quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Sinceridade de mãe

Amigo meu, leitor de Montaigne, comentou, dia desses, que o ensaísta francês fala que virtude em excesso deixa de ser virtude. É o que estou tentando explicar para minha mãe esta semana: sinceridade em excesso pode não ser algo muito legal – ainda mais ser sincera com um filho espírito-de-porco como este escriba.

A primeira resvalada de sinceridade de minha estimada progenitora se deu há uns cinco anos. Conversávamos pelo skype e uma hora ela solta: “teu irmão é inteligente, você é esforçado”. Além de sincera, foi também uma mostra de ingenuidade da minha mãe, ao crer que eu seja esforçado – a não ser que ela encare positivamente o fato de eu me esforçar para fugir da labuta. Agradeci pela sinceridade e pela parte que me cabia. Ela quis se explicar, não deixei: a frase estava boa assim; se explicasse, estragava! Até hoje ela tenta se explicar, toda vez que relembro que meu irmão é inteligente, enquanto eu, eu sou esforçado.

Nova mostra de sinceridade ela me deu esta semana, que passo na casa dos meus pais. Ao contar de uma amiga deles, que depois de falar as agruras com seu filho, concluiu: “vocês que tiveram sorte com os filhos”; minha mãe olhou para mim e comentou: “não sei se foi sorte”. Não deixei que terminasse a frase: estava ótima! Novamente, quis se explicar, que ter dito que não sabia se fora sorte não significava que estava dizendo que tiveram azar, pelo contrário, mas eu já tinha entendido o que precisava.

Por sorte, sou um rapaz bem resolvido, e a sinceridade de minha mãe uso como piada (e agora como crônica – "claro", diria ela). Ela, por outro lado, parece estar começando a se traumatizar com o filho...


Pato Branco, 15 de agosto de 2012.

PS: além de me achar esforçado, e que não sou um caso de sorte, minha mãe, como boa mãe, também reiteradamente repete que me acha bonito: sinal que ela vê sempre o lado positivo, ou que não tem um discernimento lá muito grande?

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Olha o rapa!

Estou caminhando na rua Coronel Xavier de Toledo, próximo à entrada do metrô Anhangabaú, em direção à Paulista. Percebo um certo frenesi entre os ambulantes: é a guarda civil municipal fazendo o rapa. A novidade para mim é que desta vez passo quando o rapa está em ação, e não quando já passou ou é ainda apenas uma ameaça. Logo estão todos os ambulantes recolhendo rapidamente suas mercadorias e partindo em disparada. Alguns levam só os produtos, mesmo, e deixam as caixas onde as expunham. Outros – como o criminoso que vende cedês de mp3 – saem carregando a caixa na cabeça.

Vindo na outra direção, um negro, desses que vendem relógio e bijuterias, fura o primeiro cerco, mas corre na direção errada e é pego no segundo – praticamente na minha frente, que de início me assunto com uma mulher caindo. O homem se desvencilha da mochila que um dos guardas segurava e desce as escadas, ainda com uma maleta. Tropeça e cai. Os dois guardas decidem empreender a caçada: um deles sai correndo atrás do bandido, cassetete numa mão, a mochila na outra. O outro já desabotoou o coldre e troteia atrás dos dois com a mão na arma.

É prendendo vendedores ambulantes de berloques que São Paulo ganhará o selo de cidade civilizada, vindo diretamente de Genebra, penso.

Uma multidão se forma para acompanhar a fuga – só um casal se beija alheamente ao que se passa ao redor. Não chego a olhar com atenção, mas numa vista rápida, conto cinco carros da guarda civil municipal: combate eficiente ao que há de mais pernicioso na sociedade, pelo jeito: dá tempo pra correr atrás de camelô. Duas mulheres me perguntam se foi assalto. "Não, rapa", "Ah, coitado". Um guarda com uma lanterna vasculha um local escuro e acha um papelão com capas para celulares. Noto a grandiosidade da obra da guarda: o Brasil sem as nocivas capas para celulares estará a um passo de se tornar um país desenvolvido.

As pessoas começam a se dispersar, eu também sigo meu rumo. No caminho, um bichinho de pelúcia no chão, que o ambulante não conseguiu pôr no saco e a guarda não recolheu como prova do crime. Quem se abaixar para pegá-lo terá economizado cinco reais.


São Paulo, 10 de agosto de 2012.