domingo, 1 de abril de 2007

A ocupação da reitoria da Unicamp: como errar na dose e no momento

Felizmente a ocupação da reitoria da Unicamp por parte dos alunos teve um fim rápido e “feliz”. O reitor, pego de surpresa, não se utilizou do mando de reintegração de posse e da truculência policial, optando por negociar. A vitória rápida dos estudantes, que conseguiram que todas as suas reivindicações fossem atendidas, deve antes de momentos de alegria e discursos de “basta nós nos unirmos que nós conseguimos”, ou gritos de guerras infanto-juvenis “quem disse que sumiu? Aqui está presente o movimento estudantil”, despertar uma séria desconfiança quanto a esse movimento.
Não se pode dizer que foi uma vitória de Pirro, mas quanto pode ter custado a ocupação da reitoria? Creio que o reitor se surpreendeu com a ocupação primeiro porque não houve tentativa de conversa anterior quanto às casas da moradia, conforme me atestaram alguns estudantes que iam de sala em sala, explicando “o que estava acontecendo”; segundo porque a pauta dos RDs vinha sendo discutida há tempos, e caminhava para a solução desejada pelo DCE, conforme atesta panfleto distribuído pelo DCE no fim de 2006; terceiro porque um dos pontos da pauta era esdrúxulo, ridículo e mostrava a completa desinformação do movimento quanto às posturas do reitor, que já havia declarado publicamente contrário às medidas do Serra, divulgado, inclusive, um artigo questionando e se opondo aos “atos do governo Serra” (Folha de São Paulo, 1 de fevereiro de 2007).
E o que significa a vitória da ocupação? Sobre as casas condenadas da moradia, conseguiu que a reitoria aceitasse o bom-senso pedido pelos alunos, algo que não me parece difícil de conseguir se se sentasse para conversar; dos RDs a reitoria aceitou que no próximo Consu esse ponto voltasse à pauta – ponto que foi retirado do último Consu justo por causa da ocupação –; por fim, o movimento também conseguiu que o reitor se comprometesse a dizer o que já tinha dito. O único ponto que realmente só foi conseguido por causa da ocupação da reitoria foi a saída da coordenadora da moradia, a professora Kátia Stancato. Ponto este também questionável, pois havia meios internos para se conseguir isso que não foram tentado – conforme comentou o professor Lourenço, após ter conversando com alguns alunos que expunham “o que estava acontecendo”.
Como eu já havia dito em outra ocasião, a ocupação da reitoria foi um ato despropositado, uma medida drástica completamente desnecessária então. Não houve tentativa de conversa dos alunos quanto ao seu ponto principal – as casas condenadas –, o que desligitima a partir de agora qualquer reclamação do tipo “a reitoria não aceita/não se dispõe a conversar”. Se o movimento estudantil também não se dispõe a conversar, como reclamar isso do reitor? Ocupar o gabinete do único reitor que se posicionou contra os atos do governo Serra é um contra-senso que não merece maiores comentários. E usar de tal medida drástica por tão pouco (no fundo, a única pauta radical era a saída da Kátia), em um momento em que são grandes as possibilidades de uma greve desgastante é desperdiçar um poder de fogo muito grande, que pode fazer diferença num futuro próximo. Ou os alunos acham que se passarem a ocupar a reitoria todo mês vão ter sempre um caminhão da rede Record acompanhando, como se gabavam de contar? A primeira ocupação é novidade, a segunda é circo. Mostrar que uma segunda ocupação é também um ato político dependerá de fortes argumentos e justificativas, coisas que movimento estudantil organizado da Unicamp se mostra completamente incapaz.
Bater na Kátia é fácil, trata-se de peixe miúdo. Serve para inflar o ego e perder (ainda mais) a noção da força do movimento estudantil. E na hora de bater em Serra, Pinotti e Chaves (por sinal, a maioria dos estudantes que participaram da ocupação devem estar bem informados sobre quem é Eduardo Chaves, óbvio, pois não participaram da ocupação só por oba-oba), quatro dias de prato requentado serão suficiente para causar qualquer aos donos do poder?

Campinas, 01 de abril de 2007

quinta-feira, 29 de março de 2007

“Ah, se minha cabeça pensasse”: comentários sobre o movimento estudantil da Unicamp

