domingo, 5 de outubro de 2014

Junho x eleições [Eleições 2014]

A quatro dias das eleições, no vão do MASP, na avenida Paulista, alguns jovens fazem campanha para o PSOL, panfletam e discursam. O que primeiro me chama a atenção é que todos ali aparentam, no máximo, vinte e dois, vinte e três anos. A ausência de qualquer pessoa um pouco mais madura me fez lembrar da definição lapidar de Lula, em 2006, para a distribuição de papéis na sociedade do espetáculo: "se você conhece uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque está com problema. Se você conhece uma pessoa muito nova de direita, é porque também está com problema". Me pergunto se algum desses jovens será mais que carta marcada nessa encenação que parte da rebeldia sem causa, passa pela contestação legalista e acaba na assunção da inefabilidade do status quo. Se se tornarem conservadores de esquerda - a exemplo do PT ou dos "antigos" do próprio PSOL -, uma elite intelectual, sindical e política com preocupações sociais, que reivindica melhor distribuição de renda e oportunidades, desde que não se mexa no seu status quo, podemos considerar um ganho, dado o atual estado da arte política no Brasil,
O que mais me chamou a atenção, todavia, foi a frase dita pelo adolescente ao microfone, que, no meu ver, aponta o quanto a política partidária e representativa está distante das reivindicações das chamadas jornadas de julho, e o quanto a esquerda tupiniquim organizada em partido é ou fraca ou conservadora (fico com a segunda opção). Dizia o jovem que o período de eleição presidencial era a época para a discussão de idéias para o país. Nada mais equivocado: eleição é época de síntese dessas discussões e apresentação de propostas de governo. A discussão de idéias deve ser feita todos os anos, todos os dias. Não é o que a esquerda partidária brasileira faz (menos ainda a direita): guiada por um calendário externo, ela encampa discussões postas pelo governo, pelo poder, e é incapaz de estabelecer uma pauta própria de discussões - mesmo que sejam discussões derivadas. Aí está a diferença de PT, PSOL e demais partidos para o MST na década de 1990, o MTST nos últimos quatro anos, em especial, e o Passe Livre, ano passado: esses movimentos foram e ainda são capazes de impôr uma agenda ao governo de turno, obrigam o poder a mudar sua rota para debater com o povo organizado, tendo que se pôr, muitas vezes, em situação delicada frente à uma pretensa sociedade organizada, que representa os de cima e tem seu status legitimados pelo poder. FHC não falou em debater a reforma agrária para o MST começar a se organizar, foi o contrário: a pressão do MST fez com que a reforma agrária não saísse da pauta do governo e da Grande Imprensa durante o tucanato. A mesma coisa o passe-livre e a questão da mobilidade urbana: posso estar errado, mas até junho a gestão Haddad investia nos corredores de ônibus e o modal bicicleta estava reduzido aos passeios de domingo - agora Higienópolis e Santa Cecília ameaçam pegar em armas para defender o direito da vaca-sagrada brasileira ir e vir e parar onde quiser.
Hoje tem eleições (escrevo domingo pela manhã), e independente do vencedor, os partidos que compõem nossa democracia devem seguir no seu caminhar de sempre: de costas para o povo, até que ele ocupe as ruas, grite e se faça ouvir. Se forem capazes de ouvi-lo e trazer essas reivindicações para dentro da arena institucional, sem ser pela via da criminalização, será pouco, mas já podemos nos dar por felizes.

São Paulo, 05 de outubro de 2014.

domingo, 28 de setembro de 2014

Dark Rooms ao nosso redor, dentro de nós. [Diálogos com a dança]

Entre o provocante e o anestesiado. Entre o infantil e o adulto. Entre o lúdico e o violento. Qual meio é esse em que se situa as salas escuras onde pessoas se encontram e se penetram, sem saber quem é o Outro? Os sentidos à flor da pele - mas quem habita essa pele? Entre a obrigação de gozar e o desejo de dilapidação do corpo alheio, há um sujeito que age ou apenas um corpo que reage? Esses são alguns questionamentos que _DARK_ROOM_, montagem de Claudia Paula para a iN Saio Cia. de Arte, provoca no público.
O palco fechado dos quatro lados e vazio no seu interior é ocupado por cinqüenta espectadores, junto com seis dançarinos e dois técnicos. As cenas - se é que podem ser chamadas assim - ocorrem em algum lugar dentro desse limite, entre os espectadores, que se movimentam para onde a cena aparentemente chama, e também se movem livremente pelo espaço. Nesse espaço algo abstrato, algo familiar - a maioria ali conhece, se não dark rooms, baladas que se assemelham ao palco -, há uma certa dose de risco, tanto para os intérpretes - um homem na meia idade que resolve apalpar uma intérprete, ou algum espectador que decide se juntar aos seis corpos suados -, quanto para o público - um chute no joelho, uma cabeçada no ombro, para ficar nos exemplos que me tocaram. 
Uma dark room é - no imaginário, ao menos - um lugar para quebras. _DARK_ROOM_ também provoca as suas: pausas na música, silêncio para conversas, interrupções do movimento - espaços para o encontro com o Outro, ou apenas momentos de constrangimento? Fico com a segunda opção: a música do tempo infinito não pode parar.
Não raro as cenas começam com certa leveza: jogos infantis ou adolescentes por corpos já feitos - o puxar a roupa ou o tapa de brincadeira, a alegria abobalhada adolescente -, porém não tarda tais brincadeiras perderem sua graça e não resta delas nada mais que agressividade: o tapa na cara, o empurrão que derruba, o apalpar violento: a descoberta do corpo Outro se transmuta em dilapidação desse corpo, caminho e empecilho para o gozo.
Em que medida o mero contato de pele satisfaz nossos desejos de reconhecimento? Esses contatos são capazes de reverter o desejo de aproximação em aproximação do desejo? Há sujeito por trás daqueles corpos que dançam? Há sujeito dentro daqueles corpos que observam? Ignorar o Outro permite aprofundar em si? Em que medida em nossas dark rooms particulares não fugimos desse contato com o Outro e, conseqüentemente, do contato conosco? O narcisismo desesperado nosso de cada dia é capaz de produzir algo mais que excitação, insatisfação, violência ou apatia? 
_DARK_ROOM_ é mais que um exercício de questionamento, é uma afronta à nossa normopatia, nossa capacidade de adaptação e aceitação. Precisa nas perguntas, _DARK_ROOM_ nos abandona sem respostas.

São Paulo, 28 de setembro de 2014.

ps: impossível não lembrar de alguns livros após assistir ao espetáculo. Três pulularam em minha mente: A música do tempo infinito, do psicanalista Tales Ab'Saber; Mal-estar na atualidade, do também psicanalista Joel Birman, e Amor líquido, do astro pop da filosofia, Zygmunt Bauman.