ao brasileiro, nem que todos assim ajam, mas trata-se de um agir bastante comum por estes trópicos, como atesta a própria história.
Poderíamos começar com o encilhamento, o empréstimo de dinheiro sem lastro feito pelo governo, no início da república. A idéia era facilitar o empréstimo de dinheiro para que ele fosse aplicado na produção e gerasse o lastro necessário para evitar a quebradeira do país. Mas ao invés de aplicar na produção boa parte das pessoas que tomaram esse dinheiro preferiram especular na bolsa. O resultado foi o contado pela história.
Não lembro bem o episódio, mas no início do século XX, se não me engano, diante do grande número de ratos na capital federal instituiu-se um programa que, para ter ajuda da população no combate do bicho, pagava por bichano capturado e entregue aos postos de recolhimento. Acabou não dando muito certo: descobriu-se que muitos estavam criando ratos em casa para depois vendê-los ao governo.
Era assim, não mudou muito. Enquanto na USP a troca de copos descartáveis por canecas de plástico foi feita pela reitoria, na Unicamp a reitoria nunca se preocupou com a questão. Há tempos grupos de alunos tentam instituir a caneca no bandejão, por conta de conscientização. Este ano, com ajuda de uma empresa farmacêutica, distribuiu-se canecas a alguns alunos. Na onda desse politicamente correto, uma marca de chocolate resolveu promover seu produto na saída do restaurante universitário, ao mesmo tempo que estimula(ria) o uso das canecas: o doce era distribuído somente àqueles que tinham caneca. Fizeram isso pela primeira vez semana passada: muitos lamentaram terem ficado sem doce. Repetiram a propaganda hoje novamente. Resultado: tiveram que distribuir muito mais produtos do que na vez anterior. Sinal de que os alunos resolveram comprar um caneca para não perder mais divulgações desse tipo? Na verdade, sinal de que os alunos descobriram como ganhar o doce sem precisar gastar dinheiro comprando uma caneca: primeiro saem aqueles que tem caneca, que depois a entregam pelo vidro aos que não tem.
É certo que um doce não vai conscientizar alguém da importância de diminuir o lixo, substituindo copos descartáveis por copos permanentes; mas poderia fazer surgir, quem sabe, uma fagulha de dúvida: por que deixar de usar copos descartáveis? Acontece que o imediatismo de certas pessoas (e não se trata de privilégio nosso) é de uma miopia incrível. Prefere fazer malabarismo toda vez que tem recompensa para quem usa caneca a gastar um real e garantir sua recompensa. Este ano tem eleição, será que dessa vez conseguiremos renovar o congresso? Se se pautar pelo jeitinho dos estudantes de uma das principais universidades do país, podemos continuar esperando o de sempre.

Campinas, 12 de junho de 2006

domingo, 11 de junho de 2006

Burrice e cinismo

Ao que parece, Veja tem feito escola no “jornalismo” brasileiro. Leviandade, mentira, estultíce e desrespeito à inteligência de qualquer primata que não se negue a pensar, parecem ser o novo norte da imprensa brasileira.
A Folha de São Paulo mostrou esta semana que, apesar de ainda não estar à altura de Veja, em breve pode vir a competir com ela. Há tempos que o jornal tem mandados às favas um pretenso republicanismo, uma busca de imparcialidade e eqüidade. Dois editorias sobre a invasão do MLST ao Congresso mostraram que a perda da qualidade do jornal não se dá por acaso.
É certo que a invasão do MLST foi de uma burrice e grosseria injustificáveis. Que o congresso esteja desmoralizado não justifica quebrar tudo e agredir pessoas a troco de nada. Conseguiram chamar atenção para o movimento, ao mesmo tempo que conseguiram se comprometer frente a opinião pública e diminuir a legitimidade de ações realmente contestadoras frente à população. Sem mencionar o fato de radicalizarem desse tanto justo quando o governo não possui uma política de criminalização dos movimentos sociais. Mereceram críticas não só da grande imprensa, como da Agência Carta Maior, declarada apoiadora dos sem-terra.
Uma coisa é condenar o ato e pedir a prisão dos seus líderes. Outra, muito diferente, é comparar movimentos sociais ao crime organizado e seus líderes a líderes radicais islâmicos. Ou é muita burrice ou é muita filhadaputisse. O que parece estar por trás desses editoriais é, além da tentativa de prejudicar a reeleição do atual presidente (afinal, por mais que façam a mesma coisa, um gerente é bem mais apresentável em Davos do que um torneiro mecânico), um movimento conservador, no estilo falcões dos EUA.
Depois de comparar movimentos sociais ao crime organizado – ainda mais quando a população ainda está escaldada pelos recentes ataques do PCC – não é preciso dar nenhum passo para pedir a sua criminalização. No caso brasileiro, em que o próprio comandante da polícia nega o estado de direito a uma parcela da população (ao declarar que a polícia atira para matar), não é difícil imaginar aonde se pode chegar na defesa do combate a esse “crime hediondo”, nas palavras do próprio congresso. É o “Rota no Campo” (vale lembrar que o belo bordão malufista “Rota na Rua” é hoje disputado a unhas e tapas por PT e PSDB), “bandido bom é bandido morto”, “direitos humanos para humanos direitos” e tantos outros chavões construtivos entoados na imprensa e nas porções teoricamente esclarecidas da população (que não são “massa de manobra”, é sempre bom lembrar: massa de manobra é só pobre). Ou, quem sabe, alguém não venha com a brilhante e inovadora idéia de um “plano colômbia” para o Brasil!
Já denominar o líder do MST, João Pedro Stedille, de aiatolá, em absolutamente nada contribui para o debate sobre reforma agrária e/ou a ação do MLST, pelo contrário, leva a discussão para um “obscurantismo” que o jornal diz existir nesses movimentos sociais. Se se fosse manter a “discussão” nesses termos, poderia-se dizer que o que os sem-terras são como aqueles que combatem os EUA, com seus mísseis inteligentes que destroem fábricas de remédio, com seus Abu-Ghraib, seus desrespeitos às decisões de órgãos multilaterais. Poderíamos manter o debate nesse nível e comparar, por exemplo, com filmes. Os sem-terra poderiam dizer que estão lutando contra a Matrix que quer escravizá-los e os meios de comunicação responder que são o Gladiador lutando pela pax romana. Enfim, pode-se continuar nesse debate avançadíssimo por horas e horas a fio sem que isso acrescente uma vírgula ao que interessa, que é a análise das causas e conseqüências do atual quadro social nacional. Já a crítica a Stedille por não ter feito uma condenação mais dura à ação do MLST ajuda a criar um cenário um pouco mais confuso para o leitor mais desatento: MST e MLST não são o mesmo movimento, ou então não teriam denominações diferentes.
Em suma: conheço jornaleco de bairro sério o bastante para não escrever o que Folha, Veja e demais respeitáveis veículos de comunicação tem escrito.

