sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Eleições limpas? O caminho é longo.

Esperava a decisão do STF sobre lei da ficha limpa para escrever esta crônica, porém escrevo sem decisão, mesmo. Não que ela alteraria o que pretendo escrever, apenas o início. Pois bem, das considerações iniciais pensadas, deixo aqui expresso que sou favorável à lei. Entretanto, é uma lei que tem uma eficiência muito pequena. E, pior, repete os vícios do nosso sistema político-partidário.

Nada mais lógico que barrar candidatos condenados pela justiça de serem representantes do povo. Parênteses: se fossem mesmo representantes do povo, por que se deveria ter normas sobre quem pode e quem não pode sê-lo? Fecha. Ela porém vem apenas como punição a quem já cometeu atos ilícitos: sua influência em desestimular outros políticos de seguirem por trilhas similares (e são muitas) decresce à medida que aumenta a sensação de impunidade. Uma lei para longo prazo, portanto.

De qualquer forma, repare que a lei e suas possíveis reverberações se dão em políticos, em candidatos, em pessoas. E com os partidos políticos, o que acontece? Afinal, não existe, no Brasil, candidatura independente. Ora, os partidos fingem que não têm nada a ver com seus quadros, e seguem aceitando e se vangloriando de nomes como Maluf, Collor, Roriz.

A lei da ficha limpa começaria a ter efetividade na cultura política nacional a partir do momento em que estendesse a punição também ao partido que deu abrigo ao infrator, seja na época em que ele cometeu algum crime como administrador público, seja quando concorreu às eleições. Punição que poderia passar por multas, perda do dinheiro do fundo partidário, do tempo no horário da tv, até ao banimento da legenda, a depender do número de foras-da-lei filiados. Isso obrigaria os partidos a serem minimamente criteriosos, se não na admissão dos seus filiados, ao menos na seleção dos seus candidatos e dos seus quadros – afinal, se se trata de partido, porque um bode expiatório resolveria a culpa de todos? Por outro lado, isso poderia dar um pouco mais de força aos políticos para cobrarem dos partidos certa coerência programática-ideológica. Sei que uma lei só não faz a redenção, mas dá uma ajudinha.

Por conta disso, comemoro a lei da ficha limpa, mas não a considero um avanço: apenas um começo – que o caminho para eleições limpas ainda é longo.

Campinas, 24 de setembro de 2010.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Dia da piada do dia sem carro

Ultimamente meu mau humor tem excedido limites aceitáveis, toda vez que vou fazer papel de idiota e pegar um ônibus urbano em Campinas. Meus pais bem queriam que eu tivesse carteira de motorista, carro e tal, eu que sou teimoso e insisto em vivenciar certas situações.

Estava no ponto esperando a (única) noiva – que pelo tanto que demora, os ônibus em Campinas podem ser chamados de noivas – que me cabia na rodoviária (que chega a ter intervalos de 52 minutos entre um ônibus e outro, conforme a página da Emdec), e pensei se não era melhor engolir aquele mau humor, fazer de conta que o lixo quotidiano é também normal. Seria mais cômodo. Mas como já tenho eventuais problemas de digestão, achei melhor manter meu mau humor e, mais, compartilhá-lo com os poucos infelizardos que me lêem.

Esta semana tivemos a jornada internacional na cidade sem meu carro. Não sei como é em outros países, desconheço em absoluto. No Brasil essa jornada é patética, situada algo entre a palhaçada e a idiotice. Em Campinas, o estímulo ao dia sem carro teve até um episódio grotesco, para completar a cena. Domingo a prefeitura, para promover o evento de quarta, organizou um show gratuito, às 11h da manhã, na lagoa do Taquaral. Como moro perto, tivesse carro, poderia sair às 10h30, contando dez minutos para achar vaga para estacionar. Como não tenho, saindo às 9h eu tinha chances de chegar justo na hora – se tivesse sorte nos horários das baldeações. São Paulo não ficou tão atrás no grotesco, com pessoas circulando em cavalos e bois pela avenida Paulista.

Mas, para não parecer que eu só ranzinzo negativamente, ranzinzarei aqui positivamente, com algumas sugestões para o ano que vem tornar a tal jornada algo sério e não um evento irrisório cuja única marca são os cartazes.

