terça-feira, 8 de abril de 2025

Macedo, o rapaz multi-tarefas [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

 Disse em meu texto passado que Macedo merecia (mais) um texto. Como comentei, ele entende tudo do trabalho. Se Pacheco, a nova funcionária, teve como trote ter que aguentar a conversa de Floriano, o nobre colega Macedo tem seu trote permanente, que é ser tutor em todos os assuntos de quem chega ao setor (e desta vez são dois), o que não deixa de prejudicar um pouco seu trabalho - mas confiamos que ele, no fim, dará conta de resolver tudo a contento, como sempre o fez. Não que sejamos acomodados, é apenas saber que ele tem competência suficiente para tutorar a nova colega, ajudar os antigos e ainda cumprir suas demandas - tudo dentro de oito horas. Poderíamos ajudá-lo? Poderíamos. Porém, como o próprio tempo verbal aponta, atuamos no futuro no pretérito, esperando que esse futuro chegue, mas ele nunca vem. Se algum dia ele não souber de algo, serei o primeiro a ajudá-lo, se eu souber como fazer (apesar que, se ele não souber, nós do setor que certamente não saberemos).

Se entende tudo do trabalho, fora dele Macedo reconhece sua ignorância, apesar de sua vasta cultura geral em assuntos muito aleatórios. E se Goreti, que também se diz um ignorante (e eu complemento: nos dois aspectos do termo), faz faculdade atrás de faculdade, geralmente desistindo no último ano, quando é preciso fazer estágio (como sênior, não tenho mais idade para isso, ele justifica), Macedo foca nas artes manuais. Maceda, por seu turno, se dedica à organização [bit.ly/cG230405] e a artes manuais mais artísticas.


Podemos dizer que ambos são versões proletárias do Rodrigo Hilbert, a Pequena e o Pequeno Hilbert. Até dá para parafrasear o Pequeno Wilber, dos Sobrinhos do Ataíde: estava o Pequeno Hilbert lépido e saltitante andando pela cidade com sua lancheira divertida do Patolino quando de repente se deparou com um pedaço de madeira abandonado na rua... [https://bit.ly/cGYTpeqwilber]

Voltemos à seriedade. Há tempos que nem ele nem Maceda compram carteiras e bolsas: quando enjoam da antiga, ele elabora e costura um novo modelo. Roupas? Ao menos as mais simples saem da própria casa. Em um ano, Macedinho até agora só teve fraldas, meias e calçados comprados. Precisa instalar um móvel? Chame um montador, porque nosso Pequeno Hilbert prefere construir o seu. Caneta? Ganhei uma feita de pena, em que só faltou ele produzir a tinta. 

Contudo, foi no casamento que essa dupla mostrou de vez suas habilidades. Enquanto a Pequena Hilberta fez toda a decoração do casório para 150 pessoas, com convites pintados em aquarela, sousplats bordados com fios de bambu em folhas de bananeira (ela diz que costela de Adão seria melhor, mas o nome da planta a desestimulou) e todo um jogo de luzes para quando discotecasse, o Pequeno Hilbert se dedicou a fazer as alianças, apenas. Tenho certeza de que só não fizeram também o jantar porque não tinham tempo hábil para tanto trabalhando oito horas. E porque as maçarocas que Macedo cozinha talvez causassem estranhamento entre os convidados (o pão de amêndoa de Maceda bem que cairia bem). Ao menos teve o maravilhoso licor de jabuticaba que Macedão e Macedona fazem.

Eram outros tempos, diz Macedo, com Macedinho as coisas mudaram de figura. Hoje o máximo que ele diz fazer são pequenas coisas, como o porta crachá todo incrementado com que apareceu semana passada, com direito a um led para caso seja necessária uma lanterna.


08 de abril de 2025


Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Não há nada para além do texto. Qualquer semelhança com a vida real é uma impressionante coincidência, ou fruto da sua mente viciada que quer pôr tudo em formas pré-definidas

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Floriano, o colega que sabe de tudo [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Colegas que sabem tudo me cansam, admito. A depender do meu humor, me irritam (mas depois passa). E quando falo tudo, digo tudo tudo (tipo jornalista), e não tudo do trabalho, como Macedo, que pode ser questionado no que for do setor que sabe em detalhes e ainda apresenta as provas do que está afirmando. Aposto que se algum dia Macedo não souber de algo vai afirmar seu desconhecimento com a mesma modéstia peremptoriedade que o faz quando sabe - apenas que esse dia ainda não aconteceu. E que conste uma vez mais: ele sabe tudo do serviço. Porque fora do serviço, Macedo pode não saber tudo, mas merece um texto à parte.

Enfim, aqui eu queria falar do Floriano e não do Macedo. Diferentemente do Rivarola [bit.ly/cG230413], o doutor Sabujinho que não está mais entre nós, pois foi transferido (e eu não soube de ninguém que assumiu seu posto), Floriano não é puxa saco. Talvez seria melhor que fosse, sobraria menos tempo para conversar com os colegas. 

Reconheço, todavia, uma grande vantagem de Floriano frente Rivarola: quando é preciso comandar uma reunião, sabe conduzi-la de modo objetivo e, mais importante, divertido. São reuniões com boas gargalhadas e que terminam sem nada importante decidido, como é comum nesse tipo de evento. Nessas situações ele tem uma modéstia que não condiz com seu talento de stand upper amador - e resiste a fazer um curso e começar de fato nessa área.

