Cinco
pessoas – três homens e duas mulheres – paradas na entrada
principal do edifício Domingos Fernandes Alonso, de frente para a
avenida São João. Uma luz forte ilumina eles e parte da calçada –
imagino que o transeunte poderia ter a impressão de algo como uma
vitrine, apesar de faltar o vidro que distancia o espectador da rua
do que é apresentado, e apesar da luz vir de trás e não da frente.
Chamam a atenção de quem passa. Algumas pessoas param para ver do
que se trata – ficam um tempo e seguem seu rumo. Vinte metros
longe, dentro do edifício, sentados nas escadas que levam ao Cine
Olido, os espectadores que foram para ver “Cálamo: novos
experimentos”, da iN SAiO Cia de Arte. Os quatro dançarinos (uma
dos integrantes da apresentação é guitarrista, e fica no meio do
caminho, tocando guitarra junto ao amplificador) circulam pelo
saguão, sobem as escadas, descem-nas se arrastando, abrindo espaço
por entre o público acomodado, trombam com pessoas que se dirigem
aos caixas eletrônicos que há no caminho, saem do edifício, dançam
na sua entrada – ou próximo dela –, onde se dá boa parte da
apresentação, distante do público específico – no início ela
ainda se focou um pouco mais nas escadas. A rua ao fundo ganha ares
de cenário, numa apresentação com fortes características de
performance, de muito chão e pouco ar, muitas quedas e poucos
saltos. A cidade e seu ritmo ao fundo compõe com os corpos que caem,
com as pessoas que remexem a roupa compulsivamente, que se jogam e
ficam estáticas. No reflexo do vidro vejo o sinal para pedestres
alternar vermelho-verde-vermelho. Dois policiais passam bem debaixo
da luz, com a impressão de estranhamento. Estranhamento é a
impressão de muitos dos que param para assistir. Um carroceiro passa
indiferente. Ônibus e carros seguem seu trajeto na avenida. Um grupo
de quatro garotas pára para ver, se assustam quando uma dançarina
se joga aos seus pés – tomam distância, ficam um tempo mais
assistindo à apresentação, e seguem. Os dançarinos puxam da rua
algumas pessoas que estavam assistindo – ao que tudo indica, pelas
roupas e desenvoltura, pessoas que estavam ensaiando em uma das salas
da Galeria até pouco tempo atrás –, se tocam, se enroscam, se
confundem. Quando estão próximos do “público”, nas escadas,
uma senhora moradora de rua resolve entrar no saguão e dançar
também. Foge quando um dos bailarinos se aproxima. O público ri.
Duas pessoas circulam por entre os dançarinos, encarregadas de
documentar a apresentação, como se fosse possível ter idéia dela
por meio de foto ou vídeo. Perto da metade, já quebrado meu
deslumbre inicial do recorte da cidade como parte da apresentação,
começo a ficar incomodado com o fato d'ela acontecer tão longe.
Decido inverter minha perspectiva. Atravesso o saguão em meio a um
rapaz que rola no chão e uma garota que interage com duas crianças
de cinco anos, se tanto. Na rua não tenho mais o cenário urbano,
mas também não há mais coxia: a apresentação que temporariamente
se encerrava com a saída dos dançarinos do saguão continua na
calçada. O público espectador, passivo, ao fundo, longe dos
bailarinos, não causa a mesma impressão como possível cenário:
uma massa amorfa e, em certo sentido, desprezível – reagirão no
final, se os dançarinos quiserem saber das suas reações. Fora do
prédio, próximo do espaço onde os dançarinos desenvolvem por mais
tempo a “coreografia”, encostado num orelhão, sei que então
faço parte do cenário. Quando, por duas vezes me vejo cara a cara
com um dos dançarinos, descubro ser cenário mais do que cenário:
por mais que guarde alguma distância da entrada, não estou
distante: sou parte da cena – mesmo que eu esteja só assistindo,
segurando o queixo com cara de entendido. Corro o risco de ser levado
pro centro do “palco”, ou de ser alvo de intervenção mesmo
distante – assim como eles correm o risco de eu intervir na sua
apresentação. Eles
encerram “Cálamo” na entrada, distante do público espectador.
Agradecem, agradecem quem aplaude da rua. Ali, próximos, a impressão
de estarem numa vitrine continua: a questão é que a vitrine não é
para a rua, mas para o público passivo distante.
São
Paulo, 12 de julho de 2013.