Primeiro pressuposto: sei que é coisa de economistas, mas nestas horas os políticos sempre se esquecem de consultá-los: vamos trabalhar com “expectativas racionais” dos cidadãos, e não “expectativas polianais”. Ninguém vai deixar o seu Civic na garagem por uma mera questão de civilidade. Se fosse assim, fariam o ano todo, e não só no dia 22 de setembro. Portanto, se a idéia é sensibilizar as pessoas, deve-se ou tomar uma atitude chocante, ou fazer algo que dure um pouco mais. Poderia multar todo mundo que saísse de carro no dia: infração gravíssima, sete pontos a mais na carteira e 500 reais a menos. Me parece uma opção burra, em todos os sentidos. Sou mais de forçar certa adesão demi-voluntária. Daí que ao invés de um dia deveria ser uma semana, para as pessoas poderem planejar um quotidiano sem carro – idas ao trabalho, compras, festas, shopping, etc.

Mas isso, claro, não basta. Há 52 semanas por ano em que as pessoas podem fazer isso e se não fazem, é pela razão óbvia que não há qualquer estímulo. Frases do tipo “começa com você” só servem de estímulo para vender ingressos, não para mudar qualquer atitude. O transporte público, por essa semana, que seja, precisa ser vantajoso para o usuário, e não para o dono das empresas.

Economicamente significa que ônibus tem que ser mais barato que carro. Tomemos um trajeto mediano, coisa que se faz em 45 minutos, uma hora à pé: quatro quilômetros. Ignoremos as pessoas que vão à padaria da esquina de carro (e não são poucas), não apelemos às grandes distâncias. Ida e volta são oito quilômetros, e vamos supor que o carro não seja lá muito econômico, e nisso consuma um litro de gasolina, R$ 2,50, portanto. Usar esse carro para essa distância só deveria ser mais barato do que ônibus se quatro pessoas estivessem no carro na ida e duas na volta. Para tanto, a passagem de ônibus deveria algo em torno de R$ 0,50. Em Campinas está em R$ 2,60. Em São Paulo, R$ 2,70. Impossível esses R$ 0,50? No dia a dia pode ser, mas convém lembrar que a tarifa integrada metrô-trem-ônibus-etc em Madrid sai 0,90 Euros. Mas há planos bem mais em conta para quem usa transporte público diariamente.

Porém, apenas dinheiro não é suficiente para que se deixe o carro em casa. É preciso haver racionalização dos trajetos. Racionalização pensando no usuário, e não no lucro do dono das empresas. Um trajeto que me é muito familiar, e que já reclamei acima: do terminal Barão até a rodoviária (não faço da minha casa para não ficar muito irreal). Diz-me o Google Mapas que a distância entre esses dois pontos é de 10km. Diz-me a página da empresa que organiza o trânsito em Campinas que a distância entre esses dois pontos é de 25km. Convenhamos não é muito convidativo passar 38 minutos num ônibus (sic. são 50) quando se pode ir em 18 minutos de carro (sic, em 15 se chega tranqüilamente). E não estou propondo aqui uma linha direta, sem paradas, e sim uma que passe por bairros bastante povoados. Também não adianta fazer em 20 minutos esse trajeto se se espera 52 minutos pelo ônibus – e olha que estamos falando do ônibus que serve a rodoviária e não terminal-bairro, em que fica um pouco mais feio. Novamente um tempo máximo de espera deveria ser estipulado: dez minutos para linhas principais, vinte para as secundárias.

Como seria apenas uma semana, não dá para trocar de ônibus, querer carros mais confortáveis, o máximo que se pode pedir é que os motoristas (alguns) sejam um pouco menos brutos ao volante: certamente se carregassem tomates seriam demitidos na segunda viagem. E como seria por uma semana, as empresas não faliriam em estimular o uso do transporte público, a melhora da qualidade do ar, o convívio entre as pessoas, etc.

Por fim, faixas das ruas exclusivas para bicicletas (quem sabe o governo federal não se animasse e abrisse uma linha de crédito para a compra de bicicleta elétrica?), e semáforos que dessem preferência à passagem dos pedestres e não ao fluxo dos veículos

Há apenas um porém em toda esta minha proposta: não falei que a campanha pelo dia sem carro deveria se pautar em expectativas racionais e não em expetativas polianiais dos cidadãos. Pois é de esperar o mesmo dos donos do poder, os donos das empresa e os político. Resumindo: em 2011 espere uma jornada internacional pela cidade sem meu carro tão idiota quanto a de 2010: shows para quem tem carro, passeios a cavalo, cartazes e camisetas espalhados por aí, propagandas, “Começa com você”, e tudo como está, porque onde se deve realmente começar, esses não têm o menor interesse, e a parte que cabe a nós, se nós formos realmente fazer, teremos que enfrentar a polícia.


