sexta-feira, 9 de julho de 2010

Receita para um crime de sucesso

Como o interesse pela Copa, e todas as discussões que ela acarretava – técnico, imprensa, craques, refeições dos jogadores, etc –, acabou mais cedo, a imprensa foi em busca de notícias com que rechear a monotonia do dia a dia das cidades.
Teria as enchentes no nordeste. Contudo, além de enchente ser algo um tanto rotineiro nestes tristes trópicos, já era notícia velha, por mais que tenha ficado em enésimo plano frente os guerreiros rumo ao hexa. Haveria as eleições, porém ainda está longe a data de votar, que é quando o assunto vira papo nas esquinas e merece destaque.
Mas eis que a imprensa conseguiu juntar três das principais paixões do país: futebol, sede de sangue e espírito de justiça. Desde 2008 ela vinha tentando criar um novo caso Isabela, mas não encontrava um que emplacasse, por mais que tentasse repetir os elementos. Pelo visto, o caso do goleiro Bruno será assunto para longos e acalorados debates sobre o quanto ele é culpado e o quanto deve ser punido. A imprensa fará a festa, com aumento da sua audiência, os apresentadores policiarescos babarão de alegria, e o povo se ocupará com esse esporte sub-lúdico que só perde em preferência, ao que tudo indica, para o futebol.
Receita de furo jornalístico-policial de sucesso:
Em um programa jornalístico pretensamente sério, junte uma criança com uma morte mal resolvida (pode ser da criança ou não) e reserve. Ao mesmo tempo, coloque os suspeitos para negar relação com o crime. Junte os dois com uma pitada de investigação, ou algo que se pareça com, preferencialmente com reconstituição do crime (estes ingredientes darão o toque CSI do prato, que faz com que seja um sucesso). Depois de rápido aquecimento do caso, salteio os ex-suspeitos, agora criminosos, com doses de discurso de “direitos humanos para humanos direitos”. Manifestações e gritos de “assassinos” dão um tempero extra – desde que devidamente televisados, claro. Além de políticos e Datenas, pode-se acrescentar religiosos ou filósofos para justificarem a pena capital.
Está pronto para servir o caso. Necessário que seja servido quente, pois assim que esfria perde a graça e se torna necessário achar um novo bode expiatório para nossa vidinha miserável.

Campinas, 09 de julho de 2010.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Meu amigo Gato

Quantos anos vive um gato? A dúvida me veio com as primeiras luzes do dia, quando, pela janela, vi um felino prestes a fazer uso santiário do meu diminuto quintal. Assutei-o. Porém, ao invés de fugir espantado, se aproximou e começou a miar. Reconheci: era o Gato!

Gato (certamente deve ter outro nome, mais criativo e condizente) é uma gata, ao que tudo indica prestes a cumprir com o mandamento bíblico, e que desde 2008 andava sumida. O que não era de todo ruim, admito, porque além de banheiro, ela costumava trazer seus paqueras (dizem que aquilo é acasalamento de gatos, como não sou entendido, acreditei) para meu quintal nas madrugadas. Sei quando é o Gato não só por ela não fugir quando apareço, como por responder quando mio para ela (ou será que sou eu que respondo quando ela mia para mim?), o que já me causou certo constrangimento na frente dos amigos. Outro sinal de que é ela, é a insistência do bicho em entrar na minha casa. Isso desde 2003.

Daí que me veio a dúvida sobre quanto vive um gato: cogitei se ela já não teria morado aqui, quando tinha realmente um dono, e não um cara que um dia comprou o peixe errado pra receita e fez a sua festa por dias. Porém, até onde me lembro, a pessoa que morou antes de mim nesta casa - três anos, ao menos - não tinha gato, mas três cachorros: uma chatíssima de pequeno, outro de médio, e outro de grande porte - o qual babava horrores. Sei que cachorro vive lá seus quinze anos. E gato?

Isso era fácil de descobrir: bastava ligar o computador (que, novo, não leva mais seis minutos para estar pronto) e perguntar pro Gugou. Estaria ali a resposta, em milisegundos, pronta para saciar minha curiosidade - essa e outras -, exterminhar minha questão e matar a chance de pensar tantas coisas à respeito, me divertir com o fato e desfrutar da dúvida. Pelo mesmo ralo virtual de certezas iria também esta crônica.


Campinas, 30 de junho de 2010.