"Sempre
acreditei que a vida fosse absurdo, limite. Foi essa idéia que não
suportei mais". Me mandou esse sms no dia 19 de julho, quase
sete da noite, e avisava: "Uma das toalhas terminou". Na
verdade, ela terminara de bordar uma das toalhas que se propusera –
mas nela sujeito e objeto, sujeito e predicado se confundiam em Vida.
Nas últimas quarenta e oito horas fiz tanta coisa que não queria
ter feito, mas não havia alternativa - tem horas que não nos cabe
qualquer poder de escolha. Não queria ter tomado o primeiro trem
para fazer o seu caminho inverso. Não queria ter que perguntar
"verdade" duas vezes para começar a acreditar. Não queria
abraços de amigos para me apoiar – assim como eu a eles –, a
perna a tremer, as costas a doer, a respiração a faltar. Não
queria ter ajudado ninguém nem pedido ajuda – no máximo queria
sua opinião se o azul escuro ia ficar bom na parede da sala. Não
queria a carona, a terra e as flores. Queria que fosse um sonho
ultra-realista e absurdo, como a vida – irreal e sem sentido.
Queria você empoleirada no sofá para fumar na janela a dizer,
diante da história anedótica do meu enésimo fracasso com mulheres,
"Pô, Dalmoro!, assim não!, assim não! Eu e Djalma vamos ter
que te ensinar uns negócios”. Queria sms sobre usuários do metrô,
às seis da manhã; paqueras ao meio-dia; toalhas bordadas às seis
da tarde; piadas de seriados que nunca ouvi falar à meia-noite.
Queria acordar com mensagens absurdas no meu celular, no meio da
madrugada, me chamando de Fanoruti e avisando que logo chegaria na minha
casa, que tinha a chave e não queria me acordar. Queria acordar às
quatro da manhã como todos os dias, para ir ao banheiro, para comer
uma castanha ou massa de pão que a máquina já começara a bater,
porque a coberta caiu; não por causa de uma ligação do seu celular
do qual falava uma voz diferente. Queria mandar um sms da conversa sem
noção que ouvi no trem. Queria te contar de alguma paixonite e
receber de volta notícias de Marcelo ou Ezgi. Queria você me
anunciando uma moça pela qual eu iria me interessar e eu fazendo o
mesmo. Mas a vida é absurdo. O tempo enlouquecera a partir da
madrugada do dia vinte e oito: ele estancou às três e cinqüenta e
oito, ao mesmo tempo em que as horas passavam rápidas enquanto eu
estava na sua casa, esperando pela sua volta que eu sabia que não
ocorreria. Passavam rápidas enquanto aguardava notícias suas e da
burocracia. Passavam rápidas quando estive na sua presença. Sua
aparência tão serena, você que andava seguidamente com a testa
franzida – está em um texto seu do seu blog secreto –, até
quando dormia – que eu também reparava. Nós e nossos blogs
secretos e nossos emails e nossos sms e nossas mensagens no Facebook.
A dor no peito, os exames que não apontavam nada. The panic, the
vomit. Vinte e três de julho, a primeira vez, você reclamou que perdeu o dia. E teve um sonho apocalíptico depois. E se não acontecesse, os exames da manhã te salvariam? Como
um cacto, que absorve as energias negativas e tenta neutralizá-la.
Como uma irmã – mais que isso. Mas não tinha espinhos, não
conseguia se proteger. Como minha primeira peça. Como meu último
conto. O futuro do pretérito que não consola nem conforta. E se?
Uma tatuagem do Pica-Pau incompleto no antebraço, como a nos
apresentar nossa incompletude e a angústia desse estado – era um desenho animado, mas trazia o esculacho dos seus questionamentos radicais e
sutis sobre a existência. Hoje eu sou essa tatuagem. A vida é absurdo,
limite. A iminência da morte – e a morte materializada na
ausência. A dor. Vinte dias antes você dizia: “Essas pessoas nunca
saberão que me dão uma grande esperança, que me fazem suportar
tantas coisas que não entendo, tanto concreto e alumínio. Essas
pessoas me prendem naquele lugar e, tendo de repensar muitas de
minhas relações mais antigas e profundas, não sei avaliar em que
medida são a prova de que não sei caminhar sozinha. Eu preciso
sempre de algo que esteja comigo, como se as pessoas, os lugares, as
ruas fossem uma espécie de escapulário que carrego no pescoço. Não
sei estar só. E é um desejo muito antigo”. Você sabia que me enxia de esperanças na Vida e me prendia como ninguém neste lugar. Com você eu
também desaprendi a estar só.
São Paulo, 29 de agosto
de 2013.