Campinas, 11 de junho de 2006

sábado, 20 de maio de 2006

Papeis trocados?

Com a decadência do sincretismo religioso, em função da ascensão das religiões neopentecostais, um novo sincretismo tem despontado no Brasil: o sincretismo político. No início, a impressão que se tinha era de uma cooptação dos partidos de esquerda pelo establishment, que adotavam políticas até então criticadas como sendo de direita. Na imprensa, tal fenômeno era tratado como sinal “amadurecimento” dos partidos e das instituições.
Começou com a união de um partido de centro-esquerda dito social-democrata com um de direita, neoliberal. Seguiu com a união de trabalhadores e liberais. Prosseguiu com comunistas e malufistas se tratando como companheiros cheio de afinidades. E eis que temos um direitista neoliberal com o discurso de centro-esquerda, já beirando o de esquerda!
Falo da entrevista dada pelo atual governador de São Paulo, Cláudio Lembo, do PFL, que, em meio à crise desencadeada pelas ações do crime organizado contra a polícia, resolveu dizer que as causas são as causas do problema da criminalidade, ou seja, a distribuição de renda do país. Criticou a “elite branca”, as “dondocas”, que adora jantares de caridade e suas manifestações feitas sob a guarda de guarda-costas, mas se recusa a abrir a bolsa; ao mesmo tempo que destilando sarcasmo ao atacar seus aliados. Uma das mais divertidas entrevistas da política nacional dos últimos anos!
Eu iria dizer que é uma pena que Lembo tenha descoberto que as causas são as causadoras das conseqüências, visto que ele já está faz tempo na política e, além do mais, já não pode mais trocar de partido para disputar as eleições de outubro em um que condiga mais com seu discurso. Mas no Brasil de hoje... se FHC fazia questão de esquecer o que escrevera (assim como agora sofre de séria amnésia de quando governava), se Lula admite que todo seus discurso de mais de 20 anos era bravata, por que não pode o Lembo descobrir que foi a vida toda enganado pela elite branca? E que partido teria um discurso mais condizente com o seu atual? Hoje em dia qualquer discurso serve para qualquer partido. Se o PT ataca os trabalhadores, por que o PFL não pode atacar as elites?

Campinas, 20 de maio de 2006

segunda-feira, 15 de maio de 2006

A surpresa?

