terça-feira, 2 de setembro de 2014

Picotes eleitorais


Ao que tudo indica, Marina Silva "russomanizou" mais cedo do que era de se esperar: tão logo saiu das generalidades abstratas para propostas concretas, tropeçou nas próprias pernas (e alheias, postas por seus aliados), e para quem já era vidraça, abrir a guarda pode ser mortal - pedras é o que não falta. Ao obedecer a ordem do pastor Malafaia, e voltar atrás na sua política sobre homossexuais, Marina viu sua credibilidade escorrer entre pessoas mais à esquerda, desiludidos com o petismo e críticos à imiscuição entre Estado e religião. Pior: para quem tenta vencer eleição para o executivo sem base legislativa, é importante o culto à personalidade (quer dizer, isso no Brasil é importante com ou sem base) e a demonstração de força, para garantir a aura salvacionista (Collor em 1989, Heloísa Helena em 2006 e Marina Silva em 2010). A hesitação da candidata do Rede vai refletir na confiança dos eleitores que ainda hesitavam se votariam mesmo nela. Não está perdida, mas terá trabalho para recuperar a imagem.
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Na segunda-feira, em sua coluna no Valor Econômico, o filósofo Renato Janine Ribeiro, entusiasta de Marina Silva, apresentava contradições do programa de governo da candidata, como quando esta falava em ampliar a participação popular na política e, na hora de indicar ações concretas, propôr unificação de todas as eleições, com mandatos de cinco anos: tamanho intervalo, comenta o filósofo, só ajuda a desmobilizar ainda mais a discussão política. Concordo com ele e desde muito defendo que as eleições deveriam seguir a cada dois anos, porém unificando eleições executivas em uma das datas e eleições legislativas na outra.
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A Grande Imprensa, por seu turno, age como biruta de aeroporto que tenta mudar a direção do vento. Primeiro dizendo do medo petista com vitória de Aécio no segundo turno, enquanto todas as pesquisas indicavam vitória da presidente no primeiro turno. Agora o PT teme Marina que, pelas últimas pesquisas ganharia no segundo turno (o detalhe é que as mesmas pesquisas indicam que três quartos dos votos de Marina ainda são influenciados pela comoção com a morte de Eduardo Campos). Raymundo Costa, precaríssimo colunista do jornal Valor Econômico (dos grupos Folha e Globo), fala que Aécio Neves e o PSDB cogitam renunciar à disputa para apoiar Marina Silva. Talvez ele tenha alguma informação privilegiada. E essa informação é algo como a decisão de acabar com o PSDB: não faz sentido renunciar à campanha para se juntar a uma ex-petista, simplesmente para derrotar o PT. O PSDB perderia credibilidade e boa parte do seu eleitorado fiel, e Aécio viraria, na melhor das hipóteses, um morto-vivo político.
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Brizola, que não deve ter um descanso muito tranqüilo na tumba, diante do que foi feito dos partidos nos quais fez história - o PTB de Vargas e seu PDT pós-golpe -, revolve-se ainda mais em tempos de eleição. Na propaganda do rádio ouço um candidato a deputado pelo PDT, coronel qualquer coisa, criticar o estado frouxo, a parcimônia com a criminalidade - justo no partido de quem foi acusado pela elite carioca de desrespeitar os desrespeitos aos direitos humanos pela polícia militar nas favelas do estado. Na rádio Estadão, em entrevista antes do debate do SBT, Brizola é citado pelo Pastor Everaldo. Definitivamente, a um dos personagens mais importantes - se não o mais importante - da política brasileira da segunda metade do século passado, nosso Cipriano Barata do século XX, ser citado por pastores, ver seu partido dar guarida a policiais raivosos e a representantes da rede Globo (Lasier Martins, no Rio Grande do Sul), não faz jus à sua luta.

Para relembrar:

São Paulo, 02 de setembro de 2014.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Tonolec: de quando a cultura indígena não está morta

Uma coisa que aprendi logo que mudei para Sampa foi não me limitar ao consagrado - às vezes acabo por evitá-los por conta das filas ou dos valores -, e arriscar atrações desconhecidas, motivado pela descrição, pelo cartaz, ou por escolha aleatória. Às vezes - a minoria - me dou mal. Outras poucas, me dou muito bem. Foi este o caso nesta sexta, quando fiquei conhecendo a banda argentina Tonolec, dos músicos Charo Bogarín e Diego Pérez, que se apresentaram na Galeria Olido, na Avenida São João.
A proposta da Tonolec é arriscada: misturar música dos povos autóctones do norte argentino (toba, mbya guarani, etc) com música eletrônica. Calcados em mais de uma década de pesquisa e respeito não-museológico pela cultura indígena, o resultado é de alta qualidade: músicas envolventes - mesmo as mais diferentes do que estamos habituados pela indústria cultural -, cantadas pela bela voz de Charo - não só em castelhano, como nas línguas locais -, reforçadas pela presença de palco marcante dos músicos, principalmente de Charo.
Tonolec não se limita a trazer cultura exótica e música folclórica engessadas em alguma sacro-santa forma primeva para o consumo de turistas. À pesquisa da música tradicional segue-se o trabalho sobre esse material enquanto cultura viva - aberta, portanto, a mudanças, de onde a junção com a eletrônica. Cultura viva porque tampouco a mata ao encaixá-la em fórmulas prontas para pasteurizar o diferente em um produto para consumo rápido e descartável - a exemplo da Axé Music e Tchê Music, ou da música chaabi enformada (e deformada) em um dance-pop a la Festa no apê. (Parênteses: não sou grande entendido de música, mas numa puxada rápida pela memória, só me vem o disco Roots, da banda Sepultura, fazendo recentemente trabalho parecido, de incorporação e fusão com músicas indígenas).
Como Charo explica em certa altura do show, Tonolec é o nome em língua toba para uma ave local - a caburé -, famosa pelo seu canto hipnótico: não vejo nome mais apropriado! E tenho certeza que as pessoas presentes na Olido, sexta, assim como eu, esperam por um retorno breve por estas paragens.

São Paulo, 29 de agosto de 2014

Para saber mais: www.tonolec.com.ar ou no Fakebook