domingo, 5 de agosto de 2012

Estudo ou dança? Rolê pelo centro.

Hesitava entre ficar em casa e estudar e ir a uma apresentação de dança. Como vi que não iria estudar de qualquer forma, decidi pela dança. Nenhuma novidade até aí – sempre tenho essa dúvida, sempre vejo que não vou estudar, sempre decido pela dança. O diferente foi que desta vez eu decidira faltando vinte minutos para o início do espetáculo. Me arrumo correndo: ponho minha camiseta do Mahler, lembro de pegar a caderneta pra qualquer anotação. Vou de metrô para chegar a tempo. Desço no metrô República. Um hippie toca violão elétrico e canta algo que não reconheço. Me surpreendo com uma fila em frente a um cinema pornô: que raios estará acontecendo? Terá reabrido de repente como cinema normal? Ao me aproximar, noto que a fila é para o fast food ao lado. Quase chegando à Olido, ouço uma moradora de rua contando a outro: “deu um tiro e saiu correndo”. Fico me perguntando se o tiro era de arma ou de pó. Chego em cima da hora para a apresentação: ingressos esgotados. Costumo chegar sempre com meia-hora de antecedência, raríssimas vezes presenciei a sala Paissandu lotada, mas eis que hoje...


Frustrado, decido dar um rolê pelas quebradas, olhar o movimento, quem sabe escrever uma crônica.

Vou até a Rio Branco, caminho um pouco por ela e entro em uma perpendicular que me parece um pouco mais movimentada, em direção à Consolação. É a região que os transeuntes me dão um pouco de medo, admito – mas nada que me faça fugir de lá. Nóias passam tranquilamente. Há lixo pelas ruas – muito lixo espalhado. Creio que houve época que isso era feito por cachorros. Pessoas bebem nos bares. Em frente a um inferninho, o porteiro com a camiseta do Corinthians joga algo no celular. Prostitutas passam, trans vão para seus pontos, uma moça que não sei se trans ou mulher me oferece seus serviços. Agradeço sem parar. Enquanto passo pelas vielas da cidade sujas de lixo, as calçadas congestionadas pelas mesas dos bares, me pergunto o quanto não circula de pó (cocaína, mármore, maisena) e DSTs por entre as veias de quem tem na rua mais do que um local de passeio – preconceito meu? Quantos sonhos frustrados não povoam aquela região da cidade – da população e da própria São Paulo –, e quantas pessoas ali nunca tiveram sequer a possibilidade, o direito de sonhar? Sonhar é de graça, mas tem horas que acho que é preciso ter pelo menos dinheiro para conseguir fazê-lo de forma que não se torne apenas outra frustração. Ouço o fim da frase de uma garota de programa, em frente a um inferninho, abraçada a um rapaz: “afinal, você é meu namorado, não é?” Os anseios por uma vida banal não faz distinção de classe.

Ao cruzar a São João o medo muda de figura: temo agora a polícia: se me pegarem, não sei se tenho dinheiro suficiente para salvar minha pele. Quem não deve não teme, dirão os cidadãos de bem, crentes de que se estou andando por Cracolândia e Boca do Lixo é porque suspeito sou. E a quem pensa assim, espero mesmo que tenha razão: não gostaria de ser o que esse tipo chama de pessoa de respeito.

Desta feita reparo um pouco nos prédios. Há prédios antigos, década de sessenta, setenta, bem conservados. Há um monstrengo que tem nos primeiros andares estacionamento: um prédio desses é um atentado a qualquer cidade. Passo por um dos primeiros prédios do Niemeyer. O Copan está ali perto: para São Paulo, cai bem, mas creio que se fosse em Barcelona, por exemplo, teria sido um atentado contra cidade, violento e feio como o prédio de estacionamentos – ou prédios de vidro verde. Reparo em um prédio novo, na beirada do Minhocão, com muitas placas de aluga-se e vende-se. Minhocão que, como comentou um amigo estudante de arquitetura, é um muro que protege os pobres das regiões degradadas do avanço da especulação imobiliária – ou seja, uma reserva de mercado de três quilômetros para as empreiteiras–, e protege os ricos da turba fedorenta que limpa latrinas e atende em lojas.

Uma festa infantil acontece no primeiro andar de um prédio, em frente travestis fazem ponto. Passo por um bar chamado “Canela de prata” e, a la Francoy, me vem à mente futebol paraolímpico. Passo por uma travesti com quantidade industrial de silicone nos seios – a impressão que dá é que vão estourar a qualquer momento. É domingo, início da noite, o movimento, salvo nos bares de uma avenida, é tranqüilo. Uma hora escuto um estrondo do outro lado da rua, me abaixo me protegendo (se é que se abaixar protege de algo) do que pode ser que tenha estourado. Alarmes de carro disparam. Meu ouvido zune. Um homem parado na frente de um prédio, um pouco a minha frente comenta com outro: “putaqueopariu, que cagaço!”, “mas você não viu o cara do estacionamento pondo a bomba?”, “vi porra nenhuma”. Não entendo o porquê de estourar a tal bomba em frente ao próprio estacionamento. Sinto um cansaço gigantesco: a descarga de adrenalina foi forte. Mais do que cansaço, meu corpo dói do susto. Decido que é mais do que hora de voltar pra casa.