Nem os personagens de Lewis Caroll foram pegos de surpresa com a ofensiva do dito crime organizado em São Paulo. A surpresa acontece quando se pensa no vulto das ações, mas não na sua natureza: já faz tempo que o crime ataca e intimida a polícia; não é a primeira rebelião organizada do estado, e o sistema prisional brasileiro e paulista há muito são um inquestionável retumbante fracasso (desde quando eu não escuto que as prisões são a universidade do crime?).
Duas características me chamam a atenção dessas ações: o grau de organização, coordenação e inteligência do crime organizado e a declaração de guerra ao Estado brasileiro subjacente aos ataques.
O primeiro ponto é evidente: segundo a polícia a rebelião estava planejada para o domingo, foi descoberta antes, mas isso apenas abreviou a ação, não chegou perto de evitá-la ou mesmo minimizá-la. Além de rebeliões e ataques a delegacias, ataques a policiais a paisana.
O segundo é que os mortos não são “civis”, os ataques não foram feitos a esmo, não visavam a população civil. Ao contrário do incêndio a ônibus no Rio de Janeiro acontecido há um certo tempo, desta vez as pessoas são “obrigadas” a deixar os veículos antes de estes serem incendiados (no dizer dos âncoras de telejornais, como se alguém prefisse ficar e morrer carborizado).
Ao mesmo tempo que declara guerra à polícia e ao Estado brasileiro, o crime pressiona os podero$o$ do país a forçarem uma saída o quanto antes, ao atacar ônibus – que carregam aqueles que fazem as máquinas operarem – e bancos. E o Estado reage da mesma forma, seja por meio de porta-vozes oficiais, seja por meio da imprensa: como em uma guerra, a lei que vale para os cidadãos não vale para os criminosos: “bandido que enfrentar a polícia morre”, desobrigando o Estado de seu dever de preservar a vida dos seus cidadãos (mas quem são os cidadãos dos Estado brasileiro?).
Novamente friso: não houve baixas “civis” nos ataques do crime.
A classe-média, entretanto, está apavorada, estimulada por apresentadores de telejornais que se situam entre o ultra-sensasionalimo e o hiper-sensasionalismo. Quem tem motivos para pânico e pavor é a população das periferias. Enquanto os “bandidos” (odeio este termo) parecem estar dispostos a poupar baixas civis, algo fácil de conseguir, uma vez que policial é uma profissão regulamentada, não há qualquer garantia de que a “reação” (nas palavras do comandante-geral da polícia militar paulista, em uma declaração que deixa clara quem é que está dando as cartas na batalha) da polícia conseguirá distingüir os “bandidos”, dos “cidadãos de bem” (também abomino este termo), ou mesmo aquelas pessoas ligadas ao crime organizado daquelas que são ladrões de galinha. Rota e Choque na rua: quem é que pode estar seguro assim?
E, é claro, já começam as mil idéias maravilhosas para acabar com a violência, para que o Brasil “viva em paz” (como se violência se resumisse ao apertar do gatilho). É claro que é necessário aumentar os gastos em policiamento e criar um novo sistema prisional (porque no caso atual não cabe mais reformá-lo). Mas e a morosidade da justiça? E o uso de penas alternativas? E as propostas de endurecimento de penas no estilo italiano, bem diferentes das sempre lembradas, aclamadas e completamente inúteis pena de morte e prisão perpétua (inclusive bandeira de campanha do senador-xerife do Estado acuado)?
Mas o pior é que não se levanta qualquer questionamento às causas do crime organizado existir, ou, pelo menos, conseguir recrutar considerável efetivo com grande facilidade. Conseqüentemente, nenhuma proposta que pense em acabar com o crime, apenas combatê-lo. Será que três décadas perdidas não explicam algo? Salário mínimo: R$ 350,00, tênis Nike Shox: R$ 600,00 não tem influência? Aumentar dinheiro para a segurança, mas tirar de onde, do superávit primário ou da educação? Desemprego, precarização do emprego e salário baixo não explicam nada? Hoje se um funcionário entrar em uma tercerizada para trabalhar, ganhará um salário mínimo e não terá perspectiva de fazer carreira na empresa, pelo contrário, quanto mais tempo, maiores as chances de ser demitido. Já no crime organizado, um soldadeco do tráfico pode vir a ser chefe, por que não?
Está assustado com essa onda de violência? Relaxe, a guerra vai começar mesmo quando o Estado partir para o revide. A não ser, é claro, que se decida discutir o crime e a violência além dos conceitos de “bandidos” e “cidadãos de bem”. E 2006 tem eleições, se é que isso vale alguma coisa...

ps: uma bela imagem vista no Jornal Nacional, um juiz dizendo que “tempos duros exigem leis duras” com uma foto do Stálin ao fundo.

Florianópolis, 15 de maio de 2006.

domingo, 23 de abril de 2006

Para salvar a democracia?

De vez em quando me baixa o vírus da teoria conspiratória. Parece que ele me pegou novamente por estes dias. Não que eu ache que haja qualquer golpe vindo por aí, mas que o terreno está sendo preparado, isso parece. As justificativas para uma intervenção para salvar a democracia no Brasil já começam a surgir aqui e acolá. Primeiro é preciso aceitar a tese de que eleição somente não é sinônimo de democracia (o que eu concordo), é preciso também que as eleições sejam livre e vencidas por aqueles que defendem os grande$ intere$$e$ nacionai$. Esse argumento já vem sendo utilizado (claro que ocultando-se a segunda premissa do silogismo) para desqualificar governos sul-americanos.
No Brasil, uma democracia consolidada, como tanto afirmaram quando na alternância do poder do PSDB para o PT, esse risco de o país deixar de ser a maior democracia do mundo não corre tanto risco, visto que a disputa se desenha entre o Tico e o Teco (ou seria melhor dizer entre os Irmão Metralha?). Mas a súbita ascensão do ex-governador do Rio, o nada limpo Anthony Garotinho, já mereceu editorial da Folha, dia 18 de abril. Sob o argumento de que o candidato não é versado em economia nem apresentou ainda suas propostas de maneira sistemática, o editorial critica o discurso de mudança nos rumos ortodoxos da economia.
Esse editorial não quer dizer muita coisa. Pode se tratar apenas de um grupo empresarial fazendo pressão para que permaneça um modelo macroeconômico que tende a favorecê-lo. O que me assustou foi que alguns dias antes eu havia trocado e-mail com um dos principais colunistas do jornal. Ele volta e meia se queixa de que o eleitor brasileiro tem memória curta, tem preguiça de acompanhar a ação do seu candidato, e se tivesse vontade encontraria uma lista de uma dúzia de congressistas merecedores de voto. Perguntei se o problema não iria além da desinformação do eleitor, se não havia um problema do sistema eleitoral e político, uma vez que a representação no legislativo representa, no máximo, alguns absurdos do Brasil, como o relatório da CPI da Terra. Além disso, levantei o problema de que mesmo que essa uma dúzia de candidatos recebesse a maioria absoluta dos votos, ainda assim entrariam muitos da tradicional laia que habita o congresso, dado que não há uma “nota de corte”, um número mínimo de votos para se eleger (vide Enéas e seu Prona em 2002). A resposta dele foi reafirmar que o problema estava na falta de informação do eleitor, ignorando a crítica do próprio ombudsman da Folha, que dizia do quão precária é a cobertura jornalística do congresso e do senado fora dos casos excepcionais. Ou seja, ao negar a crítica ao sistema e, ao mesmo tempo, deixar a culpa para o lado mais fraco (a culpa da falta de informação é antes dos eleitores que não se informam ou dos jornais que não dão a informação?), parece preparar uma justificativa para uma eventual intervenção em nome da democracia, não nos moldes de 64, mas nos moldes da Venezuela, em que a imprensa tupiniquim comemorou descaradamente a queda do “presidente fanfarrão” e a possibilidade de um empresário na presidência. Atenção! Não digo que o tal colunista seja golpista, vá defender um golpe, ou qualquer coisa do gênero; mas ocorre que a democracia liberal é um terreno demais arenoso: a tentativa de defendê-la pode servir perfeitamente para justificar um golpe contra ela.

