Em um país em que a democracia
engatinha, quando muito, e o dissenso típico de uma sociedade
democrática é visto como crise - ou então calado na base de balas
de borracha e prisões arbitrárias -, colunas que pipocaram nos
jornais do grupo Folha no início da semana podem significar algo
mais do que informação: podem ser uma tentativa um pouco menos
explícita de influenciar o voto de quem está em dúvida, ou mesmo
dar subsídio para a época de campanha na tevê - "não somos
nós quem estamos dizendo: saiu na imprensa, que é imparcial".
Não que não tenha havido
desentendimentos no comitê de Dilma, e não que não possa haver uma
união tucana em São Paulo em torno de Aécio. O pertinente é se
questionar qual é, exatamente, a relevância disso e o porquê de tamanho
espaço.
Na Folha de São Paulo de
segunda, Valdo Cruz comentava que a campanha de Dilma foi tomada por
conflitos, dado o medo de perder a eleição no segundo turno. A
disputa entre "lulistas e "dilmistas" teria
estourado quando Franklin Martins fez críticas à CBF. A revista
Carta Capital (que não subestima seus leitores e é declaradamente
favorável ao governo) dá a pista da importância dessa tensão:
Martins é tido como O inimigo da Grande Imprensa corporativa, por
ter diminuído, quando ministro de Lula, o envio de verbas
governamentais a tais veículos e preparado uma lei dos meios de
comunicação - a exemplo do que há em países desenvolvidos e tem
sido implementando em países subdesenvolvidos, como México e
Argentina. Diante da mera possibilidade de Martins ter algum papel
relevante num enventual segundo mandato de Dilma, vale tudo para
queimá-lo.
No dia seguinte, no Valor
Econômico, é a vez de Raymundo Costa informar que o alto tucanato
está unido como nunca, arestas aparadas e sem pontos de atritos:
"PSDB de São Paulo se rende a Aécio". O tom do artigo é
louvatório às pretensas qualidades conciliatórias e agregadoras do
mineiro (perto do Serra, qualquer um é conciliador e agregador), e o
próprio título pode ser encarado assim, dentro da mentalidade de
que todo e qualquer desentendimento é pernicioso. Olhado de fora, o
título é um tanto comprometedor: rendição é um termo militar,
que não implica em conciliação e sim em sujeição. Ou o título
foi infeliz, ou o artigo está equivocado, ou o PSDB paulista sofre
da síndrome de Estocolmo - pois quem se engajaria "efetivamente"
no projeto de um inimigo ao qual foi subjugado? -, ou, mais provável,
pode ser um pouco de cada: Aécio calou a boca de alguns com o apoio
e engajamento de outros.
Colocar as candidaturas petista e
tucana em dois pólos bem antagônicos - um em crise, outro em
lua-de-mel -, serve para tentar explicar por causas internas o que
seria a queda da presidenta e a subida do oposicionista nas
pesquisas. Ademais, serve para, discretamente, reforçar o discurso
tucano, de que o PT divide o país, enquanto o PSDB se propõe a
governar para todos: "se internamente já são rachados, imagina
com relação à sociedade". Eis um discurso difícil de ser
quebrado pelo PT, visto que a união tucana se baseia numa cisão
velada, enquanto o PT se une ao explicitar essa cisão -
periferia-centro, norte-sul, pobres-ricos, empreendedores-rentistas.
A moral da história óbvia dos
artigos é que "a união faz a força", por trás, contudo,
há a mentalidade pouco afeita à democracia do brasileiro médio:
mais que a força, a união sem oposição seria o fundamento da
democracia.
São Paulo, 26 de julho de 2014.