sexta-feira, 6 de julho de 2012

A Monsanto assume o poder no Paraguai

O Palmeiras bem tentou, venceu o Coxa no primeiro jogo da final Copa do Brasil, mas o assunto do dia ainda é o campeonato inédito do rival Corinthians. Para a semana que vem, talvez a discussão seja sobre a contratação de Ney Franco – responsável por montar esse time do Coritiba que é só o Marcelo Oliveira não estragar que ganha sozinho – pelo São Paulo. Para logo, deve voltar à tona o julgamento do mensalão ou a CPI do Cachoeira. Até lá, a foto de Maluf com Lula será assunto velho – precisará ser requentado para ter algum efeito, se tiver. Mais provável que seja esquecido, como esquecido estão as fotos de Maluf junto com FHC.

Semana passada, assunto quente era o Paraguai – coisa que esta semana já foi esquecida.

Em uma belo espetáculo da Caleidos Companhia de Dança, “Para seu governo”, eles souberam tratar com propriedade esse excesso de informação, a ânsia (e a possibilidade) de estar a par de tudo o que acontece imediatamente, para tudo esquecer no imediato seguinte – na busca de estar sempre up-to-date, verdadeiro up-to-minute (e eu não sei porque não escrevi uma crônica sobre o espetáculo).

Bem, eu queria falar sobre o Paraguai. Admito, pouco sei sobre o país. Sei que é um país pobre, desconfio que não tenha uma marinha, mas não garanto, com a elite que possui; sem ideologia outra que a do saque pelas elites, tem um Estado mínimo que não segue os pressupostos do Estado mínimo neoliberal: não faz seu papel de manter a ordem – necessária para o progresso, dizem. O atento leitor, a informada leitora, talvez já lembre algo sobre o que aconteceu em um passado recente por lá: um massacre em um conflito de terras foi o estopim para que o então presidente Fernando Lugo, em crise com sua base aliada, fosse destituído do cargo em menos de quarenta e oito horas.

Lembro que muitos dos meus amigos “de esquerda” (seja lá o que isso signifique, mas eles se põem nesse rótulo) no Facebook republicaram mensagem acusando a Monsanto de contribuir com a destituição de Lugo. Mais do que isso: a forma como era posta, a Monsanto era praticamente a artífice do que se tem chamado de golpe de estado legislativo.

Como disse: pouco entendo do Paraguai. Mas mesmo entendendo pouco, quase nada, tenho meus palpites sobre a acusação à Monsanto. Achar que ela tem todo esse poder, soa um pouco ingênuo. É como achar que o golpe militar no Brasil, em 1964, foi obra da CIA, tão-somente, e não havia setores das elites – política, econômica, agrária, industrial – que tinham interesses em jogo – para não falar de uma parcela da população que apoiava o combate ao comunismo a qualquer custo. Acredito que o mesmo deva valer no Paraguai: há disputa pelo poder político – como em qualquer país democrático, ou então o PT pedindo impeachment do FHC por causa das privatizações era uma tentativa de golpe –, há interesses econômicos – dentre esses, os dos grandes fazendeiros brasileiros, por exemplo, e o da Monsanto, por que não? – há tensões externas e internas, enfim. Por que resumir tudo a um bode expiatório?

Atacar a Monsanto também soa de uma confortável preguiça intelectual: encara-se a América Latina como quintal dos EUA, que fazem o que querem por aqui, como aconteceria há cinqüenta anos. Esquecem-se que o mundo mudou um pouco nos últimos tempos, e a ameaça de acordo de livre-comércio do novo governo paraguaio com a China mostra que os bons tempos da guerra fria, quando era fácil achar o inimigo, não dão mais conta do presente. A China já tomou o quintal do Japão, já assumiu o que era o quintal da Europa, e vem com tudo para o quintal dos EUA, com uma política agressiva de investimentos diretos e acordos comercias.

Posso estar enganado e a China tenha aparecido nessa história por mero acaso, sem querer, e sem nada influenciar no processo político paraguaio. Contraditoriamente aos meus amigos esquerdistas up-to-minute, eu só não descartaria as últimas novidades em nome das velhas ideologias – leituras um pouco menos simplórias do mundo e busca de análises um pouco mais embasadas talvez sejam mais importantes que compartilhar a cada dois minutos as novidades que corroboram arcaísmos.


São Paulo, 06 de julho de 2012.

sábado, 30 de junho de 2012

Apenas outra andança pelo centro.

Eu voltava apressado para casa, preocupado com a hora, se daria tempo de pegar a academia ainda aberta, e antes disso, de anotar os tópicos para esta crônica. Quase em casa, um homem com o andar ébrio e caixa de papelão dobrada debaixo do braço provavelmente busca um lugar para dormir sem ser importunado por algum segurança que não quer a "calçada suja". A padaria está sendo fechada: mau sinal. Passo por uma mocinha e seu cachorro de madame – agora toda mocinha que passo me pergunto se é minha vizinha que inadvertidamente (ou talvez em plena consciência, por que não?) se troca de janela aberta. Passo por uma madame e seu cachorro em forma de tamanduá. Cinco minutos antes, na av. Paulista, por muito pouco não sou atropelado na faixa de pedestres por um skatista. Me eximo de qualquer responsabilidade, por mais que naquele instante eu estivesse pensando que o rock meio grudento que um artista de rua tocava em sua guitarra, na saída do metrô Consolação, era uma boa trilha sonora para um fim de noite frustrada, e que a mocinha bonita que conversava próxima à entrada da estação seria um bom (e belo) motivo para uma noite de frustração (poderia ser também motivo para um ótimo fim de noite, mas fiquemos com o evento mais plausível): o sinal estava verde para mim, que sou pedestre.