Em frente a uma igreja presbiteriana, o vendedor de pipocas espera sua hora (de ganhar dinheiro) ouvindo o jogo do Santos. Já na Augusta, cruzo com um cadeirante fazendo rali – imagino se fosse pro caminho da casa da minha amiga na Penha: estaria impedido de circular. No inferninho do Garcia, mentor espiritual do meu amigo [j.mp/cG25712], novidade: está uma mulher de maître, vestida de social e tudo o mais. Os bares estão pouco movimentados – só no início da Augusta, uma balada parece mais agitada. Ao passar pelo Cine Sesc, reparo no inferninho que fica logo ao lado – inferninho de luxo: até nisso o Sesc soa ascéptico. Mais ou menos defronte o cinema, do outro lado da rua, uma moradora de rua tira algo da roupa – não sei se bolinhas da blusa de lã ou insetos. Na revenda de carros próxima de casa noto que mais um Porsche foi vendido.


São Paulo, 05 de agosto de 2012.

sábado, 4 de agosto de 2012

Uma mocinha bonita e um amigo repentinamente atraente

Havia estipulado como regra em texto antigo – quando ainda buscava uma nova Ruth – que para uma guria constar como personagem de crônica, eu deveria cruzar com ela três vezes – claro, quando acontecesse uma noitada um pouco mais fora do comum [j.mp/cG25712], não precisaria seguir tal regra. Descobri que há algumas pessoas realmente desocupadas e que me lêem com certa assiduidade – e não são meus pais! Essas já notaram, certamente, que desrespeitei tal regra várias vezes – se bobear comecei na crônica em que a estipulava.

Quebro novamente a regra. Não por ter tido uma boa noitada, como eu bem gostaria – até porque as melhores eu não lembro de transformá-las em crônicas, mais ocupado fico com outras coisas. A questão foi mais singela: uma mocinha bonita e um amigo repentinamente atraente.

Fui com meu amigo assistir ao show da curitibana Copacabana Club, na Augusta, e me deparo com uma guria muito bonita – até aí, há muitas. Reparando um pouco mais, me pareceu uma personagem saída de um romance do Murakami, o que me deixou absolutamente encantado por ela. Se tratava de um pequena japinha (menos de um metro e sessenta, certamente), magra, miudinha, cabelo curto, delicada, muito bonita, como já disse, e que passou o show todo dando a impressão de que brincava de esconde-esconde com o amigo mal humorado que a acompanhava – um jeito meio de “moleca” e muito alheia ao que acontecia. Pelo tamanho, poderia ser Yuki, de Dance dance dance, pelo alheamento e ter mais de dezoito anos, Sumire, de Minha querida Sputnik.

Enquanto eu me hipnotizava pela personagem do Murakami, que só me notou no final da balada e passou por mim com uma graciosa falta de jeito e timidez, sem dar qualquer abertura – o que foi bom por um lado, pois evitou que o sem jeito fosse eu, de modo a me fazer voltar para casa frustrado por não ter aproveitado a oportunidade –, meu amigo ficava parado e as pessoas davam em cima dele. Não sei se foi porque a moda o alcançou – ele usa barba e óculos –, se foi o poder sedutor da sua aliança – ele é casado –, sei que quase me sobrou uma garota e um bombadinho – naquele esquema: “estou a fim do casado barbudo de óculos, não quer ficar com o amigo dele enquanto isso?”. Como meu amigo não queria nada, também não me sobrou nada. Além dessas duas pessoas, outras duas mulheres e outro cara se esfregaram nele ou lançaram olhares lascivos. Ele seguia parado, fazendo observação antropológica, como o próprio definiu seu aspecto de tédio. Ok, nenhuma era a japinha do Murakami – ou o amigo dele –, mas não deixei de me sentir um tanto rejeitado – fosse ele um sex symbol, até compreenderia. Talvez ele tenha apenas agido como um cara cool, como Calvin uma vez fizera, e eu usava algum "sombrero existencial":



No fim, voltamos para casa conforme o esperado: um acompanhando o outro. A diferença é que d'ele isso era esperado porque não faria nada além; já de mim, porque não conseguiria nada. Tentei retomar Quadrilha, do Drummond: João desdenhava Teresa que desdenhava Raimundo/ que desdenhava Maria que desdenhava Joaquim que desdenhava Lili/ que não desdenhava (quase) ninguém. Se apareceu algum J. Pinto Fernandes na história, não fiquei sabendo, pois já estava em casa, escrevendo esta crônica besta.

São Paulo, 04 de agosto de 2012.