terça-feira, 1 de setembro de 2009

A quinta sinfonia, de Mahler

Não entendo patavinas de música, assim mesmo me arrisco a escrever sobre (se eu fosse só falar do que entendo, nunca falaria nada). Escrevo, então, como alguém que gosta e não como alguém que entende, correndo seríssimos riscos de não sair de rasteiros clichês senso-comum.
Se não for a minha favorita, a quinta sinfonia, de Gustav Mahler, é uma das, e admito que assistir à sua execução ao vivo pela Sinfônica de Campinas, dia 31 de agosto, sob a regência de Lígia Amadio, foi uma emoção.
Composta pouco depois do compositor ter problemas de saúde que quase o levaram à morte, a sinfonia traz o peso, a gravidade desse encontro que inexoravelmente faremos logo no tema com que abre o primeiro movimento: passa a impressão de uma chamada dos Hades. É uma abertura do nível da quinta sinfonia de Beethoven, ainda que não do mesmo poder de concisão.
A gravidade desse tema de Mahler, ao contrário do que se pode imaginar, não parece vir do encontro com a morte, mas do permanente conflito que, quando em vida, travamos contra ela - seja para sobrevivermos, seja para vivermos. Tanto que a sinfonia não adquire as cores pessimistas do réquiem de Mozart, por exemplo, nem a suave redenção do réquiem de Fauré. Afinal, apesar desse marcante tema inicial, de o primeiro movimento ser uma marcha fúnebre, de reiteradamente se ouvir o chamado do Hades nas duas primeiras partes, a música está tratando de vida, em todos os seus aspectos - inclusive do seu fim.
Daí que ela, apesar da gravidade que a perpassa do início ao fim, oscila momentos de luminosidade e momentos sombrios, de tristeza e de alegria, de calma de agitação de tormento. O quarto movimento, já na terceira parte da sinfonia, um adagietto, flutua doce como os melhores sonhos - os quais nem sempre são realizados. Já no quinto, o metal no início cria a expectativa de novo chamado do Hades, mas ele não vem, e o que temos é um movimento alegre e festivo, como a coroar essa existência que começa com o aviso de que o Hades nos espera. Ao término da sinfonia, é seu tema inicial que nos marca, é a trombeta chamando do Hades que cantarolamos na saída do teatro. Tal ressoar não nos traz o temor da morte, apenas nos lembra que essa travessia é parte da vida.

PS: A Sinfônica de Campinas apresentará a quinta sinfonia de Mahler dia 18 de outubro, na Sala São Paulo, às 11h.

PS2: Vi que tem para baixar a referida sinfonia em www.karadar.it

Campinas, 01 de setembro de 2009

Publicado em www.institutohypnos.org.br

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Mil utilidades. Para quê mesmo?

Houve um tempo em que para cada atividade havia um equipamento específico. Para escrever um texto, papel e caneta ou máquina de escrever; para ouvir música, usava-se um rádio; para ver tevê era necessário um televisor, o qual, se acoplado a um video-game permitia jogar jogos eletrônicos, ou se a um video-cassete, permitia assistir a filmes. Se se quisesse filmar seus próprios, fazia-se mister um trambolho chamado filmadora (vinha numa mala preta). Uma máquina fotográfica - desde que não as profissionais - era muito mais prática, mas só permitia tirar fotos. As únicas coisas que se tinham mil utilidades eram o canivete suíço e uma marca de palha de aço.
Coisas do século passado. Hoje critica-se um leitor de livros eletrônicos por só permitir ler livros. Quanto desperdício: um aparelho para apenas uma função nestes tempos de tudo faz tudo!
De minha parte, começo a notar que vou ficando para trás nesta época multi-uso. Ligo o computador para escrever uma crônica. Antes de desfilar meus dedos pelo teclado, ligo programa de ouvir música. Dou uma checada rápida no e-meio: vai que aquele e-meio inesperado que vai mudar minha vida e que há tanto tempo espero chegou justo nesses quinze minutos desde a última vez que acessei a internet. Nada. Às vezes penso que é por conta de eu ainda preferir escrever cartas. Aproveito também para ver notícias do meu time, por mais que não seja grande entusiasta de futebol. No embalo, lembro de jogar qualquer jogo - rapidinho, uma partida só. Depois dessa partida começarei a fazer algo que presta. Mas descubro que há novas músicas do Radiohead. Vou em busca. Vejo as horas, um compromisso me impede que eu comece a escrever - mas não de pôr um disco do Sigur Rós para baixar. Menos mal que não tenho orkut nem uso msn, ou era capaz de perder esse compromisso também.
Desligo o pc e decido: mais tarde, quando retornar à casa, se eu lembrar sobre o que eu iria escrever, escrevo no papel e uso o computador só para passar a limpo. É... "na minha época" se concentrar era algo bem mais simples.

Campinas, 26 de agosto de 2009


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