Campinas, 23 de abril de 2006

segunda-feira, 3 de abril de 2006

Farinha do mesmo saco

Escrevo isto com um dos piores sentimentos possíveis: não é raiva, não é indignação, não é surpresa, não é frustração. Talvez o mais próximo que se possa descrever seja conformismo, quem sabe pena.
Antes mesmo de renunciar à prefeitura José Serra já se desqualificava como político respeitável, junto com seu partido (que teve deprimentes demonstrações do seu conceito de “democracia” na escolha do seu candidato à presidência), e toda a classe que representa, ou seja, a dos políticos. A renúncia serviu somente para não deixar qualquer dúvida. Não que Serra fosse um paradigma de bom político. Afinal, fazer aliança com um partido do naipe do PFL, tendo como vice um ex-secretário do Pitta, com crescimento patrimonial suspeito, já não lhe dava direito a figurar no panteão dos grandes homens públicos; mas não cumprir a promessa mais elementar de campanha – promessa não só falada como assinada! – que é a de ficar até o final do mandato, o põe naquele grande grupo dos “farinhas do mesmo saco”, denominação infeliz e preguiçosa – afinal há farinhas péssimas, como Serra, Alckmin e Marta para só ficar nos mais falados hoje em dia, e há as farinhas ainda piores, como Pitta, Maluf e Collor – mas com certo fundo de verdade, se se encara essa farinha como desrespeito pelo povo (Lula, não preciso dizer, entra no mesmo saco, agora não sei em qual dos dois subgrupos especificamente).
O que me resta é torcer (até porque não voto em São Paulo) que o eleitorado do estado tenha a lucidez que tiveram os gaúchos em 2002 e 2004, quando Tarso Genro renunciou à prefeitura para disputar o governo do estado – ele também prometera ficar até o fim do mandato – e o PT perdeu tanto o estado quanto a cidade. Pior (para o PT): o atual governador pode não ser o sonho dos gaúchos, mas não é nenhum Antônio Britto ou Paulo Maluf, que deixa saudades do administrador anterior. O problema é em quem votar. O PT de Genoíno, Marta e Mercadante? O PMDB de Quércia e Temer? O PDT de Paulinho?
Mas sé é assim no principal estado da “federação”, na esfera federal as perspectivas não são muito melhores.
Primeiro tivemos o esgotamento dos anos fernandistas e sua mediocridade esclarecida. Mas em 2002 ao menos tínhamos quatro candidatos que disputavam a presidência e a nossa simpatia. Agora ainda estamos em plena ressaca petista e 2006 se desenha como a eleição da negação, do niilismo: voto em Lula porque odeio o Alckmin, voto no Alckmin porque odeio o Lula, voto nulo porque são todos farinhas do mesmo saco. Projetos de governo? Planos para o país? PSDB e PT já mostraram que a realpolitik é estreita demais para esses temas.

Campinas, 03 de abril de 2006

domingo, 26 de março de 2006

A dança

Ao ver a dancinha da deputada petista Ângela Guadagnin comemorando a absolvição do deputado João Magno, receptor de R$ 400 mil no esquema do mensalão, fiquei indignado. Porém, ao abrir o jornal no dia seguinte, a indignação foi ainda maior. Não sou nem um pouco adepto de teoria conspiratória anti-PT – apesar de reconhecer que a mídia era mais boazinha com FHC – mas a proporção dada à dança em si – chegado a cogitar a caçassão da deputada por quebra de decoro – é completamente desmedida. Além de darem essa proporção absurda os comentários, tanto de deputados quanto de jornalista, são de um preconceito e machismo injustificável.
A qualquer brasileiro sério a indignação pela dança da deputada não é pela dança, mas pelo motivo da dança. Ver deputados contentes, comemorando vitórias no plenário não é de forma nenhuma falta de decoro – é até um ótimo momento para ver o verdadeiro lado dos deputados. Ver deputados cantando o hino nacional quando aprovaram a privataria estatal tem muito mais razão para ser quebra de decoro – se não crime lesa-pátria. Não me lembro de ninguém pedindo a caçassão de uma penca de deputados que levantavam os braços e sorriam quando Severino Cavalcanti foi eleito. O problema da dança da sra. Guadagnin é que ela ilustra a degradação moral do partido que parecia ser o único arauto da moralidade pública: o partido que antes denunciava a corrupção hoje comemora a absolvição de corruptos. Mas quase tão indignante quanto é PFL e PSDB tentarem construir a imagem de partido ético, sob os escombros do petismo: seria como tentar colocar Pinochet como democrata ou Bush como pacifista.
Quanto aos comentários, o preconceito e ofensa diretamente à pessoa da deputada – devido ao seu porte físico –, mostram a falta de uma razão plausível para a dimensão dada ao fato: a “avultada parlamentar”, nas palavras do jornalista Marcos Augusto Gonçalves, como se o fato da deputada ser gorda ou magra, feia ou bonita, tivesse qualquer importância merecedora de comentário. O deputado do PSDB paulista, Alberto Goldman, foi bem mais descarado no seu machismo: “O melhor que ela faz é arrumar um emprego de dançarina do ventre”. Como disse a socióloga Maria Victoria Bernevides, o senador Arthur Virgílio, do PSDB, ter dito que ia dar uma surra no presidente se mostra muito mais grave do que uma demonstração de alegria.
Em suma, o Brasil mostra ser uma república bananeira sem perspectivas de mudança de rumo: um deputado corrupto é absolvido e as pessoas se indignam com a dança de uma outra deputada no plenário. Precisa falar mais?

