Se um estrangeiro tivesse acompanhado as eleições no Brasil apenas pelos grandes veículos de imprensa, teria uma grande surpresa ao abrir os jornais desta semana e descobrir, passado o pleito, que havia também eleições legislativas. Fora brevíssimos intervalos - a semana pós-eleitoral e o intervalo entre a troca de faixa no executivo, em janeiro, e a troca de legisladores, em março -, Câmara e Senado costumam só ganhar destaque quando há casos de corrupção, alguma CPI que interesse à Grande Imprensa para fustigar o PT, e uma que outra "grande votação".
Por conta dessa cobertura - ou ausência de, seria melhor dizer -, a imagem senso comum do congresso e senado é a de que se trata de um bando de parasitas, que pouco fazem, e melhor que seja assim, pois, como costumam dizer vários colunistas nos jornalecões Folha e Estadão, toda vez que um deputado age algo ruim acontece. Se alguém se dispor a escutar a segunda meia-hora da Voz do Brasil ou se informar pelos sites das casas legislativas, vai ver que a história é um tanto diferente: não é só de pastores e ruralistas, de projetos insignificantes e negociatas escusas que é feita a atividade legislativa no Brasil. Sim, é feito dessa baixa política também, mas há projetos outros, que influenciam positivamente a vida de milhões de brasileiros (como a proposta para transexuais poderem alterar o nome sem grandes burocracias, por exemplo), e debates qualificados - ou quando de baixo nível, servem como panorama da situação periclitante das nossas elites, no que se refere a capacidade intelectual.
Porém, mais importante que a Grande Imprensa para esse caráter subalterno do legislativo é o próprio desenho político: não apenas por causa do executivo com poderes desproporcionais, como pela coincidência entre calendários eleitorais, que faz com que o legislativo fique obliterado pela relevância dos cargos majoritários - para o executivo, mas também para o senado. Quando Tiririca faz piada dizendo que contará qual o papel do deputado, mais do que humor raso para incautos, ele faz troça de 95% da população brasileira, que não sabe para que serve um deputado, não acompanha os trabalhos das casas legislativas (lembro de estudantes de ciência política da Unicamp só descobrirem o básico sobre o legislativo tupiniquim no segundo ano de faculdade).
Uma possível reforma política é assunto desde as manifestações de junho de 2013 - encampada, inclusive, pela presidência da república -, contudo não vi até agora discussão séria sobre o papel do legislativo e das eleições para a escolha dos representantes. A discussão gira sempre em torno do executivo - reeleição ou mandato de cinco anos -, financiamento de campanha - em que usam argumentos das campanhas para o executivo -, ou concomitância da eleição para todos os cargos - a política de alta intensidade de Marina Silva, um passo para esvaziamento ainda maior do nosso já precário debate político. Vista como subalterna pelos donos do poder, seus empregados e por quem vê política só de longe, nossos legisladores parecem assumir esse papel - estariam confortáveis com essa disfunção de nosso sistema? A separação entre as eleições para os cargos executivos e os legislativos - a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, para ficar no caso mais famoso - é um primeiro passo para um debate político sério e consistente, para um maior equilíbrio entre os poderes e para que os representantes do povo possam, de fato, representá-los. Até lá, Tiriricas podem ser vistos como pontos positivos num congresso dominado por ruralistas, evangélicos e defensores de direitos humanos para humanos direitos.
São Paulo, 09 de outubro de 2014.
Por conta dessa cobertura - ou ausência de, seria melhor dizer -, a imagem senso comum do congresso e senado é a de que se trata de um bando de parasitas, que pouco fazem, e melhor que seja assim, pois, como costumam dizer vários colunistas nos jornalecões Folha e Estadão, toda vez que um deputado age algo ruim acontece. Se alguém se dispor a escutar a segunda meia-hora da Voz do Brasil ou se informar pelos sites das casas legislativas, vai ver que a história é um tanto diferente: não é só de pastores e ruralistas, de projetos insignificantes e negociatas escusas que é feita a atividade legislativa no Brasil. Sim, é feito dessa baixa política também, mas há projetos outros, que influenciam positivamente a vida de milhões de brasileiros (como a proposta para transexuais poderem alterar o nome sem grandes burocracias, por exemplo), e debates qualificados - ou quando de baixo nível, servem como panorama da situação periclitante das nossas elites, no que se refere a capacidade intelectual.
Porém, mais importante que a Grande Imprensa para esse caráter subalterno do legislativo é o próprio desenho político: não apenas por causa do executivo com poderes desproporcionais, como pela coincidência entre calendários eleitorais, que faz com que o legislativo fique obliterado pela relevância dos cargos majoritários - para o executivo, mas também para o senado. Quando Tiririca faz piada dizendo que contará qual o papel do deputado, mais do que humor raso para incautos, ele faz troça de 95% da população brasileira, que não sabe para que serve um deputado, não acompanha os trabalhos das casas legislativas (lembro de estudantes de ciência política da Unicamp só descobrirem o básico sobre o legislativo tupiniquim no segundo ano de faculdade).
Uma possível reforma política é assunto desde as manifestações de junho de 2013 - encampada, inclusive, pela presidência da república -, contudo não vi até agora discussão séria sobre o papel do legislativo e das eleições para a escolha dos representantes. A discussão gira sempre em torno do executivo - reeleição ou mandato de cinco anos -, financiamento de campanha - em que usam argumentos das campanhas para o executivo -, ou concomitância da eleição para todos os cargos - a política de alta intensidade de Marina Silva, um passo para esvaziamento ainda maior do nosso já precário debate político. Vista como subalterna pelos donos do poder, seus empregados e por quem vê política só de longe, nossos legisladores parecem assumir esse papel - estariam confortáveis com essa disfunção de nosso sistema? A separação entre as eleições para os cargos executivos e os legislativos - a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, para ficar no caso mais famoso - é um primeiro passo para um debate político sério e consistente, para um maior equilíbrio entre os poderes e para que os representantes do povo possam, de fato, representá-los. Até lá, Tiriricas podem ser vistos como pontos positivos num congresso dominado por ruralistas, evangélicos e defensores de direitos humanos para humanos direitos.
São Paulo, 09 de outubro de 2014.