domingo, 11 de novembro de 2012

Os lentos cantos do destino no oriente.

Gestos vagarosos, em harmonia com o lento desenrolar da coreografia. Assistir ao Chants de la destinée, da companhia taiwandesa Legend Lin Dance Theatre foi – não apenas, mas primeiramente – uma experiência de estranhamento – para mim, recém saído da leitura de O império dos signos, de Roland Barthes, também de auto-reflexão sobre o Ocidente. Como pouco sei da cultura de Taiwan ou do extremo oriente como um todo, os muitos elementos – aparentemente alegorias com forte simbolismo – me soaram impenetráveis, de forma que não tentei compreendê-los e acabei atentando para aspectos talvez menores da coreografia.

Lin Lee-Chen, a coreógrafa da companhia, retomou suas atividades, após breve pausa para cuidar da família, com o intuito de revitalizar e reafirmar a identidade da cultura taiwandesa, que ela via ameaçada pela invasão das formas ocidentais. Se ela cede algo ao ocidente, é muito tenuemente.

O espetáculo começa em ritmo muito lento – dá até a impressão de que parado –, num vagaroso progredir para a frente do palco. Apesar de lento, esse ritmo não deixa de trazer certa tensão, e acaba por gerar ansiedade a um espectador ocidental típico (eu, por exemplo): que horas vai vir a grande explosão com a qual se iniciará a dança, finalmente? Passados mais de vinte minutos, desconfia-se que aquilo não é um prólogo para a coreografia, mas ela em seu desenvolvimento. O exercício é aceitar aquela tensão quase estática como permanente durante a apresentação.

O estranhamento vem não apenas do tempo e do ritmo, como da gramática gestual utilizada: diferentemente das danças ocidentais, o movimento dos bailarinos é principalmente o de assumir posições no palco e lentamente se moverem por ele, com gestos largos, nem leve nem pesados – a impressão é de ausência de peso –, até saírem pela coxia. Soa ritualístico em boa parte da apresentação. Em apenas dois duos os bailarinos fogem dessa relação, em que quase parecem elementos de cena, para uma interação mais direta – em apenas um deles há toque (essa falta do toque me fez lembrar um pouco do filme do japonês Kore-Eda, O que eu mais desejo).

Próximo ao fim, mudança de ritmo, e tambores deixam bem marcada a tensão – os bailarinos, por duas vezes, chegam até a correr! Porém, como na parte lenta, não há o desenvolvimento da música – ela uma hora simplesmente vai diminuindo até cessar –, e a dança segue a mesma lentidão. Beira o monótono – para alguns ultrapassa a barreira, como atestavam, desde o início, pessoas saindo, gente conferindo as horas nos seus celulares, ou conversas na saída, “que coisa mais chata!”, “deu sono”.

Beira também o choque: o desconforto de estar diante de algo que não conhecemos e não temos repertório para traduzir, nossa ânsia de que “coisas aconteçam”, a dificuldade em se centrar nos pequenos gestos (eu estava na última fileira, e pareceu que perdi bastante por conta disso), nos detalhes: queremos o maior número de eventos no menor espaço-tempo. Chants de la destinée oferece a nós, ocidentais, uma outra estética do tempo, e a oportunidade de por duas horas sair da nossa zona de conforto – em que até o incômodo tem, em alguma medida, uma forma familiar e previsível.

São Paulo, 11 de novembro de 2012.

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