segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Meu primeiro carnaval (ou, a decadência de um velho roqueiro [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça].

Sim, é isso mesmo que a desocupada leitora, o desocupado leitor leu: este velho roqueiro foi a um “bloco” (já já explico as aspas) de carnaval. E, não, não foi um bloco de róque, foi um show da Luísa Sonsa, mesmo. Mas eu posso me explicar - e contar a bad trip que tive nesse rolê.


Há anos Brotinho insiste para irmos a um bloquinho, e eu, que do carnaval gosto do feriado (e por isso sempre fui a favor, na verdade acho que deveria ser a semana toda), sempre recusei com as melhores escusas, irretocáveis: não gosto, preguiça, sol, calor, música ruim, muita gente, sem falar que não faz sentido falar em bloquinho, assim, no diminutivo, se nele estão milhares de pessoas amontoadas em que você nem escuta o som direito. Se tudo isso não sensibilizasse seu coração de pedra carnavalesco, havia sempre a dor de cabeça na manga.

No sábado, Brotinho me chamou para ir ao bloco do Supla e recebeu meu lacônico e preciso “não”. Não insistiu e foi. Era cedo quando apareceu na minha casa: o bloco estava atrasado mais de duas horas e ela cansara de ficar à toa sob o equivalente a dois sóis - eu a esperava para às seis e ainda nem havia começado a preparar o almoço. Estava frustrada e fiquei com pena d’ela não poder aproveitar o sábado de sol e calor suando ainda mais enquanto esbarrava em desconhecidos tão suados quanto.

No domingo, acordamos cedo e tudo ia bem até que no café da manhã ela me perguntou se eu havia dormido bem. Respondi que sim e ainda acrescentei que felizmente não estava fazendo tanto calor - tanto na madrugada quanto na manhã - quanto nos dias precedentes.

Bola levantada, bola chutada.

Então vamos aproveitar e ir no bloquinho da Luísa Sonza?

Já disse: carnaval não é comigo. Se eu não quis ir ontem nos bloquinho de róque, por que iria hoje, no da Luísa Sonza, que eu nem conheço?

Eu já coloquei ela algumas vezes para tocar aqui.

Então, por que ir no bloquinho de uma cantora que eu nem lembro, felizmente?, tive vontade de responder, mas não quis uma DR logo pela manhã. Outra falha estratégica. Me limitei ao simples Bartlebyano, sempre propício para manhãs, ainda mais de domingo:

Acho melhor não.

Foi então que ela deu o golpe baixo, em que não consegui achar saída, me olhando com uma cara toda fofa de quem diz:

Porra, caralho! Já fui em rolê furado e miado contigo, escuto teus róque sonolentos (ela nunca disse isso, mas sempre que ponho Mogwai, Explosion in the Sky ou algo assim, ela acaba pegando no sono; além de achar que estou brincando quando digo que Mogwai é a melhor banda que já existiu) e você não pode me acompanhar num bloquinho tranquilo, num dia que, você mesmo disse, não está tão quente?

Tudo isso eu deduzi do seu olhar fuzilante e resolvi ceder.

Aos preparativos. Lembrei de uma amiga que dizia que a graça do carnaval era a comunhão com os desconhecidos numa alegria sem sentido - e movido a muito álcool. Como praticamente não bebo, resolvi levar um baseado, se não para entrar em comunhão com os bêbados suados, para tentar não ouvir muito do show (até então eu chamava de “bloco”) da Luísa Sonsa. Ainda me fantasiei de turista para não destoar tanto da festa: bermuda social, camiseta anti-UV, camisa florida por cima, um chapéu de catar ovo e duas strass autocolantes postos pelo Brotinho - umas pintinhas brilhantes - nas minhas maçãs do rosto.

Fomos. Erramos a estação, caminhamos um monte sob o sol de 32º C, chegamos, passamos pela revista, dividimos uma latinha e ficamos ali, em meio a um povaréu, esperando o show começar, bem perto do caminhão de som que servia de palco - e que tinha um telão, mas não passaria o show para os que estavam longe pudessem assistir, o que achei desrespeitoso.