Campinas, 22 de setembro de 2010.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A escolha entre o seis e o meia-dúzia

Está difícil acompanhar o ritmo da campanha presidencial deste ano. Tinha escrito uma crônica na segunda, mas por conta de excesso de afazeres não tivera tempo de passar pro computador. Resultado: o assunto já não é mais o da vez. Assusta, contudo, a forma como o “quarto poder” tem participado das eleições, em muito lembrando 1989. Não critico a imprensa por ser investigativa, critico por ser parcial, e por ser investigativa apenas em momentos que ela julga oportunos.

Escutei há pouco no rádio. Enquanto Dilma Rousseff chama uma das suas principais assessoras quando integrante do governo – a qual só chegou a ministra por influência bem calculada da petista –, de “uma ex-assessora”; do outro lado dessa disputa política de araque, José Serra critica o uso do Estado para fins particulares e de partido, e diz que em 27 anos de vida pública nunca teve problema do tipo – o que talvez até seja verdade, se se ignorar que fez parte do governo FHC e teve Alckmin como seu secretário. Para arrematar concluiu que basta pôr pessoas certas e ilibadas nos cargos que desvios de conduta não ocorrerão mais.

A frase está correta, não tem como discordar dela, mas é assustadora.

Desde quando se descobriu que as pessoas que fazem políticas não são anjos, havendo seguidamente desvios – por ma-fé ou por equívocos naturais ao ser humano –, e se instituiu um sistema democrático representativo, escolher pessoas probas é importantíssimo. Tão importante quanto, porém, é implementar e melhorar sistemas institucionais de fiscalização e controle da conduta dos chamados homens públicos. Ficar na dependência da boa vontade e bom aconselhamento do governante de turno não é um caminho seguro para um país menos corrupto.

Por fim. Muito se tem falado – absurdamente – que a safra de “escândalos” petista aponta para a ruptura do Estado Democrático de Direito, deixando o país a um passo do fascismo. Coincidentemente, uma das características dos estados fascistas do século XX era o personalismo excessivo dos seus líderes, que se auto-apregoavam todas as virtudes humanas – inclusive a de saber tudo sobre seus assessores, a ponto de prescindir de mecanismos legais e institucionais que viessem a cercear toda sua capacidade.

Campinas, 17 de setembro de 2010.

sábado, 4 de setembro de 2010

Pára, que pode ser que o cachorro te morda

Já é de longa data que não acredito na pureza da infância. Que as crianças sejam castas, tudo bem: dizem que faz bem ao desenvolvimento psicológico e emocional. Mas santas puras castas e ilibadas, como pretendem as mães sobre seus pimpolhos, aí é forçar a barra. Inclusive, duvido que as mães realmente acreditem nessa pavada. Não que eu ache que a criança se corrompa ao sair das entranhas da mãe, não. Até porque não sou simpático a teorias sobre a natureza humana – seja a bondade ou a maldade inata.

Já teve vez que quase cheguei a ficar com medo de crianças. Foi depois de ler O marinheiros que perdeu as graças do mar, do Yukio Mishima. Crianças nada puras, nada santas, e sem qualquer justificativa social, como em Os capitães da areia, do Jorge Amado. Apenas sadismo.

A lembrança de Mishima não é sem propósito. Voltava para casa no início da noite e me deparei com duas crianças com seus cinco, seis anos, brincando de bater ou atirar garrafas pets vazias em dois cachorros de pequeno porte, acuados contra o portão de casa. Tinha sérias intenções de parar e perguntar o porquê deles estarem fazendo aquilo, se achariam graça se fossem eles os acuados. Perguntaria de boa, mais para ver se se tocavam. Quando eu me dirigia a eles, porém, a mãe de um mandou que parassem com aquilo: “Pára, que pode ser que o cachorro te morda”.

Fiquei perplexo diante do argumento e preferi seguir meu rumo. O problema de maltratar os animais era que eles poderiam se rebelar e devolver os mal-tratos! O sadismo e a covardia da brincadeira não mereciam qualquer menção! Pode-se argumentar que a questão do especismo é pouco conhecida, discutida, e muito difícil de ser lidada – os veganos que o digam.

Porém, na sociedade atual, os animais não são alvos exclusivos desse tipo de brincadeira. O bullying entre crianças ou atear fogo em pobre, como muitos jovens gostam de brincar, mostram que o que presenciei não era algo atípico, apenas de pouca importância por não se tratarem de pessoas. Ou melhor, por não se tratarem dos cachorros ou dos filhos daquela mãe que gritou ao filho “Pára, que pode ser que o cachorro te morda”.

Campinas, 04 de setembro de 2010.