quinta-feira, 13 de março de 2003

A transparência de FHC

Que bom que nos últimos oito anos tivemos um grande estadista a frente a presidência do Brasil! Um verdadeiro republicano, que respeita a constituição do país – quando esta foi adaptada para ele, é claro – , que enterrou boa parte do atraso herdado dos governos Vargas e militares – a Embratel, a Vale do Rio Doce, por exemplo –, e que, antes que injustamente o acusem de entreguista, vale ressaltar que FHC seguiu, mais do que a constituição, nosso hino nacional, que diz "deitado em berço esplêndido", logo, se se está deitado, não se pode trabalhando, ou até pode, como provam muitas meninas e meninos das cidades turísticas no nordeste e de toda e qualquer cidade brasileira.

O Estado não deve produzir aço, não deve ser gerente de empresa, deve unicamente criar mecanismos de fiscalização e regulação das empresas privadas que prestam serviços públicos. Era mais ou menos isso que o Boçal gostava de repetir com sua boca de sovaco – como dizia José Simão – nos seus belos e frívolos discursos televisivos. As empresas estatais, argumentava ele e papagaiavam os neoliberalóides perfeitos-idiotas da televisão, como a Miriam Leitão, eram símbolo de ineficiência, de serviços mal prestados, de cabide de empregos, de falta de transparência, de desperdício de dinheiro público, e todas outras coisas que sabíamos de antemão que seriam ditas sempre que aparecia um economista na tv.

Feita a ‘privataria’ (como diz Elio Gaspari), criada as agências reguladoras, tudo deveria andar bem, rumo ao berço esplêndido, ou melhor, o berço esplêndido rumo a nós, que estamos deitados. Mas não parece ser isso o que ocorreu.

Tivemos um grande exemplo do poder de planejamento do Estado – uma das poucas coisas que lhe restou – com a bela novela do apagão. Aumentos abusivos de tarifas foram outra vantagem da privataria (só como exemplo, o pulso telefônico foi reajustado em 100% um ano antes da privatização, e em módicos 25% um ano depois). E saiu uma pesquisa do Instituto de Defesa do Consumidor, o Idec, com a avaliação das ditas agência reguladoras. Lula já havia reclamado delas, da autonomia que elas possuem, e vê-se que não é sem razão. A nota média das agências ou órgão reguladores, de zero a dez foi 4,2, ou seja, ruim. Banco Central, Secretaria de Defesa Agropecuária e Agência Nacional de Saúde Suplementar (que cuida dos planos de saúde) conseguiram o conceito muito ruim. Falta de transparência, punição dos consumidores com aumentos abusivos, falta de fiscalização, desrespeito ao código do consumidor são algumas das características desses órgãos.

É bom saber que temos nossa economia está nas mãos de um Banco que não tem transparência alguma, que apenas 50% do que nos chega ao prato é fiscalizado (na comida que segue pros gringos, a fiscalização é mais efetiva), e que além do Estado se abster de algo básico que é a saúde da população, ainda cria uma agência reguladora que joga no time dos planos de saúde.

E graças a isso e muito mais que nós só temos a agradecer ao auto-proclamado maior estadista do Brasil (e quiçá do mundo). Obrigado FCH!

Campinas, 13 de março de 2003

terça-feira, 11 de março de 2003

Na educação, oxigênio

Finalmente, depois da mais pura treva, da mais assustadora ignorância, o Ministério da Educação tem a frente um ser pensante, que pode ser classificado sem ressalvas como humano. Não que Cristóvão Buarque seja perfeito, muito pelo contrário, mas ele já mostrou que é humilde a ponto de voltar atrás quanto a algumas posições defendidas. Algo diametralmente oposto ao seu antecessor, neoliberalóide de quinta categoria, egocentrista, autoritário, orgulhoso, ambicioso inescrupuloso e anti-ético (ufa!), e que teria sido melhor que ministério permanecesse vazio enquanto ele era ministro.
As boas novas escutei pelo rádio: Cristóvão Buarque pretende aumentar o ensino médio de três par quatro anos. Acho que somente isso não é solução para o despreparo com que os estudantes têm entrado na universidade, mas já é um começo. Outra proposta dele é oferecer bolsa de estudos a alunos carentes (bolsas de estudos, não financiamento, tal como ocorre hoje), em troca de trabalho comunitário, em especial os de alfabetização. Domenico de Masi, sociólogo italiano, em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, sugeria exatamente isso para acabar com o analfabetismo no Brasil: a utilização dessa mão de obra ociosa e potencialmente questionadora que são os universitários.
Pode ser que desse ponto surja uma idéia ainda melhor, por que não? Só da questão ser posta em debate (e o que é mais importante: as idéias daí surgidas serem pensadas e pesadas pelo governo) já é uma enorme evolução, comparado aos anos despóticos de FHC e sua corja.
Se na economia Antônio Malan Palocci nos decepciona e nos enoja, nas demais áreas o governo começa a mostrar a mudança prometida.

Campinas, 11 de março de 2003