Dei um primeiro pega pouco antes da apresentação começar. Quando começou, por incrível que pareça, até estava gostando do rolê - durou cinco minutos, se muito. Depois disso, achei que já tinha dado minha cota, porém não podia falar para Brotinho. Decidi dar mais um pega, para seguir suportando a festa. E aí, na mistura de maconha, sol escaldante, calor tórrido, pouca ventilação, um monte de gente aglomerada ao meu redor, suor, som alto, leques batendo assustadoramente, fome, sede e um pouco de álcool, eis que começo a passar mal. De início achei que era uma dor de cabeça, entretanto, quando as coisas começaram a girar - lentamente, mas girar -, vi que estava era com a pressão caindo, mesmo. Até pensei atribuir a bad trip a um berinjonha, que fez Goreti passar mal uma vez [http://bit.ly/cG230102], mas lembrei que a caponata de berinjela havíamos deixado para comer depois da folia (ou “folia”).

Brotinho achou por bem irmos para longe do palco, sair da muvuca, para prevenir que eu não fosse pisoteado, caso desmaiasse. Delicado da parte dela, ainda que provavelmente só aceitou isso para que eu não estragasse sua festa. E assim passamos o carnaval, sempre na rabeira dos foliões, ela dançando alegremente e eu sentado, sentindo o que estava sentindo. Para ver se eu melhorava, ela ainda me comprou um refrigerante de cola - uma das coisas mais intragáveis, na minha opinião -, e talvez pela primeira vez na vida bebi uma latinha inteira. Para ser pior, só faltou roubarem meu celular, e isso não deve ter acontecido porque não os levamos. O que, ao menos, trouxe uma outra ótima consequência (além de continuar com o aparelho): se não tem registro, não aconteceu. 

Ao cabo, voltamos para casa, os dois cansados, acabados - ela de pular, eu de passar mal -, eu queimado nos joelhos, mãos e pescoço - onde passei protetor solar, como pernas e rosto, até fiquei bronzeado. Foi aí que entendi porquê tantas mulheres irem de biquini no carnaval: retocar a marquinha.

Se, na segunda, alguém da bancada me perguntasse onde me queimei desse jeito, diria que no Ibirapuera (enquanto sentar na grama ainda não é pago). O problema era que as pintinhas brilhantes - as strass autocolantes - não pegaram sol, e me restaram as marcas delas, brancas em meio ao rosto bronzeado, parecendo duas enormes espinhas cheias de pus, pedindo para serem espremidas para ver qual distância conseguiriam alcançar. Enfim, ao menos sobrevivi; e dos males, o menor.

Mas eis que, domingo, mesmo, Brotinho entra no Instagram da artista e me enxerga no vídeo do início do show, feito a partir de um drone que voava baixo. Não tem como negar: sou eu a araucária que se destaca pelo tamanho e pela camisa ridícula, com cara de quem está pensando na morte da bezerra. E ela ainda me manda o print do vídeo, o que me pareceu quase um ato de chantagem! Ou seja, para além de passar mal e sair todo traumatizado, cheio de glitter que nem havíamos usado e ainda não saíram de todo, queimado e com duas espinhas purulentas falsas, nem tenho mais como negar fui ao bloquinho da Luísa Sonsa. Diante disso, prefiro eu contar, antes que se espalhe como fofoca e cresça de tamanho. Foi só o da Luísa Sonsa!


24 de fevereiro de 2025


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Sabonete da discórdia [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]


 Este fim de semana meu sobrinho, sem querer, acabou gerando uma pequena crise entre mim e o Brotinho.

Quando meu irmão, sua esposa e seu filho chegaram, eu estava no banho. Não me apressei por isso, afinal nos vemos seguidamente. Saí do banheiro, já entrou correndo meu sobrinho - que tem algo entre seis e doze anos, não sei - dizendo que a marmota estava se mordendo para sair da toca. Sim, meu irmão se queixa e me recrimina toda vez que vem aqui por ter ensinado essa piada do final dos anos 90 e que hoje soa como de tiozão.

Cheguei na sala e tratei de começar pelas perguntas de praxe, ver se meu irmão esquecia da marmota nesse ínterim. Melhor que tivesse lembrado e não dado atenção ao filho. Eis que a criança vem correndo do banheiro e me interpela:

Credo, tio, por que está aquele cheiro de lavanderia de petshop no banheiro?