Campinas, 26 de março de 2006

quarta-feira, 22 de março de 2006

Para que lado?

Faz tempo que penso em escrever algo sobre as últimas velharias do nosso país (que repetem de maneira vergonhosa a política do império), mas sempre me vem à mente uma tirinha da Mafalda. Nela a Suzanita chega para a Mafalda: “Oi, derrotista! Que há de ruim? Como andam a política, as guerras, as injustiças sociais e todas as calamidades que você vive se amargando? E o futuro como será: negro petróleo ou negro pólvora, hein? Até logo; vou sobreviver um pouco por aí antes que a humanidade se acabe de uma vez”, à qual responde: “Derrotista é você. Não acho que as coisas estejam tão mal a ponto de fazer piada com elas”.
Me pergunto: de que vale dar a gravidade merecida aos fatos? Por que buscar alguma seriedade no escárnio que se transformou, ou melhor, que se revelou, a vida nacional? Mas, quando tento pôr ao menos um ar mais leve (tenho a dona Emengarda pronta para analisar as eleições deste ano) me pergunto: cheguei a este ponto, derrotista? Chegamos a este ponto, em que só nos resta rir para não chorar?
E não falo de nenhum fato específico. É o governo Lula e seus arrombos revolucionários (“revolução” de 64, é bom deixar claro), tentando – no melhor estilo FHC – desviar o foco das denúncias do denunciado para o denunciador. É Lula na Inglaterra falando de Charles Miller ao invés de Jean Charles. É Alckmin e o PSDB com seu discurso incorporado ipsis literis da TFP. É a “alternativa Serra” e suas rampas anti-mendigo. É ver carta na Folha falando que votaria em Fleury para governador. É Ubiratan (para deputado 11.111) sendo absolvido. É a direita raivosa (direitos humanos para humanos direitos) crescendo. É a esquerda burra em disputas fratricidas por qualquer aparelho, em nome de uma sociedade futura que ela tem preguiça de pensar, quanto mais de agir. São os políticos um pouco (atenção ao advérbio “um pouco”!) mais lúcidos que se não desistem da política, tampouco conseguem grande projeção nacional (por interesse daqueles que detêm o poder de “projetar”). São economistas discutindo números, marxista discutindo Marx, a classe média discutindo Big Brother e futebol, e pessoas (dessas de carne e osso, que respiram, pensam, e que chegam até a ter sonhos e a acreditar em Deus) morrendo de fome.
Diante do nosso belo quadro social e político resta a pergunta: para que lado fica a saída?

Campinas, 22 de março de 2006

domingo, 19 de março de 2006

Irmão Gallager e os Coelhinhos da Duracel, ou Oasis

Mais tietagem do que chou. Eis o chou do Oasis. Um chou bom, mas não tão empolgado quanto as 14 mil pessoas que foram assisti-lo.
Se o ótimo último disco do Oasis pode ser comparado (em qualidade, não em sonoridade) aos seus primeiros, o chou deixa um pouco a desejar. Primeiro, faltou empolgação da “banda” (já explico as aspas), segundo, faltou um lado B, ao menos, para aqueles que são fãs e não tietes da banda: preferiram ficar só nos sucessos de aceitação fácil.
Explicando as aspas: depois de várias mudanças de formação, o que sobrou do Oasis original foram os irmão Gallager. E no palco, ao menos, eles são a banda: Irmãos Gallager e os Coelhinhos da Duracel. Os coelhinhos seriam os quatro outros músicos que estavam no palco, que tocavam bem, mas que mal tinham direito a ficar na parte iluminada do palco. Pareciam mais banda de apoio (na verdade, dois eram mesmo banda de apoio). Se “destacavam” desses quatro o baterista, por ser filho do ex-Beatles Ringo Starr (tão destacado que pouca gente sabe o nome do infeliz), e o tecladista, que se não era Jesus Cristo era o Humberto Gessinger.
Quanto à banda de verdade. Liam até se mostrou simpático. Mas mais do que isso, mostrou que seus hormônios continuam na pré-adolescência, apesar do marmanjo já ter mais de 30 anos e as rugas começarem a aparecer. Parece criança que aprendeu a se masturbar a um mês e não consegue parar de bolinar. Deve ter saído um pouco triste de São Paulo, pois nenhuma rapariga da platéia entendeu que ele pedia para que levantassem a blusa (como todo chou), mas ganhou como prêmio de consolação, graças à chuva, algo parecido com um concurso de “wet shirt”, como o próprio disse. Já seu irmão, parado no seu canto com a guitarra, roupa simples – calça jeans e camiseta – mostrava-se muito mais atitude e conseguia levar a galera sem necessidade de ser imbecil.
Falei da chuva. Essa começou a cair assim que começou o chou, e só parou na penúltima música antes do bis. No início foi bom para refrescar, o problema foi quando começou a cair o mundo e a subir o (agradável) cheiro do rio Pinheiros, mas nada que atrapalhasse o chou.
Em suma: foi um bom chou, mas se conseguiu ser o chou da vida de alguém, sinal que essa pessoa precisa assistir a mais chous.

