Acompanho Luis até a rodoviária da Barra Funda. Comento com ele que o calor de São Paulo destes dias me faz lembrar do título de um filme que vi quando fazia curso de espanhol, em 1995, 1996, por aí: "El aliento del Diablo". Não lembro de absolutamente nada do filme - salvo o título -, mas esse bafo seco que sopra em SP me parece digno de relatos bíblicos infernais ou dos meus piores dias em Campinas ou Ribeirão Preto. Estou vestido todo esporte, mas a roupa não é fresca para os mais de 30°C. A camisa de futebol não é dry fit ou qualquer tecido especial, é do Putaquepariuprafora!, time da faculdade, do campeonato de 2004. A calça é um pouco mais nova, dois ou três anos, do tai chi, tactel, boa para dias de chuva, pois seca rápido - quando saí de casa ameaçava chover -, para agora, me gruda nas pernas suadas. O óculos que uso não é esporte e também já tem uns anos de uso - oito, para ser mais preciso -, e grau que não me cabe mais, descobri semana passada (minha miopia regrediu 0,75 em cada olho); está todo troncho porque Libertad, minha gata, o derrubou e vários livros em cima e ela em cima de tudo. O tênis, esse sim, é novo! Tem uma semana, é mais bonito, mais confortável e - alegria do mão de vaca aqui - vinte reais mais barato que meu anterior, comprado dois anos antes (isso dá 17% de economia, não é pouca coisa!). Luis toma seu ônibus e eu vou pegar o metrô. Estou na escada rolante quando o trem chega e resolvo apressar o passo - desejo de entrar logo em um ambiente com ar condicionado e de chegar logo em casa. Ao sair da escada rolante me vem uma lembrança anterior ao meu óculos com grau a mais, à minha calça grudada na pele, à minha camisa do Puta, ao filme da aula de espanhol do professor Erivelton. Lembrança de quando estudava no Colégio das Irmãs (não era o nome oficial, mas cidade pequena autoriza essas simplificações), meus doze, treze anos, o corpo começando a crescer mais rápido do que a cabeça era capaz de atualizar a auto-percepção, e o chão visto de perto reiteradamente, o que me fazia morrer de vergonha. Pois saí da escada rolante e corri para pegar o trem. Meu tênis novo enroscou na minha calça e enquanto meu óculos e meu celular (celular flip, com vibracall, me sinto um up-to-date de 1999) deslizam pelo piso ouço "uuuufffffs" e "aaiiiis" de pessoas empáticas às dores do outro que se estatela no chão - o piso do metrô é gelado, como era o do Colégio das Irmãs. Recolho meu óculos, meu celular, confiro que minha carteira segue no bolso e retomo o trote para o trem, como se não tivesse acontecido nada, apesar das dores dizerem o contrário. Foi só quando ele fechou as portas que me lembrei de ver se minha chave de casa também estava no bolso - estava. Já no aconchego do meu lar - onde faz falta um ventilador - me certifico que um quarto de século se passou, e se o joelho direito ralado não se fez acompanhar de vergonha pela queda em público, tampouco veio sozinho: uma leve dor no ombro direito e uma baita dor nas costas ajudam a recordar minha pequena desventura nesta segunda feira de bafo infernal.
17 de dezembro de 2018