A rua Augusta estava movimentada, diferente dos dois dias anteriores, surpreendentemente vazia – é certo que na quarta eu passara por ela durante o jogo do Corinthians, aí não vale. Passo por um casal de belas mulheres com quem havia cruzado na quarta – foi, inclusive, motivo para a conversa com a amiga com quem me encontrara aquele dia mudar de rumo, para sobre o que nos atrai em uma mulher (e eu, nessa hora, volta e meia falando do meu esboço para o doutorado) –, e preciso admitir: apesar de terem aparentemente a minha idade, no máximo, mesmo estando de calça jeans e não tailleur, têm aquele ar, aquele porte que desautoriza chamá-las de moças, jovens ou gurias: são Mulheres. Por falar em Augusta e mulheres, um leve gosto avinagrado me subiu à boca quando adentrei a rua, ao pensar em possíveis reencontros: felizmente foi só com o referido casal.

Na Augusta, nada que chamasse muito a atenção, nada além do que estou habituado a presenciar ali. No centrão, Boca-do-Lixo, sim, algumas cenas extraordinárias (para mim). Um homem se aproxima de um catador de latinhas, consideravelmente sujo: “quer trabalhar?” O catador aceita, e então o homem grita para dentro de um sobrado decadente “alguém aí quer trabalhar?”. Vários “eu” apressados saem de lá. “Só tem vaga pra mais dois. Só mais dois! É pra ajudar na mudança daquela mulher”, e aponta para uma mulher na esquina, uma perua com seus móveis – talvez antigos e pesados, para precisar de tanta gente? Pouco antes presencio uma cena que esqueço que deve ser comum ali, pela própria condição de marginalidade dupla da maioria que trabalha naquela região à noite (dupla enquanto ser humano e enquanto profissional): uma travesti cheira uma carreira oferecida por um potencial cliente. Não deixo de ficar chocado com a cena – tão óbvia e eu nunca pensara nisso? Descubro onde fica o teatro da Aliança Francesa. Acabei nessa região porque havia virado na rua do Arouche, atraído por uma batucada que parecia bizarramente uma manifestação – e era! Bandeiras do PSTU e outras vermelhinhas, um boneco do Bolsonaro com mordaça, cartazes pedindo a criminalização da homofobia. De início estranho, mas logo noto que faz sentido: sexta-feira à noite, Arouche, ato contra a homofobia: propício. Até a batucada, eu me perdia em meus pensamentos, falava a mim mesmo que talvez fosse de bom tom não ir além da av. São João nas minhas flanagens noturnas.

Andava pela av. Rio Branco e decido entrar uma perpendicular, para inicar meu trajeto de retorno ao lar – a confiar na minha bússola interna, e porque não queria andar muito. Estou no meio da quadra e ouço, no outro lado da rua, o barulho de uma garrafa estourando. Logo vejo uma pessoa saindo em perseguição daquela que atirou (ou bateu, não vi) a garrafa nele. "Anda complicado morar aqui nos últimos tempos", comenta um homem sentado sob uma marquise. "Mas tem muito apartamento pra alugar?", pergunta seu interlocutor. Faço, então, algo que não me autorizo normalmente, salvo na Augusta e na Paulista: dou meia volta e retorno por onde vim. E penso como se trata realmente de uma questão das mais complexas, como lidar com o centro de São Paulo: o que fazer com a população de rua? Essas pessoas têm direito à cidade tanto quanto qualquer outra pessoa. Muitas preferem viver na rua, e não querem morar em albergues cheio de regras, nem ter uma vida pequeno-burguesa como jovens doutores em direito creem ser a vontade de todos. Políticas higienistas, como têm sido praticadas pelos governos municipal e estadual, além de atentarem contra a dignidade desses cidadãos, não resolve o problema, no máximo o despacham para algum outro lugar – e isso vem de longa data, vide os contos de João Antônio. A dita esquerda também não sabe o que fazer, e prefere crer que o pobre e o marginalizado são a reencarnação do bom selvagem de Rousseau. Como garantir uma cidade tranqüila, relativamente segura (para todos, em que não haja nem assaltos, nem grupos de extermínio, nem pirados avançando contra você) sem atentar contra os direitos individuais, sem ter todo pobre como suspeito – ou pior, como um estorvo, quase um dejeto que não se pode mandar logo pra uma vala.

E toda essa digressão porque ao sair de uma apresentação de dança de rua na Galeria Olido, resolvo não voltar pra casa direto, mas dar um rolê pelo centro. Ao lado da Olido, uma base da Polícia Comunitária Móvel. Defronte a ela, um policial segurando uma escopeta (não sou um entendido em armas, mas era uma espingardona dessas truculentas): eles querem angariar apoio da comunidade ostentando esse tipo de arma? Ainda mais num dia em que há um bando de jovens da periferia (não só pela apresentação de dança de rua como pelo som que está tocando no espaço de dança)? É para mostrar democracia, como a dizer "somos truculentos em qualquer lugar", ou é para avisar "cuidado, malandros, que estamos aqui só esperando vocês aprontarem"? Não sei, só sei que me sinto incomodado e ofendido com aquela arma na mão do policial sem nenhuma razão para que ele a segurasse.

E no fim, mesmo dando um rolê pelo centro, consigo anotar os tópicos para a crônica e chegar a tempo na academia.

São Paulo 30 de junho de 2012.