quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Notas sobre o primeiro debate [eleições 2014]

Escutei apenas aos dois primeiros blocos do primeiro debate entre os presidenciáveis, organizado pela rede Bandeirantes de comunicação (sic). Pelo que conversei com meu pai e li alhures, não perdi muito ao preteri-lo por Norwegian Wood, do Haruki Murakami. Meu pai achou que Genro foi a mais clara nas suas falas, nas suas posições, nas suas críticas e propostas. Em algum canto da internet li um texto perplexo por Boris Casoy ter feito casoyzadas nas suas perguntas (desta feita não era sobre Deus, que quanto a isso todos os candidatos são ferrenhos religiosos). De minha parte, do pouco que acompanhei, não esperava nada de nível elevado, e não me decepcionei - o que considero positivo, dado o estado do debate político conduzido pela nossa Grande Imprensa. 
Levy Fidelix foi além do aerotrem e defendeu propostas fascistóides. Pastor Everaldo, acreditando ter alguma chance, evitou aplaudir a violência homofóbica (deveria considerar isso positivo, ou não há ponto positivo nesse tipo de hipocrisia?). Luciana Genro eu classificaria entre o insosso e o precário. Perdeu a oportunidade de apresentar e defender bandeiras de esquerda na pergunta sobre segurança pública - como desmilitarização da polícia e os direitos humanos - para se apresentar ao público, e quando quis fazer alguma piadinha a la Plinão - ao comentar que ninguém perguntara para ela - acabou soando uma criança mimada. Suas críticas - à predominância das finanças, por exemplo -, ainda que não as julgue inválidas, me parecem equivocadas, visto que, dado sua abstração, seu caráter demasiadamente macro, não geram qualquer reflexão ao eleitor, servindo tão-somente de discurso aos convertidos: favorecer os bancos é ruim por que? Se a vida do eleitor médio melhorou, e ele conseguiu até mesmo comprar um carro ou mobiliar a casa graças ao financiamento de algum banco ou financeira, o que há de ruim com eles? Os que já aceitam essa visão mas tem um pé na realidade, a questão é como fazer: Dilma tentou baixar os juros e se deu mal, sendo bombardeada por todos os lados. Enfim, se a partir do terceiro bloco Genro conseguiu mostrar seriedade na sua participação, foi por conta de mudança radical frente os dois primeiros blocos. O destaque nesses blocos, na minha opinião, foi Eduardo Jorge, do PV. Trazendo à tona questões micropolíticas de esquerda, como legalização das drogas (ponto fundamental para a redução da violência e criminalidade, segundo ele) e a legalização da interrupção da gestação. 
Dilma fez o que era de se esperar de quem busca a reeleição, é líder nas pesquisas e favorita, e está num cenário hostil a ela e ao seu partido: vestida com o figurino de gerente que a elegeu em 2010, cuspiu números tentando se defender. Aécio mostrou que como herdeiro de FHC, só defende seu legado à direita: quando questionado por Jorge sobre aborto, seguiu a linha do PSDB paulista e optou por disputar com Marina, Dilma e pastor Everaldo o voto mais reacionário. Perdemos todos com essa posição. 
Marina foi o outro destaque do trecho a que assisti. Para além do discurso publicitário, a candidata mostrou não possuir nada. A primeira coisa a ser notada na ambientalista que acha que o código florestal é secundário diante da tentativa de assumir o poder do PV, é que ela equivocou ao mudar para o PSB: nem de direita, nem de esquerda é o partido do Kassab, o PSD. A seguir, chama a atenção sua humildade: depois da "providência divina" que escolheu matar seu colega de chapa para que ela concorresse, se propõe a uma tarefa que Jesus não alcançou: agradar a todos e governar com os melhores - sejam seus amigos ou inimigos. Sua modéstia é perceptível quando fala em ser eleita e não ungida. Piadas à parte, o que me chamou a atenção nas três falas da candidata da providência divina foi que ela sempre se remeteu ao falecido companheiro de chapa: ficou claro que é sua estratégia explorar a desgraça alheia para angariar votos. Ademais, sua retórica se mostrou desprovida de plano de governo. Resta, então, a dúvida: quanto tempo ela consegue sustentar seus índices nas pesquisas com base no discurso de emoção e vazio de conteúdo? Não me surpreenderia um fenômeno a la Celso Russomano, que, em 2012, quando saiu da abstração retórica para propostas concretas caiu mais rápido que subiu. É certo que Marina não é Russomano, possui longo histórico de política e de propostas (majoritariamente vinculadas à questão ecológica, o que é ótimo para um representante legislativo, não para o executivo), mas engessada pelos acordos firmados por Campos, sua tentativa de não rompê-los com estardalhaço pode lhe custar caro - tanto quanto mantê-los ou rompê-los com alvoroço. Marina se pôs a difícil tarefa de explicar porque é a nova política quando seus acordos e seu séquito são da velha política.

