terça-feira, 11 de novembro de 2003

O caleidoscópio da vida

Não sei se esse desencontro com o mundo que muitos reclamam é privilégio apenas daqueles que tentam seguir um caminho alternativo. Muita gente que soube se adequar ao Sistema também reclama estar sem rumo.

Esperamos que o mundo seja um quadro de Monet, mas ele é um caleidoscópio: os elementos são sempre os mesmos, mas o arranjo muda a cada momento. E tentamos fazer o caleidoscópio parar de girar, mas é inútil: a vida é movimento. Não conseguindo freá-lo, tentamos acompanhar o ritmo do girar, mas tampouco conseguimos: poucos são os que foram treinados o suficiente para compreender os meandros que o fazem girar.

Parece restar-nos duas alternativas: ou se entregar passivamente aos giros do caleidoscópio, ou fugir dele. Entregar-se é besteira: tentar aceitar que o mundo é assim mesmo e que nem da nossa vida temos controle poderá, no máximo, transferir nosso desalento com o mundo, com a vida, para outro ponto, mas não saná-lo.

Besteira também é virar as costas para o mundo: não conseguimos, vivemos nele, impossível fugir. Por isso essa alternativa nada alivia (além de que a única forma efetiva de conseguir o completo distanciamento do mundo e da vida é o suicídio, algo que não recomendo, mas tampouco recrimino).

O que eu sugiro, então, é aproveitar a beleza do caleidoscópio, sem querer pará-lo; não tentar integrar-se totalmente a ele, nem afastar-se demais. Enfim, tentar construir a própria vida, o próprio caminho, num meio termo entre o que se quer, e o que o mundo permite (o que já dá um trabalho danado, difícil de se alcançar, dependendo do que se quer – que o diga Policarpo Quaresma); comemorar cada vitória (presente e passada) ao invés de lamentar os fracassos. E estar sempre preparado e bem disposto para o futuro, mesmo quando este parece sombrio: até mesmo o amargo da vida é doce.


Campinas, 11 de novembro de 2002

sexta-feira, 7 de novembro de 2003

De quatro Brasil!

Na era do tucanato, o Simão costumava vir com a seguinte piada, depois do Brasil apelar ao FMI: diz que o Malan tinha ido aos EUA, acertar o acordo com o FMI, mas no dia da reunião chovia, e para não chegar com a calça suja, o ex-ministro levantou a barra. No elevador, o ascensorista notou que o ministro esquecera a barra levantada e falou: 'senhor Malan, o senhor não
vai baixar as calças?', a resposta do Malan foi 'calma, deixa eu tentar conversar antes'.
Na era do PT, essa piada não funciona, afinal, um governo que aumenta por livre e espontânea vontade o superávit primário pra 4,25% do PIB, os juros para 26% mostra que não está disposto a dialogar: já chega pro FMI de calça abaixada. Então, nada de surpreendente o novo acordo com o FMI, mesmo sem que o Brasil necessitasse. O governo Lula mostrou que não vai pro FMI só de caixa abaixada, mas também já na posição adequada (e quem toma o ferro somos nós).
O que indigna é o PT mostrar que tudo o que ele disse quando oposição era bravata. Na eleição de 98 o partido atacou FHC por não dizer na sua campanha que costurava um acordo com o fundo. Em 2002 o PT também não disse nada à respeito de um novo acordo. Mas o caso do PT é pior, afinal o PT sempre atacou as idas ao FMI, e quem votou nele na última eleição imaginava que assim seria no governo. Afinal, o PT até bem pouco tempo atrás era a favor de uma auditoria e da renegociação da dívida externa. A Folha de São Paulo trouxe quatro frases de petistas sobre o FMI, um bom
exemplo de como o PT é um partido tão ético quanto o PFL ou o PMDB: "Todo país que vai ao Fundo é um país que se mete em enrascada". A frase é do ministro do planejamento, Guido Mantega, e pode não parecer, mas foi dita quando ele já era ministro. Se ele está correto, o Brasil acaba de se enfiar numa bela encrenca, e o pior, sem necessidade.
"O PT não pode se acomodar e achar que é possível o país se desenvolver e crescer dentro dos parâmetros da política econômica que existe hoje. A Argentina está mostrando o desastre para o qual as orientações equivocadas do FMI podem levar". Frase do ministro da casa civil, José Dirceu, em dezembro de 2001. Assim sendo, o espetáculo do crescimento fica, na melhor das hipóteses para 2005. E bem lembrou o ministro do caso da Argentina: De La Rúa caiu porque seguiu as políticas desastradas do governo anterior. "O FMI não existe para ajudar o país ou ajudar o povo. Existe para ajudar os credores". Algum comentário sobre pra quem Lula governa?
E por fim: "O Malan não sabe o que é o desemprego. O presidente FHC e o Armínio Fraga também não sabem. Se soubessem, certamente o Brasil não estaria subordinado à especulação financeira e ao FMI". Pelo jeito o presidente esqueceu o que é desemprego (se é que alguma vez ele realmente soube). Ou então crê que esse é um problema secundário: o importante, antes de mais nada é agradar os mercados, afinal são os mercados que investirão em saneamento básico no Brasil, não é presidente? Pode-se argumentar que o acordo, como o Brasil não estava desesperado, não foi tão ruim, afinal, diminui o superávit, permite investis 2,9 bilhões de reais em saneamento básico e discute-se deixar de contar parte dos investimentos das estatais como gastos.
Algumas observações: 1) enquanto aqui nós apertamos o cinto pra ter um superávit de 4,10%, na União Européia os governos não podem ter um DÉFICIT maior que 2,5% do PIB, e olha que na Europa as necessidades são bem menores que no Brasil; 2) os 2,9 bilhões de reais correspondem a 1,63% do necessário para universalizar o abastecimento de água e esgoto no país; e 3) um governo que se dispõe por conta própria a aumentar o superávit, e pra isso corta gastos sociais, em segurança pública (o governo liberou 4,98% das verbas previstas para o Fundo Nacional de Segurança Pública), na saúde, você acha que vai gastar 2,9 bilhões abrindo buracos sem nenhuma visibilidade eleitoral?
Nessas horas que eu digo: Kirchner para presidente!

Campinas, 07 de novembro de 2003