Páro
em frente a casa número 128: havia me arrastado até lá desde a
estação de metrô, querendo desistir, voltar, seguir vendo
coincidências e sonhando o sonho impossível de te encontrar de novo
– apenas esse e poder voar como um pássaro são meus sonhos
impossíveis. Eu sabia que ali encontraria apenas a não-presença –
como ela se apresentaria? Observo a garagem vazia de carro e cheia de
plantas (São Paulo seria uma cidade melhor se mais casas fossem
assim): as plantas estão bem cuidadas. Lembro dos grandes sacos de
lixos que se acumulavam ali nos dias seguintes às não-festas
(elogios ao tédio?). Eu trago um pacote do café que gosto na
mochila e lágrimas nos olhos. Fico ali parado um tempo, me falta
coragem: tenho medo do que sei que não encontrarei. Passa um carro
que me tira desse torpor, olho para o céu cinzento (aqueles dias
foram de sol), respiro fundo. Havia lembrado no dia anterior das suas
férias, em abril, passadas em minha casa boa parte dela, já que nem
a viagem para Buenos Aires nem a para Pato Branco aconteceram –
esta por causa da minha busca por alguém pro apartamento. Seria
legal, seria bom, mas não precisávamos ter tanta pressa: não fosse
agora poderia ser num feriado, no fim de ano, em algum fim de semana,
nas suas próximas férias. Tenho vontade de me perguntar e se... Me
calo – não há futuro do pretérito. Há o presente, e preciso
aceitá-lo – com suas dores e suas perdas. Toco a campainha.
Adentro sua casa, uma sensação estranha, sei que você não chegará
logo mais, porque “saiu para ir ao mercado” (e o ingênuo aqui
acreditou nessa história). Sinto o presente bastante presente, fico
aliviado com essa sensação. Há a recordação, há a dor (a dor de
todos é a mesma), há as formas de tentar contorná-la, há a vida
para levar (cada um com a sua). Seu irmão está acompanhado da
namoradinha dele (o diminutivo pelo tipo físico dela). Seu pai e os
jogos da tarde, do São Paulo e do Porto. Sua mãe conta dos pequenos
planos para os dias seguintes – o banal, mas que nessas horas é de
grande valor. Sua irmã não está: é dia de Enem. Djalma chegaria
mais tarde. E você? E você? No “QGinho”, diferente mas ainda
com sua marca, reparo na sua biblioteca. Uma bela biblioteca, cheia
de títulos interessantes. Me dou conta, surpreso, de que nunca havia
prestado muito atenção nela: sua companhia era sempre muito mais
interessante. Encontro os dois livros que havia te emprestado. Um
deles, Retratos japoneses, do
Ronald Richie, tem sua assinatura na contracapa e a data da leitura:
agosto de 2013. Deve ter sido último livro que você leu. Novas
lágrimas, me seguro. Há, num canto, um monte de cadernos e papéis.
Sigo com meu plano de lançar um livro seu – havíamos conversado
sobre isso algumas vezes, lembra? Sabia que você escrevia bem, não
imaginava que escrevesse tanto – há ainda os arquivos no
computador, emails enviados. As cartas foram queimadas. Sua mãe me
mostra um livrinho que você escreveu quando tinha oito ou nove anos.
Aqui em casa tenho um outro livrinho, de quando você tinha uns
quatorze. Somos parecidos em nossos cadernos: anotações de aulas
trechos de livros escritos autorais tudo misturado e desorganizado.
Leio um poema que me agrada muito, será mesmo seu? Nunca me mostrou
verso algum. “Olírico”,
título de um texto que enviou para a segunda Casuística (foi por
causa da revista que nos conhecemos, em 2009), é recorrente em suas
anotações. Cartas escritas e não enviadas também. Há muitas para
mim. Como seus emails, não sei bem o que responder. Seus emails você
dizia que eu só devia responder se sentisse à vontade ou
necessidade – eu seguiria sendo seu interlocutor. Em geral eu
preferia comentá-los pessoalmente. Vejo que faço o mesmo contigo
com estas minhas crônicas: bem gostaria, mas não te peço resposta
– você segue sendo minha interlocutora assim mesmo. Não apenas
minha. Sim, você faz falta, porém ainda é presente, e somos muitos
os que seguimos dialogando com você – mesmo sem respostas.
São
Paulo, 27 de outubro de 2013.
para Patrícia Misson, de quem não peço respostas (por mais que gostaria).
para Patrícia Misson, de quem não peço respostas (por mais que gostaria).