Juro que tive a maior boa-fé por seis anos, sempre recusando o óbvio, achando que apesar de todas as burrices, aparelhamentos e atitudes injustificáveis do movimento estudantil organizado da Unicamp haveria dois neurônios, um ao menos, na cabeça dos meus pares que se dizem politizados. Mas chega um momento em que não há mais como negar sua burrice e imaturidade. Ações drásticas servem para situações drásticas. Se tais ações se tornam corriqueiras, anuais, deixam de ser drásticas e, conseqüentemente, vão perdendo eficácia conforme são banalizadas – vide o exemplo das greves, que têm quase todo ano, cada vez com menos adesões (esta crítica à banalização da greve não serve só para os alunos, como igualmente para o movimento docente).
Apesar de ter ficado sabendo antes, fui me inteirar sobre a ocupação da reitoria somente no dia seguinte, quando vi que o negócio era realmente sério, e não havia sido feito no oba-oba de um momento de euforia hormonal estudantil. Mas desde o início algo parecia meio fora de ordem nas reivindicações estudantis.
O problema das casas do bloco-B na moradia. A reitoria fez o mínimo que se esperava dela em tal situação, e ainda que pudesse (talvez devesse) fazer mais, não justificaria uma ação drástica. O que se fazer quando uma casa está com avarias estruturais? Deixar os alunos lá até cair, ou isolar para reformar? Nesse ínterim, o que fazer com seus moradores? A ajuda oferecida pela reitoria de R$ 200,00 por mês daria para cobrir os custos de uma temporada fora da moradia (com sobras), enquanto fosse feita a reforma. Havia o considerável porém de que achar vaga fora da moradia não é tão fácil e locar uma casa – como sugerido pela resposta do reitor posta na página da universidade – implica em assinar um contrato de um ano. A reitoria bancaria esses R$ 200,00 por um ano, mesmo depois das casas terem sido reformadas? Não há indicação na página do DCE de que houve qualquer tentativa de conversa desse gênero. O resto da pauta concernente à moradia, que vêm de longa data, os alunos perderam uma ótima oportunidade para sentar e pressionar, se aproveitando da oportunidade recebida.
Ocupar a reitoria para pressionar pela homologação dos representantes discentes eleitos na escolha organizada pelos alunos, quando havia comprometimento da reitoria nesse sentido, é, para dizer o mínimo, burrice. Já disse, ações drásticas são feitas em situações drásticas, não quando se está conversando e se caminha para a solução defendida pelos alunos – conforme informavam panfletos distribuídos no final de 2006. Mas o mais interessante é que quando a reitoria, em 2004, então sob o mando do Brito, resolveu que os representantes discentes seriam escolhidos em eleição feita pela reitoria, os diversos grupelhos de stalinistas-acéfalos que disputavam o aparelho – PT, PSTU, PT-futuro-PSOL, trotskistas-radicais e outros tão ou mais infantis que – preferiram dar prioridade à disputa entre si pelo aparelho do DCE ao invés de se unirem contra a reitoria e realizarem um ato como o que hoje acontece, o que seria plenamente justificável. Sem qualquer reação dos estudantes não foi difícil à reitoria homologar a sua risível eleição para “RDs”.
Mas, sem dúvida, o mais patético é a reivindicação de um posicionamento contra os atos do governo Serra. Quando vi essa reivindicação, por um instante pensei: estou com a memória tão ruim assim? Fiz uma pesquisa na internet para me tranqüilizar de que não precisava urgentemente buscar um psiquiatra, e também para evitar falar besteiras. Lá estava: vários comentários do reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, criticando os atos do governo Serra, e, não somente isso, um artigo no principal jornal do país, a Folha de São Paulo, no dia 1 de fevereiro, questionando tais atos e se posicionando contra o governador. É sabido também que a comunidade universitária em peso têm-se oposto a tais atos, o que os alunos querem ocupando a reitoria? Que o reitor diga o que disse? Se ele disse, e não voltou atrás, porque esse ato para exigir o que é? O IEL que se cuide...
Fosse o movimento estudantil feito por novatos, inexperientes, mas está muito longe disso: há seis anos havia aquelas pessoas que já eram do movimento há muito tempo, e que persistem ainda hoje, com as mesmas idéias, as mesmas atitudes. Não somente isso: muitos do movimento estudantil são políticos profissionais, filiados a partidos há quase uma década, apesar de não terem muito mais do que duas décadas de vida, disputam e ocupam DCE e CAs há vários anos, e sabem negociar e barganhar entre os pares e com diretores de instituto em matérias que lhes dizem respeito. Mas de vez em quando gostam de uma pirotecnia. Não sei se porque a adolescência lhes custa a passar, se por problemas cognitivos que lhes impedem de amadurecer – pior, lhes impedem de pensar! –, ou se porque o partido disse que o melhor momento para “ações radicais” são os inícios de ano, em que os alunos ingressantes ainda não entendem nada de nada e aceitam passivamente servir de gado para tais ações.
Alguns alunos justificam a ocupação atual remetendo à ocupação da reitoria em 2004, durante a greve, como se toda ocupação fosse igual e não houvesse qualquer distinção entre aquele momento e aquelas reivindicações e o momento atual, as reivindicações atuais. Em 2004, quando a greve já caminhava para seu segundo mês e o reitor da Unicamp, também presidente do CRUESP, negava a existência do movimento – a página da Unicamp não havia feito qualquer menção até então –, a ocupação da reitoria, aliada à volta dos funcionários à greve e o recrudescimento do movimento destes – fazendo piquete no bandejão, por exemplo –, foi um dos fatores determinantes para a virada e sucesso do movimento. Qualquer comparação entre as duas ocupações serve apenas para mostrar a estupidez da atual.

Campinas, 29 de março de 2007