Um corpo tensionado não é necessariamente um corpo em tensão.
Imagino que tensionar um corpo a ponto de representá-lo em tensão
não seja tarefa fácil – se é que é possível esse tensionamento
não se tornar em tensão mesma. "Danças [Im]Puras",
espetáculo de Maura Baiocchi e Taanteatro Companhia, arremessa o
espectador nesse aspecto tenso – não se pode falar em clima,
propriamente, pois a coreografia não dá tempo para a criação de
um. De modo que me impressionou o fato de essa tensão – física –
representada no corpo de um dançarino, apresentada de chofre, ser
tão pulsante a ponto de reverberar no meu: era possível
compartilhar da tensão – assim como certa angústia, determinadas
horas –, isso apenas passando pelo corpo e a criação da situação
– sem apelar para uma narrativa que se constrói no tempo e nele se
distende. Pode ser proposta da criação, mas a um leigo (não
totalmente ignorante, preciso admitir) em dança, a impressão de
algumas falhas de técnica (que podem ser impressão errada do
escriba leigo, também preciso admitir) ajudaram ainda mais nessa
tensão.
Com influências do surrealismo, bem calcado em Lautréamont – como
na mistura de objetos, elementos díspares, fora do seu uso usual (o
encontro de um guarda-chuva e uma máquina de costura numa mesa de
operação) –, partindo de um contexto mais ligado à natureza
(tudo começa, ainda fora da sala de espetáculos, com um vídeo
rodado no Parque Água Branca, na região oeste de São Paulo),
“Danças [Im]Puras” constrói uma atmosfera onírica, mas
atualizada para um tempo em que se desaprendeu a sonhar: não é
pesadelo, mas tampouco é a realização de desejo: é claustrofobia
– por mais que haja saídas, que haja o céu no horizonte.
Sob um céu tempestuoso, paredes com aspecto de gasto e galhos secos,
os bailarinos bailam com girassóis ressecados e brilhantes, luvas de
boxe feitas de esparadrapos se desfazendo em sanguinolências (ou
seriam se fazendo, e o sangue seria da própria luva?), bonecas de um
olho que arrancam a própria cabeça, um grande pássaro, uma coisa
branca amorfa; tudo – sempre – em grande tensão, ora positiva –
como na “Cópula Tatarana + Pombadapaz &
Macacoshivapatodoparaíso” –, ora negativa – “Objeto fel”
–, ora ambígua – “Tartarugaluvadebox & porco”. E tudo –
coreografia, música, cenário, iluminação, figurino – muito
coeso (e bem feito!), o que ajuda a prender ainda mais a atenção
naquele universo de estranhas narrativas e expressivos significados.
Se, como disse no início, “Danças [Im]puras” começa por
arremessar o público na tensão; no fim, ela termina por
distendê-la, em “Partida: viver juntos'bar”, abandonando a
platéia num estranhamento geral. Difícil é seguir a sugestão e
encarar tranqüilamente um bar depois: como toda boa obra-de-arte, "Danças [Im]Puras" exige digestão lenta.
São Paulo 08 de julho de 2012.
Sem comentários:
Enviar um comentário