Fora das reuniões, em compensação, Floriano é um cara pesado, como diriam nuestros hermanos. Pesado não por reclamar, e sim por seu jeito de falar enfadonho sobre todos os assuntos como se fosse formado na área, com a assertividade de um aluno de primeiro ano de graduação nas reuniões de fim de ano com a família.

Por falar em fim de ano, se o fim do ano passado terminou com medo de um passaralho, por ora o que temos são mais contratações. Basso, recém contratado, mostrando o quanto é competente (é sobrinho do chefe) [bit.ly/cG250121], foi promovido, e já substituído por um novo funcionário - que parece um tipo simpático (até oferece chocolate), trabalhador (não sei se isso é um elogio), e não é seboso como seu antecessor. Além dele, ainda chegaram uma estagiária e outras duas funcionárias. Se é preparativo para o tal passaralho (eu acho que é), estão fazendo muito bem, porque o clima aliviou, e não fosse por aquela sábia sabedoria do Seu Madruga, “Não há trabalho ruim; ruim é ter que trabalhar”, diria que estamos quase bem.

Enfim, eu queria aqui reclamar do Floriano e não do trabalho. Estava eu, ontem, contente e feliz no meu canto (minto, estava como sempre, cansado e desanimado de ter o couro esfolado sem a devida remuneração, como sói a todo trabalhador, num trabalho sem sentido, como sói à maioria dos trabalhadores), quando vejo Floriano se aproximar. Temo. Tremo. Travo. Estou no meio da leitura de uma notícia importantíssima sobre o futebol, não queria interrompê-la. Ele vem mesmo. Estica a mão para me cumprimentar, educadamente devolvo o gesto. Pergunta se estou bem, respondo com o protocolar “tudo bem” e devolvo a pergunta, que ele responde como sempre: “Não tão bem quanto vossa senhoria, mas estou bem”. Pergunta se sigo minha rotina de exercícios e nessa hora cometo a besteira de devolver a pergunta. Pronto, lá vem ele com seu palanfrório. Sobre sequências de calistenia que ele não faz; as vantagens de caminhadas seguidas de tiros curtos de corrida intensa, que ele também não faz, de dieta com bastante proteína - que parece que ele faz -, e alguns assuntos mais, para terminarmos em uma palestra monocórdia sobre artes marciais. E eu ainda fui tentar interagir e falar de systema e samba, ao que ele comentou por alto (e não me corrigiu que é sambo e não samba), para logo encetar uma aleatória arte marcial tailandesa, a Muay Lao, que ele deve ter visto na wikipedia. Isso durou uns trinta, quarenta minutos, mas foi como se eu tivesse tido oito horas de trabalho intenso.

E olha que ainda tive sorte. Porque logo ele foi se apresentar à nova funcionária, Pacheco, que o chamou para pedir uma ajuda. Podemos dizer que foi um verdadeiro trote, talvez até mais violento que raspar o cabelo, dar um apelido qualquer e fazer andar de elefantinho (em tempo, quem me acompanha desde o Trezenhum. Humor Sem Graça. sabe minha opinião sobre trotes universitários, a chamada “Semana Hitlerista da Universidade”: resquícios de nazifascismo naturalizados e louvados por muitos, de modo que não me surpreende que boa parte dos neofascistas deste país terem diploma superior). Foi mais de uma hora nessa conversinha de cerca-lourenço (como está sendo esta crônica) em alto e bom som, ao menos para quem estava num raio próximo, como era meu caso. 

Contou da água esmerdada do prédio aqui próximo, o Martinelli, e o porquê ter acontecido lá e não onde trabalhamos, ainda que corrêssemos o risco, por conta de sei lá o que de engenharia que o prédio tem, dado seu ano de construção; apresentou umas quatro doenças diferentes que ela poderia ter e não saber, dando os sintomas e passando os remédios que deveria buscar, inclusive com interações medicamentosas a evitar, casos estivesse com duas dessas enfermidades (nenhum momento sugeriu buscar um médico, que seria o mais razoável, ainda mais que duas das moléstias eram razoavelmente graves) e terminou com uma longa fala sobre segurança pública, ações policiais e quetais, dentro do mais raso senso comum, sob a justificativa de ter um amigo PM com quem conversa sobre o assunto - como se PM (ou qualquer militar)  entendesse patavinas de segurança pública. 

Pacheco fazia que sim com a cabeça e fingia se mostrar interessada, enquanto tentava achar uma brecha para perguntar algo do trabalho, sem sucesso. Logo chegou outro colega, ele se despediu d’ela e foi conversar com ele, deixando-a com sua dúvida, quase como um psicanalista lacaniano que faz o corte em seu analisando no momento da fala mais importante a ser dita.

Claro, não se compara ao assediador do Rivarola, mas Pacheco não merecia uma decepção, digo, recepção dessas. Trote precisa ter limites!


04 de abril de 2025


Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Não há nada para além do texto. Qualquer semelhança com a vida real é uma impressionante coincidência, ou fruto da sua mente viciada que quer pôr tudo em formas pré-definidas