Enquanto
o Papa Francisco anima progressistas dos mais variados matizes -
incluídos os ateus - com o direcionamento que tenta dar à igreja
católica, mais próxima ao povo e sensível às questões sociais, a
igreja católica do Brasil - ou ao menos a de São Paulo - caminha na
direção diametralmente oposta. Ainda fico a me questionar se os
rumos ditados por dom Odílio Scherer são mera questão de vingança
de um ressentido, afinal, ele foi preterido por um argentino (e,
diria Nietzsche, nada mais cristão que ressentimento e vingança),
ou se ele possui uma convicção verdadeira (fé?) no fascismo e nos
ideais da Casa Grande.
Começo
com um exemplo requentado. Não sei o quanto saiu do círculo dos
filhos da PUC (como este que aqui escreve) ou do restrito círculo
universitário, a polêmica em torno do veto à Cátedra Michel
Foucault, na PUC de São Paulo, feita pelo arcebispo de São Paulo,
Dom Odilio Scherer. Com o veto, a universidade - na qual estão dois
dos principais especialistas do Brasil nesse seminal filósofo do
século XX, Márcio Alves da Fonseca e Salma Tannus Muchail - pode
ter que devolver os áudios com as palestras do francês, recebidas
do Collège de France. O argumento: as idéias de Foucault não estão
em consonância com os princípios católicos. Argumento bastante
razoável, pensando na igreja da Idade Média. Inclusive, Foucault
merecia ter ido para a santa fogueira por pelos menos dois bons
motivos: pensar e ser homossexual. Como Foucault mortuus est,
ainda se pode jogar seus livros na fogueira - ou ao menos seus
heréticos áudios.
Admito,
isso de início me deixou perplexo: teria a igreja católica
brasileira complexo de ser sempre do contra? Quando no Vaticano
estavam reacionários, a PUC-SP abrigava comunistas e ateus; agora
que na basílica de São Pedro está um progressista que prega,
dentre outras coisas, o diálogo com as outras religiões, a PUC-SP
tenta excluir tudo o que soe minimamente desviante dos "princípios
católicos" - o pensamento de Foucault ou os professores Peter
Pál Pelbart, Jonnefer Barbosa e Yolanda Gloria Gamboa Muñoz
[http://j.mp/1D6KSI4]. E onde fica a infabilidade papal para Odílio
Scherer? Valeu de Pacelli a Ratzinger, mas não vale para Bergoglio?
Tive
nova mostra da cara da igreja católica de dom Odílio na tarde deste
28 de julho.
Eu
caminhava pela Sé quando avistei dois policiais militares levando um
homem pelo braço. A cena me chamou a atenção pela estranheza da
atitude dos militares: agiam com firmeza, mas não com a truculência
que, via de regra, dispensam à (chamada) escória social. Pensei que
talvez o homem tivesse sido apartado de uma briga com outros
moradores de rua que estavam ali perto, mas o homem estava muito
calmo para alguém que brigava, e o resto da escória social também
- definitivamente, não houvera briga. Ele tentava argumentar com os
militares, que apenas ordenavam que caminhasse um pouco mais. Não
poderia ser algo relacionado ao metrô, pois para isso há a
segurança da empresa. Passando mal? Se era intenção ajudá-lo (mas
por que a polícia militar ajudaria um pobre, que não produz nem
paga imposto?), por que o levavam com aquela firmeza e tantos passos?
Ao
passar ao lado da catedral da Sé, minha dúvida é, ao menos
parcialmente, sanada. Comenta o segurança da igreja com um grupo de
pessoas, como se estivesse no púlpito, diante da cena que ainda se
desenrola ao longe: "olha, olha o que eles vão fazer: levam até
lá e soltam. Fazer só isso não adianta nada, logo ele volta...".
Provavelmente o homem estava pedindo dinheiro ou havia entrado na
casa de Cristo (que heresia!). Fiquei a me indagar o que o segurança
da catedral da Sé queria que os policiais fizessem: prendessem-no
por ser negro e pobre (e quer motivo maior que esses dois?)? Dessem
uma "geral" das antigas, pra ver se ele aprende a não
importunar os cidadãos de bem? Ou simplesmente "apagassem"
o cidadão, que nada tem a contribuir com a sociedade (afinal, é
sabido há longo tempo que o Brasil é esse país de segunda
categoria por causa dos negros e nordestinos, incompententes para a
vida civilizada, como atestam as recentes investigações sobre a
corrupção)?
Bem,
essa cena que presenciei talvez prove que, contrariamente ao que
disse acima, dom Odílio Scherer siga os passos do papa Francisco:
atento à questão social, não hesita em chamar a polícia militar
para tratar dela, como sempre aconteceu nestes tristes trópicos; e
quanto à proximidade do povo, apenas uma questão de definir povo:
se for patriarcal, conservador, branco, heterossexual e com uma conta
digna de entrar no ramo VIP dos bancos, a igreja católica e o reino
dos céus está de braços abertos ao povo. Por fim, tolerância de
pensamento é algo que Dom Odílio Scherer também deve visar: os que
ele considera povo têm total liberdade de se expressarem, mesmo que
isso possa parecer contraditório aos "princípios católicos"
- como ser favorável à pena de morte e à violência contra
minorias por serem minorias, por exemplo.
Talvez
o papa Francisco seja um ponto fora da curva da história católica -
e ainda não conseguiram enviá-lo para se retratar diretamente com
deus. Mas nele eu tenho esperança - quase ouso dizer fé. Para o
Brasil: menos Odílio, mais Francisco, por favor.
28
de julho de 2015.
Não basta emporcalharem a praça, querem ainda entrar na igreja? |
Sem comentários:
Enviar um comentário