sexta-feira, 3 de abril de 2009

Os EUA e a imprensa brasileira

A grande imprensa brasileira corre sério risco de se ver em apuros. Não falo aqui em apuros financeiros, como no resto do mundo, mas de legitimidade, mesmo, como no resto do mundo também.
Primeiro foi com o último plebiscito de Chávez na Venezuela. Integrantes desde os primórdios da “internacional anti-chavista”, como diz Jânio de Freitas, a imprensa teve que engolir a seco o relatório do governo estadunidense que certificava a legitimidade do processo, depois de todas as reportagens divulgadas que provavam o contrário.
Agora é a vez de Barack Obama dizer que Lula “é o cara”. Pior: o presidente dos EUA falou isso menos de uma semana depois de Lula, em mais um de seus arroubos de verborragia improvisada, ter dito que os responsáveis pela crise financeira atual eram os “brancos de olhos azuis”. Frase precária, mas de menor importância, à qual a grande imprensa destes tristes trópicos fez grande alarde, fazendo questão de levá-la ao pé da letra, ignorando qualquer possibilidade de metonímia ou figura de linguagem que a última flor do Lácio (inculta e bela?) permite.
Desse jeito, os EUA tem posto a imprensa tupiniquim em aporia: ou ela vai ter que dizer que Obama é um engodo e não é um líder, ao contrário do que se diz no mundo todo; ou vai ter que admitir que Lula não é um governante tão horroroso quanto tem tentado pintar nos últimos seis anos, que alguns pontos positivos (além da ortodoxia econômica) ele deve ter para merecer elogios de alguém que imprensa não cansa de elogiar. Ou seja, ou a imprensa dá provas de independência (dos fatos), ou admite que o mundo não comporta mais a divisão tão preto e branco como nos (saudosos?) tempos da guerra fria, esquematismo que ela se mostra longe de conseguir superar.

Campinas, 03 de abril de 2009


Publicado em: www.institutohypnos.org.br

domingo, 29 de março de 2009

Uma cena banal

Antes do jogo Guarani e Corinthians, a PM perseguiu alguns torcedores. Não sei se estavam vandalizando ou se eram suspeitos de poderem vandalizar. Na perseguição, a viatura se chocou com um carro que estava estacionado e cujo dono trabalhava no desmonte das barracas da feira da praça do Centro de Convivência, em bairro nobre de Campinas. O dono do carro e seus amigos pararam de trabalhar e foram reclamar com os PMs sobre o carro batido.

Logo mais 5 viaturas chegaram ao local (estavam em 7 agora). O grupo foi até os recém chegados reclamar dos colegas. Não só pelo carro batido, como pela boca inchada de um e o braço com hematoma do outro. Falavam indignados, ainda que sem faltar com o respeito. A polícia mandou circular. Seguiram parados. Cerca de cinco PMs cercaram o dono do carro. Algemaram-no. A "platéia", saída do teatro para ver o que acontecia, reclamou. "Vai preso por desobediência". Uma funcionária do teatro interveio. Em vão. Já algemado, o rapaz levou dois tapas na orelha (que eu vi). Como ali não havia louco, ninguém tentou saber o nome do PM que agrediu a pessoa, até porque reclamar para quem? Para corregedoria da PM, que abrirá um IPM que não fechará nunca e o denunciante ficar com medo de represálias? O grupo de trabalhadores, misturado à platéia, seguia reclamando da ação. "Vem aqui e fala na cara, se for homem", desafiou um policial, na hombridade da sua farda. O rapaz mais exaltado, pedra de gelo junto ao lábio, não foi. Finalmente o dono do carro foi levado à delegacia e o grupo voltou ao trabalho, agora sim com qualificativos desrespeitosos aos mantenedores da ordem (e sabe-se lá de que lei).

Fiquei ainda um tempo ali. Indignado com a cena e horrorizado ao me dar conta de que não há para onde fugir. Pelo menos dentro do nosso Estado de Direito. Na ditadura Chico pedia para chamarem o ladrão. Seria isso recomendável em tempos de PCC? Nessa hora, temi por não ver alternativas.


Campinas, 29 de março de 2009


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