segunda-feira, 17 de junho de 2024

O Metrô de São Paulo contribuindo para a piora da vida do trabalhador paulistano [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Vida de trabalhador que pega transporte público não é fácil. Mesmo o metrô, que desde sua inauguração em São Paulo, tardiamente nos anos 1970, era tido como um modal de excelência, tem decaído acentuadamente.

De um lado, o problema social que reverbera dentro das estações e vagões: diante da crise financeira inaugurada em 2016, o Metrô vai adquirindo características do “Shopping Trem”: uma variedade de pessoas vendendo uma grande variedade de coisas, de fone de ouvido a chocolate, de tira manchas a doleira, de massageador a pomada milagrosa. Incomodam, mas é o que se tem para sobreviver (reconheço que diminuiu no último ano, apesar da fiscalização também ter diminuído). A essas pessoas, somam-se pedintes diversos e músicos de rua. Destes, admito que não gosto dos que fazem rima mexendo com os passageiros, entretanto, há alguns de ótima qualidade, artistas de verdade, como o @luiscantante.92, que executa música andina. Há, contudo, um cuja arroba no instagram me foge, que se finge de músico para fazer pregação pela manhã em alto e bom som - e não adianta passageiros pedirem para ele baixar o som, como bom fanático, a “palavra de deus” vale mais que o bem estar das pessoas. É uma sessão de tortura que dura duas ou três estações: você já desanimado de ter que ir para a labuta e lá está o infeliz com seu tecladinho enchendo o saco. Ele toca muito mal, mas quando começa a cantar, parece até um virtuoso, e quando você presta atenção no que ele canta, então...

Do outro lado, trabalhando pelo nosso mal-estar está o próprio Metrô sob a batuta do ogro do martelo, o senhor Tarcísionaro. Começa pela limpeza, que era uma das marcas mundiais do Metrô de São Paulo e tem deixado a desejar. Mas pior mesmo é nos horários. Nos de pico, ainda se manteve os habituais intervalos curtos entre cada trem; mas fora dessas horas insalubres por si, aumentaram os intervalos para os padrões do metrô privatizado, fazendo com que toda hora seja horário pico - não importa que seja nove horas da noite de um domingo: o trem vai estar lotado. Já cheguei a esperar sete minutos por um trem - até a gestão passada não chegava a cinco, nem mesmo nas horas mortas. Então, temos que o Metrô passou a ser um modal já não tão rápido assim, nem tão confortável e limpo.


Mas agora o Metrô inovou e quis juntar o pior dos dois mundos, trens lotados com música ruim, só faltou a parte da pregação (e felizmente eu só li a notícia, não presenciei in loco). Vi que no dia dos namorados ninguém mais, ninguém menos que o Jota Quest fez um show na estação da Sé! 

A desocupada leitora, o desocupado leitor talvez se pergunte “Jotaoquê? Aquele desenho animado?”. Pois é, a você, preciso informar que se trata de uma banda que usava umas perucas gigantes e lançou um disco de pop razoável em 1996, e depois disso passou a vender até que bastante cedês sem fazer nada que preste, até entrar em decadência e dar por encerrada, salvo pelos seus integrantes, sua Kombi de fãs e - agora sabemos - pelo Metrô.

Imagine só que situação: você sai cedo de casa, encara uma pregação religiosa feita a alto som com um instrumental horrível, tem um dia cheio no trabalho, e na hora de voltar, metrô lotado, só pensando em encontrar seu brotinho - ou então lamentando que não tem um para passar a noite -, ainda ter que enfrentar uma estação lotada porque disseram que ia ter show de graça e vai ver é o Jota Quest. Jota Quest! Tenho até medo do dia dos namorados do ano que vem: capaz de desenterrarem o Leonardo para cantar - aí, sim, haja segurança segurando o povo que vai querer se jogar nos trilhos a ter que suportar isso.

Obrigado, governador, por ajudar a piorar a já precária saúde mental do trabalhador paulistano.


17 de junho de 2024.


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.


segunda-feira, 10 de junho de 2024

Sorteio de par de ingressos para motivar a equipe [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Não sei por que cargas d’água alguém no setor de RH achou que seria motivacional fazer sorteio de um par de ingressos (às vezes mais) para qualquer evento aleatório na cidade. O que isso implicaria numa melhoria do clima na empresa, não sei. Chego mesmo a imaginar ressentimentos por gente que gostaria muito ir a uma determinada atração acabar vendo seu colega que só participou do sorteio porque era de graça ir ao tal evento e ainda falar mal. Quisesse motivar os funcionários, um reajuste no salário ou três dias de teletrabalho motivariam muito mais! Os dois ao mesmo tempo, então... mas sejamos realistas, a ideia não é motivar, nem melhorar rendimento, é entreter antes que alguém pule do décimo andar e suje a imagem da gestão de pessoas e, por tabela, da própria empresa.

