quinta-feira, 26 de junho de 2025

Ladeira General Carneiro, 26 de junho de 2025

No alto da ladeira General Carneiro, um homem oferece suas chagas em troca de moedas. Em frente à base da polícia, Testemunhas de Jeová oferecem sua versão do fim do mundo. Sigo descendo, e o que se oferece são produtos populares de um lado e do outro, réplicas de roupas e tênis de marcas e uniformes de futebol com propaganda de bets. Na rua Doutor Bittencourt Rodrigues, uma fila começa a se formar. Seria para o sopão do meio-dia? Noto movimentação bastante incomum pouco depois da entrada de ônibus do Parque Dom Pedro. Diante dessa nova figura, o fundo se destaca. Reparo no viaduto Diário Popular: se tornou a casa para muitas pessoas - as barracas improvisadas com cobertores se enfileiram na área para pedestres. Talvez os expulsos da mal chamada cracolândia. No gramado da alça do viaduto, PM e GCM dão guarida ao rapa, que recolhe restos transformados em pertences. Um homem, ora com as mãos na cabeça, ora apontando para seu colchonete e cobertor, parece negociar com dois PMs que permitam continuar com seus bens. Pouco depois os recolhe e segue acelerado rumo à movimentação incomum, meia quadra adiante. São onze horas da manhã, o frio já se dispersou sob o sol. O rapa segue fazendo seu trabalho sob o olhar vigilantes da polícia da e da guarda. Muitas pessoas, diante do olhar indiferente da cidade, saem enroladas em seus cobertores cinzas, como que tentando ganhar a invisibilidade que a sociedade quer deles.


26 de junho de 2025



segunda-feira, 9 de junho de 2025

Usos alternativos da escada de emergência [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça]

 O clima não anda muito bom na empresa. Não que isso seja novidade - e nem é culpa especificamente da empresa (mas é também). “Não há trabalho ruim, o ruim é ter que trabalhar”, já dizia o Seu Madruga. Mas sempre dá para piorar. Dunker e Safatle apresentam o neoliberalismo, no nível micropolítico, como forma de gestão do sofrimento psíquico - a tal qualidade de vida que o modelo de gestão de pessoas 4.0 apregoa é coisa do passado, se é que algum dia existiu de verdade tal preocupação por parte das empresas (eu acho que sempre foi uma mentira). Atualmente, devem seguir uma versão corrompida dos dois fatores de Herzberg, as melhores, quando não é a lógica do chicote no lombo, mesmo.

Mas por que toda essa introdução? Hoje Goreti chegou com uma garrafinha nova. Um emoji feliz e os dizeres: “Uma garrafinha feliz, porque o resto aqui é só tristeza”. Ousado. Temero. Eu receio a hora que o chefe a veja. Talvez abra um sorriso sarcástico e pense “vamos apertar a coisa, para ele ver o que é tristeza de verdade”, e use seus conhecimentos de coach para assediá-lo. Ou seja mais direto e ofereça a porta da rua, caso ele esteja descontente - com certeza não vai demiti-lo, porque vai ser difícil achar alguém para substituí-lo. Mas pode ser que nada disso aconteça: ele não veja a garrafinha e vida que segue, em doses homeopáticas de assédio e ranço. Goreti já distribuiu exemplares do Manifesto Proletário, do Capirotinho, e até agora nada aconteceu - a não ser formas difusas de boicote, apesar que eu preferiria uma revolta, com coquetéis molotov, fascistas e militares pendurados de ponta cabeça e tudo o mais. Como isso não está no horizonte, nos resta as recusas silenciosas.

Está ruim para nós, mas está ainda pior para Shôri, colega do setor ao lado, apresentada a mim e a Macedo pelo Fernandez, Colega do Topo (que anda meio sumido). Fora os assédios no trabalho, ainda tem que dividir o fumódromo com a chefe - que faz questão de ir pouco depois de ela sair -, que aproveita o momento de relaxamento para cobrá-la mais por mais resultados (não foi engano o duplo mais). Cansada disso, Shôri passou a fumar escondida na escada de emergência - onde não há câmeras nem detectores de fumaça -, ao menos algumas vezes.

Pois estava ela, semana passada, terminando seu cigarro quando escutou um barulho estranho, alguns andares abaixo. Foi até a fonte de ruído e encontrou a funcionária de algum outro setor sentada, chorando.

Aconteceu alguma coisa? Está tudo bem?

Está tudo bem - foi a resposta em meio ao choro e soluços, e Shôri decidiu não insistir: se ela disse, está dito.

Voltou para o trabalho e refletiu: eis um bom uso para as escadas de emergência, sempre vazias (ou quase): melhor que chorar no banheiro, onde tem que segurar para não fazê-lo alto. Mal terminou seu raciocínio e resolveu aceitar a realidade, não a resposta: era óbvio que a moça não estava bem. Pegou um copo d’água, algumas folhas de papel toalha, uma barra de chocolates que guarda para emergências e foi ao encontro da mulher, que seguia chorando.

Olha, não sei o que aconteceu, mas te trouxe isto.

Foi aí que a mulher desandou a chorar de vez e contou do último episódio de assédio recebido. Nada de novo sob o sol, nem sob o teto da empresa; só uma gota a mais no co(r)po cheio.

Pois hoje estávamos conversando na escada de emergência quando escutamos uma voz:

Achei mesmo que fosse te encontrar por aqui! 

Pronto, a chefe encontrou Shôri, e vai tomar um sabão por estar fugindo do trabalho - além da advertência por estar fumando em local proibido. E eu vou de carona, mesmo sendo apenas fumante passivo. Nos viramos e demos com duas mãos segurando uma caixa de bombons.

Obrigada pelos chocolates.

Shôri mal teve tempo de agradecer, a mulher saiu, quase uma assombração, assim como chegou.

Pois é... um texto sem graça, mas achei gracioso o gesto de ambas.


09 de junho de 2025