Comentei em crônica passada que dia desses me dei o desprazer de ir
comer um lanche em fast-food,
mais especificamente no Bob's. Como não pedi um refrigerante para
ajudar a engolir o sanduíche, terminei a iguaria com a boca meio
dolorida e a garganta bem irritada. Entretanto, o que mais me chocou
foi o papel que forrava a bandeja. Mais do que tosco, machista, feio,
contra-eficiente, como disseram uns amigos a quem mostrei o tal
papel, achei ele sintomático.
"Boas desculpas não faltam
para você não ter que compartilhar o seu milk shake do Bob's",
é a chamada, seguida de nove dessas "boas desculpas". Uma
bela mostra do fracasso da sociedade do fracasso – essa em que
self-made men vendem
livros de auto-ajuda mostrando (cientifica e empiricamente) à massa
que basta agir racionalmente com vistas a um fim e não ser
incompetente para ser um vencedor, como se fosse uma mera questão de
querer e agir, independente de questões sociais e históricas, e
como se fosse possível haver vencedor sem perdedores.
A propaganda do Bob's causa certa estranheza por ir na contramão da
tônica das propagandas atuais, que pregam "divida seus
melhores momentos", sendo esses melhores momentos o consumo de
qualquer coisa – de lenço de papel a viagem à Jerusalém. Em tais
propagandas o exclusivismo é em relação ao outro distante, não ao
outro próximo: em família, entre amigos, com seu amor, os serviços
VIP; aos demais, que não conheço (nem pretendo ou preciso), a
entrada de serviço, o transporte público, a comida sem sabor, as
férias sem fotografias maravilhosas.
No fundo, a referida propaganda apenas leva ao extremo o que a
sociedade do espetáculo tanto apregoa: a felicidade prometida como
conseqüência do consumo e não da troca com o Outro.
Se na publicidade em geral essa troca se faz por intermédio de mercadorias, do consumo, a do Bob's desmascara que o Outro nada mais é que acessório supérfluo da mercadoria da pseudo-felicidade – nela, o Outro não é sequer apresentado como polo oposto o qual se nega para se afirmar. É esse o ciclo da busca da felicidade que nos vendem e que compramos – a começar com a idéia da felicidade como algo pronto e dado e não construído –, que não cumprem seu prometido e nos deixam apenas um vazio que prometem preencher com alguma outra mercadoria, essa, sim, a que trará a felicidade desde sempre adiada para a próxima compra.
Se na publicidade em geral essa troca se faz por intermédio de mercadorias, do consumo, a do Bob's desmascara que o Outro nada mais é que acessório supérfluo da mercadoria da pseudo-felicidade – nela, o Outro não é sequer apresentado como polo oposto o qual se nega para se afirmar. É esse o ciclo da busca da felicidade que nos vendem e que compramos – a começar com a idéia da felicidade como algo pronto e dado e não construído –, que não cumprem seu prometido e nos deixam apenas um vazio que prometem preencher com alguma outra mercadoria, essa, sim, a que trará a felicidade desde sempre adiada para a próxima compra.
Aristóteles já definia o homem como animal social, o zoon
politikon – entendamos político aqui como o interessado
pelos assuntos da pólis, da vida em sociedade, e não
restrito à política representativa de hoje em dia –, e se Sartre
dizia que “o inferno são os outros”, esquecia de pôr, logo em
seguida, a outra face da moeda: a felicidade também está no Outro.
Não que a outra pessoa seja a portadora da nossa felicidade. Contudo, são nos relacionamentos, nas relações de alteridade, no
perder-se de si para se encontrar no Outro que podemos alcançar um
existência mais ampla – ampla o suficiente para que a felicidade
caiba em nós.
Assim como os shopping-centers substituíram os banhos da
antiguidade, lipoaspirações e produtos zero fazem as vezes do
vomitorium das construções romanas. Estamos aptos para
seguir com nossa busca da felicidade individual pelo consumo racional
do que for: na estreiteza de nosso egoísmo, exasperado em 500mL de
um milk-shake vagabundo, orgulhosos do sucesso em um trabalho que nos
dilapida, vaidosos com o exclusivismo da bolha metálica ordinária
que nos protege do calor no congestionamento e dos encontros na
cidade, ostentando roupas que nos simplificam e nos confinam, podemos
nos sentir saciados, nunca satisfeitos. E não compreendemos porque
não conseguimos ser felizes em nossa solidão – nem mesmo na
solidão a dois –, porque não percebemos que quem é consumido, no
fim, somos nós próprios.
São Paulo, 04 de novembro de 2012.
ps:
texto afim: Excesso
zero (23 de dezembro de 2007).
2 comentários:
Bom cara, legal citar Roma pra forçar erudição, mas "vomitorium" era um tipo de portal de acesso a teatros ou arenas. Não tem nada a ver com lugares onde os romanos vomitavam após banquetes. Agora, se você usou o termo no sentido certo, não fez sentido algum. Abraços!
Molho, tem razão. A acepção que utilizei, Lewis Mumford o apresenta em "A cidade na história".
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