Campinas, 19 de março de 2006.

quinta-feira, 9 de março de 2006

Manual prático do ódio (inacabado)

Terminei de ler o livro Manual prático do ódio do Ferréz. Morador da periferia de São Paulo, Ferréz geralmente é tido como um autor que retrata o quotidiano violento do local em que vive. Não se pode dizer que isso está errado, mas reduzi-lo a um mero retratista de periferia é empobrecer sua obra. Assim fosse e seus livros seriam um mero renascimento do movimento naturalista do final do século XIX, início do XX, em que com um olhar “objetivo” retratava-se homens como animais.
Em meio ao cenário de violência Ferréz capta o humano das pessoas que há muito perderam o direito de sê-lo. Os sonhos, tanto os que não deixaram de ser apenas sonhos quanto os que ainda podem a vir a ser realidade, se a realidade deixar. A solidão, a busca de um sentido para a vida, se um dia a sociedade lhe permitir viver. Pois o livro trata de humanos, mas que trazem junto a marca de marginalizados. O que muitos ali querem não é nada além de uma vida pequena burguesa, como as que assistem na televisão: uma casa e uma família. Ou então seus sonhos são sonhos de consumo: um tênis caro, uma moto cara para impressionar as garotas, curtir a vida sem preocupação, assim como os jovens das classes abastadas curtem-na. Mas se esquecem do grande abismo que há entre a favela e o Morumbi: dinheiro. E se a propaganda diz que a vida só pode ser curtida se se tiver carro, moto, tênis, roupa, por que seria diferente para quem não tem dinheiro?
O trabalho honesto é a vontade da maioria, mas distante: a vergonha do ex-operário da Metal Leve que agora sobrevive de bicos, o salário que obriga família a recolher os restos da feira, o drama do pai morrer e a família não ter dinheiro para o enterro – ela que geralmente não o tem sequer para a comida; os “bandidos” não vendo a hora de trocar de vida e comprar um sítio, e voltar para a Bahia, dar uma vida boa para os filhos: com brinquedos iguais ao vistos na tv.
O livro trata também da degradação moral da periferia. Essa degradação vem junto com a degradação do próprio local. Sem qualquer perspectiva alguns jovens preferem ter fama – qualquer fama – a qualquer preço. Matam indiscriminadamente, somente para se sentirem temidos e falados, mesmo dentro da comunidade. A degradação vem também da vida sempre miserável, ou cada vez mais miserável. E a degradação vem também do Estado: não é o crime que corrompe a polícia, é a polícia que corrompe o crime: é o delegado corrupto quem dá o suporte ao bandido que não respeita a lei da periferia.
Mas ser da periferia não é estar fadado a virar bandido – como brinca a patroa ao gracejar com o filho da empregada. Ser da periferia é correr o sério risco de ser morto a tiro, por estar no lugar errado, que são muitos. O livro começa com dois salmos: o salmo 18, versículo 37, e o salmo 58, versículo 10; mas poderia muito bem começar com o pai-nosso: e não nos deixei cair em tentação, mas livrai-nos do mal. As perspectivas dos moradores da periferia são sempre péssimas – seja na honestidade, seja na malandragem –, mas o caminho que cada um segue deve-se também da história de cada um da sua escolha: se foi capaz de resistir à tentação, se foi capaz de escapar do mal.

