sábado, 3 de maio de 2003

Conheço essa história

O presidente Lula chamou governadores e ministros e num ato simbólico de força e intimidação do congresso nacional, levou suas propostas de reforma da previdência e tributária. O que dá o tom às reformas é seu caráter imediatista, preocupado antes de tudo em fazer caixa, como salientou a Folha de S. Paulo. Um ponto muito controverso dentro do próprio PT é a taxação dos inativos. Alguns deputados e senadores do partido estão se rebelando contra a proposta; o presidente do partido, José Genoíno (o neo-defensor da “Rota na Rua”), e o presidente da república já avisaram que quem votar contra será expulso do partido: dizem que a bancada deve ser coerente com o partido. Interessante é que em 2001 um pré-candidato a presidência da república, um tal de Lula da Silva, assinou um documento que condenava a taxação dos inativos como um ato injusto e imoral.

O que mudou de 2001 para 2003 no PT? Absolutamente tudo: de oposição o partido virou situação. Essa polêmica da taxação dos inativos – e muitas outras que já ocorreram neste início de ano – me faz lembrar uma aula de história do cursinho. Era sobre o período imperial brasileiro, e o professor Fernando Gelfuso, ao falar do bipartidarismo (liberais e conservadores) e a sua alternância no poder, fez o seguinte comentário: nada mais conservador que um liberal no poder e nada mais liberal que um conservador na oposição. O Brasil de 2003 apenas não é mais bipartidário, mas pelo que se percebe neste início de governo, tudo o que o PT criticava até 2002 ele está fazendo em 2003, e tudo o que PFL, PSDB falavam ser impossível fazer quando eram governo, eles cobram do PT.

Como se vê, alguma coerência no sistema político brasileiro há, infelizmente.


Campinas, 03 de maio de 2003

segunda-feira, 28 de abril de 2003

Metamorfose ambulante

“Eu prefiro ser esta metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Desde criança eu canto esses versos do Raul, havia muito que entendia o que diziam, mas não compreendia o que havia por trás das suas palavras. Foi preciso uma provação dantesca, em 2002, em que passei tanto pelo inferno quanto pelo paraíso para que eu pudesse compreendê-los.

Fico feliz, ao rever como eu era em 2001 e como eu sou em 2003, e ver o quanto eu progredi, o quanto eu soube crescer, seja nas fases boas, seja nas ruins. Aparentemente fácil, são muitos os exemplos que conheço de pessoa que não conseguem aproveitar a vida em sua totalidade para aprender com ela. Quando estão bem, tratam de aproveitar a maré, sem parar um instante para pensar o que foi feito para estarem daquele modo e o que podem fazer para mantê-lo por mais tempo. Quando estão mal, lamentam os infortúnios da vida, fogem dos problemas, ou encaram-nos de forma enviesada. Pode ser que agir dessa forma também ajude a crescer, por que não?, quem sou eu para saber qual a melhor forma de agir?, apesar de que percebo, conversando com amigos, que aqueles que enfrentaram mais diretamente seus problemas souberam crescer mais com eles.

Uma das mudanças entre 2001 e 2003 que percebi foi a forma como encarei as opiniões contrárias. Sabia escutá-las já em 2001, mas fazia-o sempre com a guarda armada; talvez por não estar convencido das minhas próprias opiniões, talvez por encarar os outros sempre como potenciais inimigos. Em 2003 passei a escutar as posições divergentes de outra forma: nada de chegar com opinião formada sobre o assunto, o negócio é começar uma discussão disposto a ser convencido.

Em discussões com outras pessoas ainda tenho uma certa dificuldade em agir assim, ainda mais por ser uma discussão; todavia nas minhas leituras isso significou uma mudança radical: leio autores cuja teoria tenho um conhecimento básico – e da qual discordo completamente – sem levar em conta o que já sei ou o que penso sobre o assunto. Leio um livro para ser convencido, e guardo minhas críticas apenas para o final. Pode ser que assim minhas velhas idéias sobre o mundo mudem radicalmente, mas não vejo problema: já percebi que tenho algumas posições bem sólidas e que não será qualquer livro, qualquer discussão, qualquer revés da vida que irão derrubá-las. As demais opiniões são penduricalhos esperando a vez de serem passadas para trás. Como dizia Raul: Eu prefiro ser esta metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.


Campinas, 28 de abril de 2003