São Paulo, 28 de agosto de 2014.

Hoje acordei leve [memórias feitas de saudades]

Chego em casa onze e cinqüenta e oito da noite, silêncio me habita. Nem leve, nem pesado: silêncio. Faz um ano. Seguimos nossas vidas, carregamos sua ausência. Sua mãe comentou: "geralmente levo bem, mas tem dias que bate uma tristeza, uma saudade". Imagino. Ou melhor: sei como é - porque a dor da sua família é a mesma que a dos seus amigos. Após as badaladas para o início da missa - na mesma igreja na qual você e seus irmãos foram batizados -, uma garoa fina começou a cair, acompanhando os olhos cheios d'água de Djalma e meus, relembrando aquele fatídico vinte e oito de agosto de dois mil e treze. Não faz sentido - é tudo o que consigo concluir do abismo que se abriu sobre meus pés depois daquele telefone no meio da madrugada. Sei que a sensação de Djalma, depois do telefonema no meio da manhã em Brusque, foi a mesma. Relembro agora de quando nos encontramos, no velório, no dia seguinte: foi o abraço dele - como de tantos outros amigos - que evitou que eu desabasse de vez. Mas a falta de sentido continua - e eu busco você nas coincidências surgidas depois da sua morte: o copo, os e-mails, Luis Gotardo. Na sua casa, a pizza não foi paga com seu VR (que eu não conseguia decorar a senha). Cigarro, café, Coca: cadê você? O QGinho povoado por recordações. As lágrimas me sobem. Seus livros não estão mais nele - sua mãe comprou uma estante nova para a sala. Vejo no mural uma nota de jornal que eu nunca reparara: Se Da Vinci fosse pop. É você na foto da matéria, dois mil e quatro. No elenco, seus amigos. Do curso de teatro surgiram, mas a impressão é que amigos eram desde antes, desde sempre: ali apenas se encontraram. Vocês encenaram Beckett. O absurdo, a falta de sentido (e me pergunto se algum dia te mostrei minha peça "O silêncio", um continuando Godot). Apago a luz, uma tênue claridade branca entra pela janela, o alumínio da escada se destaca: silêncio. Silêncio, apesar da conversa animada na cozinha. Há tristeza, tristeza de saudade - muita. Mas não é uma tristeza pesada. Eu havia notado ao despertar, ciente de que dia estávamos, que eu acordara leve - estranhamente leve. À noite, entendi o porquê, no "Porra, Marcos", do Marcos, no texto das intersecções da cidade e dos afetos do Yane, na conversa com Lauro, no abraço de Djalma, no acolhimento da sua família, no café na sua casa, no sorriso dos seus pais e seus irmãos, na foto sua com Matheus e Victória, sorrindo com língua de fora para a câmera: você nos povoa - você nunca partiu.

São Paulo, 28 de agosto de 2014.

Para Patrícia Misson, que me povoa, como a tantos outros.