Campinas, 09 de março de 2006

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

Relato de viagem final

Pois é, a viagem ainda nem chegou ao fim e eu já fazendo balanço. Mania de quem não sai da sala do cinema antes de dizer se achou do filme bom ou ruim - mesmo que seja para mudar de opinião depois. Mas foi uma viagem que me fez fugir do meu agir habitual: viajamos meio de improviso, sem muitos planos - além de ver pingüim e chegar ao fim do mundo -, sem nada muito programado - o que me estressou e desgastou bastante (que saudades de viajar com o seu Bernardo!).
Foram novas paisagens, novas sensações, novas (e velhas) descobertas e muito caminho para refletir (ao todo teremos feito mais de dez mil quilômetros em pouco mais de vinte dias). Caminho repetitivo e monótono, mas mesmo assim interessante; algumas vezes muito bonito, como a volta para Madryn, em que uma lua cheia gigante, encoberta por nuvens, criava sombras no horizonte, e o ônibus cruzando aquelas retas infindáveis pelo meio da estrada (mania nacional), com luz baixa, iluminando somente o necessário.
O passeio ao Fitz Roy selou o fim da viagem: as pernas ainda sentem.
Na volta, uma noite em Madryn, outra em Buenos Aires. No caminho Madryn-Buenos Aires o mesmo rodomoço de quando fizemos o caminho inverso: Duílio (Duílio, Duílio) e sua execrável coleção de filmes, com direito a bingo com vinho de Mendoza como prêmio (não ganhamos).
Pensávamos em ficar até domingo para ver um jogo na Bombonera, mas a vontade de voltar para casa falou mais alto, e só ficamos a noite necessária na capital. Inclusive, faço duas correções sobre o que havia dito anteriormente: disse que onde há um possível espaço em branco há publicidade, mas Buenos Aires não está - a exemplo de São Paulo - coberta de outdoors, e ainda é possível ver os prédios, as paisagens, o céu; também disse que Buenos Aires não tem flautas peruanas, na sua versão clássica (flauta e tecladinho), mas tem.
Nossos dois últimos dias de viagem passamos caminhando e falando besteira. Dentre as proferidas, a grande idéia para voltar para Brasil (quiçá viajar pelo mundo) de avião, sem pagar: pagar trote na embaixada. Outra foi a piada: por que uma velhinha atravessa a rua em Buenos Aires? Para cometer suicídio.
Enfim, a viagem foi legal, as besteiras sem graça engraçadas, e agora estamos voltando para casa!
Saudações,
2.
Buenos Aires, 16 de fevereiro de 2006.

PS: segunda coisa que compramos ao chegar ao Brasil (a primeira foi a passagem para Pato): água mineral!
PS2: talvez a maior bizarrice da viagem: no ônibus Foz-Pato havia três mochileiros: eu, o Phah e um japonês! O cara queria ir pro Rio Grande do Sul, mas não queria fazer viagens muito longas, achou que 8h até Curitiba era muito e preferiu passar uma noite em Francisco Beltrão... Desconfio que não irá mais sair da rota consagradal depois dessa parada

terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

Relato de viagem 11

El Calafate foi de certo modo nosso último dia de viagem: o que nos resta agora é a volta, sem nenhuma nova novidade. El Calafate, assim como El Chaltén e toda essa área dos Andes que sobe até "Brasiloche", mais do que turística é um buraco negro pecuniário. Tudo muito caro, a começar pela locomoção: os 250km de Chaltén a Calafate saem AR$ 50, os 1500km de Buenos Aires a Puerto Madryn em serviço similar, AR$ 90. Uma pena, pois isso nos custou a volta pela Ruta 40, que prometia ser muito interessante e bonita.
Mas vamos a El Calafate. Em El Calafate, além de tudo ser caro, tudo é longe, ou seja, tudo é pago; não há caminhadas por conta, como em El Chaltén (salvo pelas ruas que vendem lembrancinhas caras). Diante disso - e do nosso esgotamente físico e pecuniário - ficamos com o básico do básico: o glaciar Perito Moreno.
O referido glaciar é como um rio de gelo, que se desce das montanhas (várias) e se desloca a dois metros por dia. Ele tem modestos 55m de altura e 14km de extensao (sem contar a parte que sobe as montanhas). É realmente impressionante (e não parece ter 14km). Continuamente o glaciar desprende blocos de gelos - alguns bem grandes - que fazem um grande estrondo ao cair na água (geralmente abafado pelos gritos dos turistas imbecis). Visto de cima o glaciar parece feito de chatili. De baixo, de espuma. E dependendo do ângulo que se vê, a luz do sol faz com que partes do glaciar (que é branco-leite) ganhe um tom azul-neon.
Muito bonito, impressionante, mas talvez por estarmos cansados, talvez por não termos a oportunidade de ficarmos em silêncio com a paisagem, talvez por não ter alguns milhões de anos para imaginarmos, o glaciar não chegou a fascinar. Mas valeu a pena.
Agora é a volta, buscar algo novo no que não é mais novidade.
Puerto Madryn, 14 de fevereiro de 2006

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

Relato de viagem 10

Isto merece um relato: como comprar a passagens Calafate-Madryn.
Antes de irmos a Chaltén já havíamos tentado comprá-la. O guichê informava os horários de atendimento: 10h as 15h, 17 as 22h e 1h as 4h. Fomos as 17h30min e depois de 45min me acotovelando em frente ao guichê (pois aqui fila não é algo corriqueiro), descobri que só poderia comprar a passagem para depois das 19h, sendo que nosso ônibus saía as 18h30min. Deixamos para a volta.
Na volta, eram 11h e o guichê ainda não havia abrido. Sorte nossa que passávamos em frente quando abriu, de modo que fomos os primeiros (havia duas pessoas pedindo informações na nossa frente, o que não levou cinco minutos). Pois bem, primeiro passo para comprar a passagem: dizer para onde queremos ir, para o atendente ligar para a agência em Rio Gallegos ver se há lugar. Segundo passo: escrever nosso nome e identidade em um papel, para o atendente enviá-los via sms (sim, via recados de celular!). Terceiro: o atendente escreve nossos dados em um formulário. Quarto passo: vamos ao guichê ao lado (de outra empresa) com o formulário, enfrentar outra "fila" para retirar a passagem até Rio Gallegos. Quinto: Passagem na mão, voltamos para o guichê inicial, enfrentamos outra vez a "fila", que agora está pior, para receber outro formulário, novamente preenchido a mão, para retirar a passagem quando chegarmos em Rio Gallegos. Tempo total: 1h10min!!!! (e olha que tivemos sorte de sermos os primeiros!). Haja incompetência!
Rio Gallegos, 13 de fevereiro de 2006

