terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Três anos

 


Eu estou usando uma jaqueta cinza comprada no Paraguai em 1994, por aí. Com o tempo passou a ser de uso coletivo na casa - estava puída e com algumas costuras desfeitas, mas era confortável pelo uso e seguia quente sem excesso. Minha mãe usa uma verde (ao menos é o que daltonismo que ela me legou me permite perceber). Ao fundo, os azulejos de orquídeas que enfeitaram tantas e tantas comemorações de aniversário, a ponto de dizermos que se trata do brasão da família, e termos preservado na reforma da cozinha. Por falar aniversário, era aniversário de meu pai - faria 70 anos - no dia dessa foto. É também meu reencontro com ela, depois de quinze meses, afastados pela pandemia e por eu não ter carteira de motorista para poder visitá-la sem riscos - Vannucci, amigo meu ainda do tempo da psico, quem topou fazer essa viagem até Pato Branco, depois de termos feito o exame para covid, claro.

É a última foto que tenho com ela sem sabermos da doença - ainda que ela suspeitasse que algo não ia bem e por isso fazia uma bateria de exames.

Dali um mês eu estava de volta a Pato Branco - contando novamente com a boa vontade e a ajuda do Vannucci -, com meus gatos e minhas coisas, para viver os últimos meses de minha mãe ao seu lado.

Também voltar a morar “em casa”, depois de mais de vinte anos, e antes de perdê-la para a distância e a ausência de vínculos remanescentes com a cidade. Apesar de morar fora há tanto tempo, nunca deixou de ser minha casa - eu tinha a casa de São Paulo e a casa de Pato, refúgio para muitos momentos.

Pego para reler meu “Diário sem dias”, escrito durante esse período. O plano é lançá-lo em livro. A leitura não avança - não hoje. Relembro momentos bons desses meses. Busco fotos do período. Numa delas, de outubro, na “sala de baixo”, minha mãe está sentada na espreguiçadeira com Mima, a gata que a adotou, no colo, a estante que hoje está em minha casa (agora só tenho uma casa presente) ao fundo. Olha para a câmera com um leve sorriso, uma expressão tranquila - nem parece que está doente e sabe que lhe resta pouco tempo de vida.

Em outra, de janeiro, ela mexe no notebook numa escrivaninha improvisada (que hoje está na minha casa), e não fosse pela magreza incomum para ela, não daria para dizer que dali um mês ela partiria, ou melhor, se encantaria. Que bom, me diria depois meu irmão, sinal que ela viveu bem até o final. É um consolo. Mas segue fazendo falta, mesmo estando presente de alguma forma.

O mundo não é justo, me disse Phah ao conversarmos, ontem. De fato, não é. Nem justo nem injusto, que isso é medida da humanidade - o mundo apenas é. 

Faz três anos hoje.


11 de fevereiro de 2025

Sem comentários: