terça-feira, 9 de setembro de 2014

O destino manifesto de José Serra: fundar e afundar o PSDB

Se de início não empolgava, a candidatura do tucano Aécio Neves agora definha - graças à entrada de Marina Silva na corrida eleitoral. Não creio que Aécio possa já ser excluído do segundo turno, porém é uma tarefa cada vez mais árdua, dificultada por cálculos estratégicos do PSDB, preocupado em não queimar pontes com a candidata da providência divina. Estar nessa situação incômoda - alguns analistas apontam a possibilidade do PSDB se tornar um partido médio no congresso após estas eleições - não deve ser posto na conta do mineiro, pelo contrário, ele corre o risco de pagar pelos erros alheios. Erros da cúpula do PSDB ao aceitar a candidatura de José Serra, em 2010. Tivesse disputado a presidência há quatro anos, como era seu intuito, Aécio seria conhecido nacionalmente e estaria próximo do patamar de votos de Marina. Isso para não falar na guinada à direita mais reacionária dada por Serra (em direção a Alckmin, é verdade, mas até então essa direção era mais aflorada no PSDB paulista e escamoteada no nacional), reforçada por Aloysio Nunes no senado federal - um desserviço não apenas para o partido como para o país.
Ocorre que o PSDB parece ser, diferentemente do PT, um partido que não aprende com seus erros. Deu a legenda para que Serra disputasse a prefeitura paulistana em 2012 e agora a vaga no senado.
Serra tem chances de vencer a disputa contra Suplicy: pesquisas dão empate técnico entre os dois - se é que pesquisas valem algo, em 2010 Aloysio Nunes teve um milhão de votos a mais do que apontavam as pesquisas -, e o tucano conta com a candidatura de aluguel de seu pupilo político, Kassab - que até então eu não entendia por que estava disputando o senado e não a câmara, muito mais importante para o futuro de seu partido. Ouço a vinheta do PSD: pergunta se o eleitor lembra de algum projeto de Suplicy voltado para São Paulo. Pergunta capciosa - eu mesmo não lembro, e olha que sou costumaz ouvinte da Voz do Brasil. Mas logo me dou conta: também não lembro de nenhum da Marta ou do Aloysio. Assim como não lembro de projetos para o Paraná propostos por Roberto Requião, Álvaro Dias ou Gleisi Hoffman. Pouco depois vem a propaganda de Serra, prometendo defender a grandeza de São Paulo no senado federal - só faltou a música do Ira! "Pobre São Paulo" como trilha sonora. O mais alarmante: seu discurso claramente fascistóide, de orgulho varonil do solo, encontra eco na população paulista - ao que tudo indica, principalmente numa classe média remediada e ignara (apesar de seu diploma da USP ou da PUC) e desiludida por não conseguir alcançar a parte rica da Belíndia, tendo que conviver com a rafuagem ascendente, seus iguais só que mais pobres (de grana): e se o Nordeste alcançar São Paulo?
Se vencer a disputa pelo senado, não me surpreenderia Serra insistir no seu destino manifesto de ser presidente do Brasil e concorrer em 2018. Entretanto, se perder, o estrago para o PSDB pode ser enorme - aí sim eu poria o PSDB sob forte risco de se tornar uma legenda média, se tiver sorte. A cada eleição majoritária que Serra concorre, portas são fechadas a possíveis novos nomes do partido. Se a disputa em 2010 tem custado a deste ano, a de 2012 custará a de 2016 e já dá para vislumbrar a conta destas eleições em 2018: supondo que Alckmin se reeleja, mais provável que ele dispute uma vaga no senado, junto com Aloysio, ou a presidência da República, se Aécio sair queimado e Serra não conseguir, outra vez, a vaga. Que outro nome de projeção estadual tem o PSDB para disputar o executivo? O campineiro Carlos Sampaio, que não ganha nem a prefeitura da cidade? O Matarazzinho, envolvido nos casos de corrupção do Metrô e da CTPM? Serra de novo? A disputa pela prefeitura de São Paulo, em 2016, seria a saída para fazer um novo nome para disputar o estado dois anos depois - porém esse nome teria mais força somente para 2022.
Quem me conhece sabe que não tenho qualquer simpatia com o PSDB, mas tampouco encampo o anti-tucanismo visceral. O que lamento é a guinada ao reacionarismo udenitsta dada pelo PSDB de São Paulo, especialmente por Serra, em 2010 (de onde a míngua do partido ser positiva), e a ausência - temporária, creio, espero, porém por quanto tempo? - de um interlocutor de peso com o PT federal. A incompetência do PSDB em defenestrar Serra pode custar mais do que ao partido: à própria democracia liberal burguesa tupiniquim.

São Paulo, 09 de setembro de 2014.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O homem sem resistência

(Livre interpretação de Black Out, da Plataforma Shop Sui)


"O homem sem resistência" - se eu precisasse resumir em uma frase a coreografia Black Out, de Fernando Martins, da Plataforma Shop Sui. Algo bastante pertinente, diante do que diz o programa, de que a obra "relata os demônios interiores que atormentam um ser nas últimas horas de sua existência": há como resistir ao indefectível? Minha leitura, contudo, não foi de alguém em suas últimas horas, mas de um indivíduo em seu dia-a-dia, alguém que vive a vida que lhe permitem, se adaptando ao que há, sem questionar o porquê, tentando poupar o peito para evitar a dor.
Diante de um trecho de música repetido exaustivamente, compulsivamente, presenciamos um corpo que parece não pertencer ao seu sujeito - o qual está mais preocupado em desviar das luminárias e seguir para o próximo foco aceso. Em um trabalho corporal de impacto, vemos o intérprete fazer alegorias a, citações de movimentos estereotipados. Movimentos executados com precisão, mas que não lhe pertencem. E nesse estranhamento do sujeito consigo, não só os movimentos se desfazem, como o próprio corpo se desfaz. Mais: se desfaz enquato pessoa, em quanto sujeito. De não resistir em não resistir, de foco em foco, de ordem em ordem, ao não encarar essas pequenas e banais violências mudas, não opôr resistência a elas, fugir do enfrentamento, da dor, o sujeito vai sendo reduzido e massacrado em sua humanidade, ele se zoomorfiza - em boi, em pavão. Não por acaso seu grito - amplificado por um megafone - é metálico, não-humano. Um grito de desespero de quem não é mais ouvido em sua aflição. 

São Paulo, 05 de setembro de 2014.