sábado, 11 de fevereiro de 2006

Relato de viagem 9

Chegamos a El Chaltén, pequena cidade aos pés dos Andes. Nossa intenção era daqui seguir pelos Andes, via Ruta 40, até Esquel, passando pelas pinturas rupestres das Cuevas de las Manos; mas havíamos planejado que nossa viagem iria até o fim de fevereiro ou até o fim do dinheiro. Acho que não estou sendo muito original em dizer que o dinheiro acabou antes do mês. Ao menos não temos muito do que reclamar: isso apenas "compromete" nossa viagem e não contas a pagar. Visitaremos, portanto, as duas últimas cidades, e retornaremos pela mesma estrada que nos trouxe.
Passamos a viagem toda penando para tirar a tônica da última sílaba, como em Madryn, e eis que chegamos a Chaltén e não "Chálten". O Phah ainda não conseguiu proferir corretamente o nome da cidade.
O caminho a El Chaltén, com os Andes alaranjados pelo sol poente, já foi algo hipnotizador: pensar que a vegetação semi-desértica que vemos há quase duas semanas é "responsabilidade" desse "ser vivo" de pedra. É curioso, pois para mim pedra sempre foi algo velho, que cai, que se desgasta, que diminui...
Pois bem, a El Chaltén. A cidade se intitula a capital nacional do trekking (talvez por não ter mais nada para fazer). Assim sendo, fomos fazer uma caminhada pela montanha. São duas as trilhas "pop". Optamos começar pela mais fácil. Chovia, ventava e fazia frio. Já tínhamos feito mais de dois terços da trilha quando a chuva engrossou. Pensamos em voltar e deixar para outro dia, mas como já estávamos molhados e quase no final, resolvemos continuar. Ao chegarmos ao ponto final, a laguna torre, ainda havia nuvens cobrindo os picos mais altos, mas o céu começava a limpar. Resolvemos preparar um mate e esperar o céu abrir, mas meia hora depois o mate tinha acabado e as nuvens se adensavam. Resolvemos voltar logo para não tomar chuva outra vez. Já quase na cidade olhamos para trás e... o céu limpo, sem uma nuvem. Para não perder aquela bela vista - mesmo que de longe - saímos da trilha consagrada e ficamos a observar o pôr-do-sol (antes tínhamos voltado para o albergue, esquentar mais água para o mate), tendo como barulho apenas o rio lá em baixo.
No outro dia pegamos a trilha mais difícil. Segundo o mapa da cidade, eram quatro horas de subida empinada. Depois de 3h caminhando em uma trilha mais difícil que a anterior, mas nada tão difícil, nos deparamos com uma placa que avisava que os últimos 500m deviam ser feitos por pessoas experientes, com calçados apropriados (o meu não tem quase nenhuma ranhura na sola). Ótima hora para se dar um aviso como esse, não iríamos voltar faltando 500m! Não imaginávamos que esses 500m não eram a distância, mas a altura. Levamos 40 minutos, muitas vezes engatinhando na vertical, para superá-los (impressionante como alguns septagenários, ou quase, encaravam o trajeto!). Mas valeu a pena: a vista do pico Fitz Roy (desta vez não havia nuvens) na nossa cara, separado somente pela laguna de los tres, assim como a da laguna sucia (que não sei porque tem esse nome), com suas cascatas de água de degelo, lááááá em baixo, são impressionantes. Contudo as paisagens de ambos os trajetos me pareceram mais bonitos do que a vista final. Voltamos quebrados e famintos (o que nos fez voltar numa velocidade considerável), e minha febre (ah, eu estava com febre desde que chegamos a El Chaltén) estava ainda pior.
A idéia era no terceiro dia fazer outra trilha ou refazer a primeira, mas preferimos dormir até as 15h e ver o pôr-do-sol novamente do "cantinho" do outro dia.
Nossa estadia em El Chaltén, graças, novamente, à cara de bom amigo do Phah, rendeu algumas conversas interessantes. E continuo não entendendo como alguém consegue ficar viajando por seis meses, um ano (como o belga maluco, que tinha nome francês mas era da parte holandesa da bélgica, morava na Finlândia e não tinha celular, entre outras esquisitisses, que trabalhava três anos, e viajava um, às custas do que economizara e do seguro desemprego), deixando nesse período emprego, mulher, filhos, amigos... Eu já não vejo a hora de voltar para casa, para o meu canto... O único até agora que me fez sentido porque faz isso foi o francês colega de quarto, que largou o emprego que odiava e saiu de mochila pelo mundo - por sinal, ele fugia do padrão extrovertido desses mochileiros de longos períodos.
E se em Deseado nossas refeições foram a base de sanduíche de miga, aqui nossa base alimentar foi glutamato monossódico - estamos transpirando sabor salgadinho!
E descobri que é hora de reler A Caverna, do Saramago. Achava o livro mais fraco dele (até O Homem Duplicado), mas acho que me faltava um pouco mais de vivencia para aproveitá-lo melhor.
Agora é hora de conhecer os glaciares...
2.
El Calafate, 11 de fevereiro de 2006
PS: Desconsiderem, ou dêem um desconto, aos erros de português dos dois últimos relatos. Não tive tempo de revisá-los mas mandei assim mesmo, pois não sei se teremos internet novamente antes de buenos aires.