Alguns desses eventos são claramente uma furada, e desconfio que os convites sejam distribuídos gratuitamente às empresas, na esperança de um fiasco um pouco menor. Outros eu nem sei dizer, porque é tão fora da minha realidade, que eu me pergunto porquê ele existe e por que alguém iria. Por exemplo, que sentido faz ir a um encontro de motos em Interlagos, ainda mais pagando!? Aí vejo quem ganhou o tal ingresso e noto o abismo que há entre mim e tal evento. 

A explicação mais plausível para esses sorteios quem deu foi irmã Makioka, que não vê outro motivo que não que o gerente do RH ter um caso com alguma promoter de eventos heterotop. 

Mas ele não é casado?, questionou o Desembargador.

Um motivo a mais para agradar a amante, rebateu irmã Makioka.

Por aclamação, aceitamos tal explicação como sendo a verdadeira, até que a verdadeira de verdade apareça - se é que vai aparecer.

Não são todos que participam do sorteio: primeiro o RH manda o convite, quem quiser participar preenche um formulário. São os inscritos que participam desse grande bingo oculto (fosse ao menos um bingão com cartelas e números sendo cantados durante o expediente, quem sabe ajudasse de fato). Até hoje, nunca participei - pela razão simples de que nunca apareceu nada que prestasse (as entradas para a Fórmula 1 não são por sorteio).


Isso quase mudou semana passada, pois se o evento era furada, havia seu lado positivo. Contudo, o que prometia ser razoável se mostrou o cúmulo do cúmulo. 

Começa pelo evento: ver o Pateta e o Miquei patinarem no gelo - além de várias princesas. Que lá eu quero ver Carreta Furacão Gurmê, ainda mais no gelo?! Crianças talvez ainda achem graça, mas é de se perguntar que pai e mãe levaria seu pimpolho ou pimpolha a um evento brega desse tipo - não preciso de resposta, foi só ver novamente quem ganhou o ingresso. Deixando de lado de lado a parte brega e o completo vazio da apresentação (puro consumo de indústria cultural, sem nada a acrescentar na vida de uma pessoa, talvez apenas o esquecimento da própria miséria), a cereja do bolo veio no final da mensagem que avisava do sorteio: a atração seria às 15h30 de uma sexta (que foi o que me fez cogitar disputar, para sair mais cedo, na hora do almoço, para ter tempo de chegar), mas que o ganhador ou ganhadora deveria compensar as horas que sairia antes.

Depois dizem que esse tipo de pataquada serve para motivar a equipe...


10 de junho de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.


quarta-feira, 5 de junho de 2024

Uma trilha no feriado [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Meu irmão convidou, em cima da hora, para fazer uma trilha na praia este feriado. Questionei o horário, se daria tempo - sairíamos depois do almoço -, e ele alegou que sim, que se tratava de uma trilha leve que ele já fizera uma dúzia de vezes. Foi bem específico: iríamos em sentido contrário ao habitual, para encarar o primeiro terço com subidas e descidas mais acentuadas e o último terço mais tranquilo, por um caminho de areia. Ademais, com o tempo frio, apostou (corretamente) que a trilha estaria vazia, assim como a praia. Fomos eu e o Brotinho - a esposa de meu irmão preferiu ficar em São Paulo, com meu sobrinho.

A trilha começou levando a um mirante. Esse trajeto está todo ladrilhado - e desconfio que falta pouco para asfaltarem. Do mirante, uma bela vista - e quase nenhuma pessoa onde o olhar passasse. É dali a trilha vira uma trilha de verdade - uma picada. Meu irmão estava com roupa e calçados próprios para o momento. Eu fui de calça jeans com um calção por baixo e sapato de segurança, para não ter risco de escorregar. O Brotinho, apesar de eu ter sugerido uma roupa mais rústica, foi de legging branca e tênis de corrida. Não estaria de todo ruim se a trilha não estivesse molhada e seu tênis deslizasse e, pior, com várias poças de lama - potreiros - no caminho. 