De pronto Brotinho saltou do sofá, dedo em riste, alternando sua direção entre mim e meu sobrinho:

É isso! É isso!

E com o ânimo que meu sobrinho falou sobre a marmota, ela pegou meu irmão e a cunhada e os levou até o banheiro.

Venham! Venham ver se ele não tem razão!

E lá foi ela expôr meu ridículo ao meu irmão. Olhei para o sobrinho, pronto para fazer um draminha (não era nada que merecesse dar bronca), ele devolveu com um sorriso inocente de quem me prestou uma grande ajuda (o que faz com que acredite que ele esteja entre seis e oito anos).

Eles voltaram às gargalhadas. Gargalhavam de mim, graças à ingenuidade do sobrinho. E Brotinho, ao invés de me ajudar, ir apenas ela ao banheiro comprovar sua tese, ou melhor, a tese do sobrinho sobre o cheiro do meu sabonete, ligar o exaustor e esperar o cheiro ir embora, não! Ela preferiu me expôr, e fazer com que meu irmão tirasse sarro da minha cara a tarde inteira - com direito a apelidos bobos de quarta série, mas daqueles que incomodam. E de nada adiantou reconhecer que, agora que falaram, eu também sentia o cheiro de petshop.

Foi então que a indisposição entre mim e Brotinho começou:

Eu vinha mesmo sentindo um cheiro estranho em você por estes dias, achava que poderia ser a roupa que demorou para secar. Agora que sabemos que é seu sabonete, dá para jogar fora e está resolvido, disse ela.

Eu comprei uma dúzia.

Como assim?!, Brotinho trazia um meio sorriso nervoso, de quem espera uma pegadinha tosca.

Gostei do cheiro, comprei vários...

Eles estavam em promoção?, questionou meu irmão, abrindo outro flanco na batalha.

Mas não foi por isso!

Ainda que foram baratos, não vai custar tanto jogar fora, né?, insistiu Brotinho

Já disse, gostei do cheiro de petshop.

Mas te abraçar vai me trazer a imagem de um cachorro ainda úmido com uma estrelinha na testa. Não precisa, né?

Vai parar de me abraçar só por causa do sabonete?

Meu contra ataque parecera certeiro, amolecia seu coração de pedra e faria ela parar de implicar com o cheiro de meu sabonete,

Claro que não! Se você gosta, tem que usar mesmo! Mas não vai ter como eu não te chamar pelo apelido que seu irmão te deu, meu Doguinho.

Porra! Doguinho, não. Apelido bocó, de quarta série.

Após agradecer por ter usado um termo de baixo potencial ofensivo na frente de meu sobrinho, meu irmão começou a fazer careta enquanto me provocava “Doguinho, eu sou Doguinho, eu adoro os tios e as tias do petshop”, apesar das admoestações de minha cunhada, que tropeçava nas sílabas do tanto que ria.

Doguinho, não!, fui enfático.

Que tal petinho, então?, propôs Brotinho.

Não sou garrafa plástica. 

Não teve como não discutirmos e nos acertarmos naquela mesma hora, como duas pessoas da pólis. Assim, chegamos a um meio termo: seguirei com meus sabonetes de petshop, sob a condição de não comprar mais depois desses, enquanto Brotinho me dará meia dúzia do que ela acha mais adequado, para ir alternando - fiz questão de meia dúzia para ela não comprar um fedorento, só para seguir me tirando, junto com meu irmão. Ademais - numa óbvia troca desigual - ela podia me chamar de Doguinho quando usasse meus sabonetes, mas (foi o que consegui barganhar) com parcimônia e apenas depois do banho, quando o cheiro fosse evidente.

Acordo de fim de DR firmado sob o testemunho de meu irmão, minha cunhada e meu sobrinho, que nos abençoou com os dedos em forma de quem pede dinheiro.

O pior da DR foi à noite, quando ela me chamou de Doguinho e eu perguntei qual raça seria a minha. Melhor parar por aqui.


13 de fevereiro de 2025