Meu irmão passou boa parte da trilha se desculpando, alegava que não imaginava que a chuva do final de semana ainda estivesse empoçada. Isso é uma trilha tranquila? eu só pensava, preferindo não tensionar. Querendo mostrar toda sua habilidade, num potreiro mais inclinado, caiu e se enlameou todo. 

O Brotinho, cuidadosa, não caiu, mas em compensação se abaixava para descer as pedras do caminho - até fez um poeminha parafraseando Drummond: “no meio das pedras tinha um caminho, tinha um caminho no meio das pedras” - e não tardou para sua calça ficar preta - parecia que estava fazendo treinamento no banhado. No segundo terço da trilha, quando os potreiros aumentaram, além da calça, seu tênis era torrão de lama irreconhecível. 

Eu era o único que conseguia manter alguma dignidade. Mentira. Estivesse com uma calça de linho clara, ia me sentir puro um malandro do início do século XX, que mantém as roupas intactas, apesar do barro das ruas (no caso, da trilha) e dos percalços da vida (no caso, da trilha de novo). Só ia faltar a navalha. E um sapato típico de malandro - mas se não fosse meu sapato de segurança, eu teria caído também (EPI salva trilhas, fica o aviso). 

Ao fim do segundo terço, paramos para descansar um pouco e curtir o fim de tarde - a outra praia estava completamente deserta, havia apenas um grupo de cavaleiros passando por ela.


O último terço era na areia, sem nenhuma dificuldade, alegou meu irmão. Entramos e não avançamos muito quando demos numa propriedade privada. O dono já sabia e avisou: a trilha é para adiante. Voltamos e seguimos, fomos pelo caminho que os cavalos haviam entrado. Caminhar na areia fofa pisoteada por meia dúzia de equinos não é muito fácil, mas seguíamos contentes - chegaríamos para ver o pôr do sol da praia original. Foi quando apareceram duas mulheres no sentido contrário, dizendo que estavam perdidas e se podiam seguir conosco.

Perdidas? É só seguir por aqui que sai na praia.

Não, moço. Seguindo por aqui vem aviso de propriedade privada e logo a seguir um rio.

Rio? Não tem rio na trilha.

Pois aqui tem um rio.

Meu irmão tirou o celular - havia sinal - e logo viu que, de fato, estávamos fora da trilha. Vulgo, perdidos.

Precisamos entrar naquele pedaço de mato - disse, apontando para umas árvores que havia depois das dunas.

Ele foi na frente, como chefe dos escoteiros. Conseguimos chegar até a beirada do mato, difícil foi achar uma brecha para entrar. Na primeira que encontramos, entramos - não era muito propícia, tanto que deixou um corte na perna de uma das garotas. Ao menos estávamos na trilha.

Agora, é seguir por aqui que não tem erro.

Perguntei de potreiros, as garotas perguntaram do rio. Meu irmão alegou que havia apenas um filetinho de água, que dava para passar sem molhar os pés.

Quando chegamos ao tal filete, era um pequeno rio, impossível de passar sem molhar os pés e as canelas - Brotinho ainda escorregou não sei como e só não molhou a cabeça. 

Mais um tempo de caminhada sob luzes dos celulares e chegamos ao ponto inicial. Meu irmão, enlameado; Brotinho enlameada, molhada e se queixando de dor nas coxas; eu com os sapatos molhados e cheio de areia - em casa descobriria três bolhas nos pés e uma bosta de cavalo na sola. 

Seguimos a viagem de volta em silêncio, cada um pensando que havia programas mais interessantes para o feriado que não uma trilha feita às pressas por causa da iluminação, cheia de obstáculos, que mais parecia uma excursão na selva. Eu já imaginava toda a discussão que não teria depois com o Brotinho, e me lamentava de não ter ido a um motel: gastaria quase o mesmo, terminaríamos discutindo quase igual, mas ao menos teríamos nos divertido. Eu estava nesse ponto do pensamento quando meu irmão quebrou o silêncio, deixando à mostra seu ego machucado:

Não fosse aquelas duas gurias, e a gente não teria se perdido.

Como não?

A gente não estava na trilha, mas uma hora chegaríamos. Foram elas que nos fizeram ficar perdidos, ao nos avisarem.

Chegaríamos na rodovia, umas sete ou oito da noite, a seis quilômetros da praia e do carro.

Mas não estávamos perdidos. Fiz essa trilha uma dúzia de vezes.

Preferi não discutir, já que ele queria culpar o mensageiro, que culpasse, eu teria muito o que conversar quando chegasse em Éssepê.


05 de junho de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.